TEXTO 6: O Reichstag de Bush - José Arbex Jr.
  FONTE: http://www.ecomm.com.br/carosamigos/da_revista/edicoes/ed55/arbex.asp
Ninguém lucrou tanto quanto Geroge Bush júnior com o atentado de  11  de
setembro, por várias razões. Ei-las:
1.  Legitimidade Bush não foi eleito pela maioria do povo de  seu  país.
Venceu  graças à fraude mais descarada, típica de qualquer  republiqueta
de  banana.  No  dia  20 de janeiro, quando prestou juramento  para  ser
empossado  como novo chefe da Casa Branca, Washington amanheceu  ocupada
por  7.000 agentes da polícia, por temor de manifestações. Foi uma  cena
sem  precedentes  nos  Estados Unidos. Não é  carismático,  tem  domínio
bastante precário de seu próprio idioma e é amplamente conhecido por não
ser  exatamente  brilhante — ele próprio já comentou  as  piadas  que  o
descrevem como um completo idiota nos corredores da Casa Branca.
Pois bem, o atentado permitiu-lhe apresentar-se, pela primeira vez, como
presidente de fato dos Estados Unidos. Certo: com muitas horas de atraso
e  com uma hesitação imperdoável em qualquer estadista, ainda mais em um
momento  tão  crucial como aquele. Ainda assim, ele pôde  falar  como  o
representante  maior  da nação. Basta lembrar os  gritos  de  "USA"  dos
operários  enquanto Bush fazia uma caminhada por entre os  escombros  do
World Trade Center.
O êxito do apelo à "união nacional" pode ser medido pela rapidez com que
o  Congresso  aprovou  a concessão de poderes ilimitados  para  utilizar
"todos  os  recursos  necessários" para "combater  o  terrorismo".  Bush
obteve  a  unanimidade no Senado e 420 votos da Câmara dos Deputados.  O
único voto contrário foi o da democrata Barbara Lee, da Califórnia,  sob
a  alegação de que a medida, na prática, eliminava o equilíbrio entre os
poderes   e  colocava  em  questão  a  própria  essência  da  democracia
americana.  Tal  coesão em torno de Bush seria absolutamente  impensável
até algumas horas antes do atentado.
2.  Globalização Até o dia 11 de setembro, as instâncias que  mandam  no
mundo  globalizado — G-8, FMI, Banco Mundial e a Organização Mundial  do
Comércio  —  estavam  cada  vez mais isoladas e  desmoralizadas,  sob  o
impacto  de crescentes mobilizações de rua. As manifestações de  Gênova,
que  chegaram  a mobilizar 300.000 pessoas após o assassinato  do  jovem
italiano  Carlo  Giuliani,  23 anos, colocaram  em  um  novo  patamar  o
movimento  contra  a globalização. Os ricos estavam  na  defensiva,  não
tinham nenhuma proposta, não apresentavam nenhuma iniciativa.
Depois  do  atentado,  as  coisas mudaram, pelo  menos  momentaneamente.
Dentro  dos  Estados  Unidos, foram imediatamente suspensas  importantes
manifestações  previamente convocadas para o final de  setembro.  Muitas
organizações    ficaram    temerosas   de    ser    qualificadas    como
"antipatrióticas" ou mesmo de "terroristas".
Pior  ainda:  as  polícias políticas começaram a  agir  com  muito  mais
arrogância e desenvoltura contra os movimentos sociais e populares,  nos
Estados Unidos e em todo o mundo. Nem é necessário desenvolver aqui,  em
detalhes, a brutalidade das operações comandadas pelo FBI, que passou  a
criar "listas de suspeitos" sem explicar quem são eles, quais os motivos
que fizeram com que assim fossem considerados, nem sequer explicitar  os
crimes  de que são acusados. Basta ouvir ou ler com um mínimo de atenção
as  notícias  que  chegam de lá para dar-se conta do clima  de  demência
histérica devidamente criado com o auxílio da mídia. Qualquer semelhança
com o período macarthista, nos anos 50, não é mera coincidência.
No  quadro  da  União  Européia, já estava  em  curso  uma  operação  de
"criminalização"  dos  movimentos contra a globalização.  Logo  após  os
eventos  em  Gênova e duas semanas antes do atentado em  Nova  York,  os
ministros  do  Interior  dos países membros da  UE  já  haviam  decidido
utilizar contra todo e qualquer manifestante os recursos de inteligência
antes  empregados apenas contra os suspeitos de narcotráfico. Criaram  o
Sistema Schengen de Informação (SSI), fortemente criticado até mesmo por
intelectuais  liberais  como  um atentado ao  direito  de  manifestação,
expressão e de livre trânsito. Depois do atentado, o anunciado "reforço"
das  "medidas de vigilância contra o terror" apenas serviu  de  pretexto
para ampliar o policiamento.
Mesmo  nos  países  "periféricos" como o Brasil, o  atentado  serviu  de
pretexto  para uma escalada sem precedentes da mentalidade policialesca.
Subitamente,  as  notícias  sobre  os  famosos  "arquivos  secretos"  do
Exército encontrados em Marabá sumiram das páginas dos jornais.  Sob  as
ordens  diretas  de  Fernando Henrique, que se  apressou  a  prestar  as
condolências  ao  seu  patrão  Bush — os 70.000  mortos  em  Hiroxima  e
Nagasaki, os 3 milhões de mortos no Vietnã, os 100.000 mortos no Iraque,
as   dezenas   de  milhares  de  mortos  no  Sudão  ainda   esperam   as
"condolências" dos dignitários brasileiros —, o ministério da Justiça, a
Polícia Federal e a Abin anunciam novas medidas "contra o terrorismo". É
claro  que,  como  esse  conceito é amplo,  logo  qualquer  opositor  ao
governo, por exemplo o MST, poderá ser acusado de "terrorista".
3.  Petróleo Bush e mais ainda o seu vice, Richard Cheney, são oil  men,
representantes  diretos  das empresas petrolíferas  do  Texas.  Não  por
acaso, Cheney anunciou a disposição de abrir à exploração do petróleo as
últimas regiões de preservação ambiental situadas no Alaska, com efeitos
devastadores para o equilíbrio ecológico e ampliação do "efeito estufa".
A  submissão  canina  de Bush aos interesses dos  petroleiros  do  Texas
determinou  a  sua ruptura com o Protocolo de Kyoto, aprofundando  ainda
mais o isolamento dos Estados Unidos na comunidade das nações.
Ora,  a  luta  pelo  controle do petróleo mundial  confere  o  norte  da
estratégia  dos  Estados  Unidos para o golfo  Pérsico  e  para  a  Ásia
Central.  E  existe um país cuja localização geográfica é  absolutamente
estratégica,  justamente por ser a região de passagem  entre  o  Oriente
Médio  e  a  Ásia Central. Esse país se chama Afeganistão. O  cerco  dos
Estados Unidos ao Taleban só aparentemente tem algo a ver com o "combate
ao terrorismo". Trata-se, na verdade, de criar as condições geopolíticas
para  o  controle  das  mais vastas reservas  de  petróleo  do  planeta,
situadas em uma região que, historicamente, foi "área de influência"  da
Rússia czarista e depois da União Soviética.
Os  cinco  países  da  bacia do Cáspio — Azerbaijão,  Cazaquistão,  Irã,
Rússia  e  Turcomenistão — possuem reservas estimadas em 200 bilhões  de
barris  de  petróleo  e um volume comparável de gás. Apenas  Azerbaijão,
Cazaquistão e Turcomenistão contêm mais petróleo e gás do que  o  Golfo.
As  cinco  maiores  empresas petrolíferas dos Estados  Unidos  (Chevron,
Conoco,  Texaco, Mobil Oil e Unocal) concluíram ou estão concluindo  uma
série  de  acordos  bilionários com esses países  (exceto  o  Irã)  para
explorar suas reservas.
Fica  fácil entender por que, em 1992, o senador norte-americano  Robert
Dole  declarou  que  as  "preocupações" dos  Estados  Unidos  quanto  às
reservas de petróleo e gás mundial haviam se ampliado da região do Golfo
"rumo  ao  norte, incluindo o Cáucaso, o Cazaquistão e  a  Sibéria".  E,
cinco  anos  depois,  o  senador  Sam Brownback  fez  aprovar  uma  nova
resolução, conhecida como Estratégia da Rota da Seda, segundo a qual  os
Estados  Unidos deveriam "ampliar a sua presença" na bacia do Cáspio,  à
medida  que são construídos novos oleodutos entre o Oriente e o Ocidente
através  daquela região. A Rota da Seda foi o caminho seguido por  Marco
Pólo para o Extremo Oriente, e abarca boa parte do Afeganistão. É também
o petróleo, aliás, que explica os interesses em jogo na guerra da Rússia
com  a  Chechênia.  Por ali passam fontes e linhas de  abastecimento  de
petróleo e gás iranianos e da bacia do mar Cáspio.
O  atentado deu a Bush todos os pretextos para uma intervenção em grande
escala  naquela  região, certamente impensável até  11  de  setembro.  O
presidente  russo Vladimir Putin, certamente pressionado pelos  generais
de  seu país, ensaiou um tímido protesto contra o deslocamento maciço de
forças  militares dos Estados Unidos para aquela área.  Mas  Putin  está
economicamente  prostrado e politicamente "amarrado" pelos  compromissos
no quadro do G-8.
4.   Geopolítica  Os  Estados  Unidos  vinham  sofrendo  uma  série   de
importantes  reveses no quadro da ONU. Em março, foram expulsos  de  sua
Comissão  de  Direitos  Humanos, por ter votado sistematicamente  contra
todas  as  resoluções aprovadas por aquela instituição, desde  1948.  Em
junho, a Conferência de Bonn aprovou o Protocolo de Kyoto, por 178 votos
contra  um (Estados Unidos). Em seguida, os Estados Unidos foram levados
a  se  retirar  da  Conferência contra o Racismo, de Durban,  junto  com
Israel.
Agora,  Bush  deu  o  troco. Na prática, a arrogância  imperialista  dos
Estados  Unidos  destruiu  a  ONU.  Todas  as  medidas  anunciadas   por
Washington  após o 11 de setembro passaram à margem e ao  largo  daquela
instituição. Claro, isso já tinha acontecido, em alguma medida,  durante
a  guerra  do Kosovo (quando as iniciativas foram tomadas no  quadro  da
OTAN). Mas agora todas as máscaras caíram, definitivamente. Tio Sam  não
atribuiu nenhuma legitimidade à organização.
Isso  é  especialmente perigoso quando se considera que, com a  operação
militar  atualmente em marcha, a Casa Branca tem um objetivo estratégico
bastante preciso: lançar sólidas bases que lhe permitam controlar  total
ou    parcialmente   a   Eurásia,   região   considerada   absolutamente
"estratégica",  no século 21, pelo establishment intelectual  americano.
Só  que, para realizar esse plano, os Estados Unidos ainda têm de  criar
um  "cordão  sanitário"  em  torno  da  Rússia.  Esses  objetivos  foram
anunciados em 1992, quando o Pentágono aprovou uma resolução, intitulada
Defense  Planning Guidance (Guia de Planejamento de Defesa), trechos  da
qual  foram publicados no jornal The New York Times (de 3 de  agosto  de
1992).  O  documento  estabelece  como  um  dos  objetivos  centrais  de
Washington  "neutralizar" e "impedir o renascimento"  da  rival  Rússia.
Isso tinha como uma das conseqüências imediatas "ampliar a presença" dos
Estados  Unidos  nos países que faziam parte da União  Soviética,  assim
como nos Bálcãs e no antigo Leste europeu.
Essa perspectiva é também defendida por Zbigniew Brzezinski, ex-chefe do
Conselho  de  Segurança Nacional dos Estados Unidos e um  de  seus  mais
influentes  estrategistas. Brzezinski explicita três  razões  principais
para  "neutralizar" a Rússia: é o país que liga a Europa à Ásia, é  dona
de vastos recursos naturais (ainda mais, se contar com os países sob sua
influência) e, sendo altamente instável do ponto de vista político, pode
permitir que novos movimentos comunistas ou nacionalistas tomem o poder,
assim como provar-se incapaz de conter a "expansão islâmica".
A  "conquista da Eurásia" é a pedra angular de sua estratégia. "Cerca de
75  por  cento da população mundial vive na Eurásia, que possui a  maior
parte dos recursos naturais do planeta... Ali estão 60 por cento do  PIB
do  planeta  e  cerca  de  75 por cento de suas reservas  conhecidas  de
energia... Depois dos Estados Unidos, as outras seis maiores economias e
os  seis  maiores  investidores em armas estão localizados  na  Eurásia.
Todos  os poderes nucleares, exceto um, estão ali localizados" (Zbigniew
Brzezinski,  The Grand Chessboard: American Primacy and its Geostrategic
Imperatives, Basic Books, Nova York, 1997).
Não  há dúvida, portanto, de que a presença militar na Ásia Central  não
corresponde,  em  hipótese  alguma, a  uma  "reação  ao  terrorismo".  É
resultado  de  uma estratégia de longo alcance, muito bem  pensada,  que
lança mão do pretexto para se colocar em marcha. Daí também a fabricação
do  "Islã  fanático". O "combate ao Islã" tem como real justificativa  o
solo geopolítico sobre o qual ele se desenvolve.
5.  Indústria  armamentista Esse ponto funciona  apenas  como  um  óbvio
corolário  do exposto nos quatro anteriores. É óbvio que os  fabricantes
de armas (e seus correlatos de espionagem) estão abrindo várias garrafas
de champanhe. E também é óbvio que, se a operação toda ganhar a dimensão
que  Bush  espera,  a  economia americana em recessão  ganhará  um  novo
fôlego. Sempre foi assim, e não há razão para ser diferente agora.
Assim,  Bush  e  seus asseclas devem estar secretamente  comemorando  os
efeitos  do  atentado  de  11 de setembro. Não  poderia  receber  melhor
notícia. Irresistível, nesse ponto, fazer uma analogia com o incêndio da
sede  do  parlamento alemão (Reichstag), na noite de 28 de fevereiro  de
1933.  Enquanto  o  prédio ainda ardia, Adolf  Hitler,  que  acabara  de
assumir  o poder, fez um dramático discurso: "Vocês têm aqui um  exemplo
do  que  a  Europa e nós devemos esperar do comunismo. Sobre este  cairá
agora  o  punho  duro  e poderoso". Imediatamente,  foram  presos  4.000
militantes  comunistas  e outro tanto de social-democratas  e  liberais.
Hitler,  com grande senso de oportunidade política, aproveitou o momento
para consolidar o poder nazista. Começava a sua ditadura.
Hitler  responsabilizou  os comunistas, antes  de  qualquer  comprovação
(como Bush, devidamente ancorado pela mídia histérica); também falou  em
nome  da "Europa", contra o inimigo universal comunista (como Bush  fala
em   nome  da  "civilização"  e  da  "democracia"  contra  o  Islã);  e,
finalmente,  fez do julgamento uma farsa para justificar a  sua  própria
ditadura.  Até  hoje  existem dúvidas quanto à autoria  do  incêndio  do
Reichstag.  Ao que parece, foi um ato isolado do comunista holandês  Van
der  Lubbe, embora existam suspeitas de que tenha sido obra dos próprios
homens de Hitler.
Não  há,  obviamente, evidências de que os "homens de  Bush"  armaram  o
atentado  em  Nova York e Washington. Mas nada prova o contrário.  Osama
bin  Laden,  o  principal  "suspeito", foi treinado  pela  CIA  (serviço
secreto)  e,  portanto, usa os seus métodos. Se foi mesmo ele  o  autor,
como  conseguiu montar tal operação sem ser detectado? Não seria essa  a
primeira  vez,  aliás,  que  os  serviços  secretos  americanos   teriam
permitido  a  realização  de um ataque, para com  isso  obter  pretextos
necessários aos seus objetivos (lembre-se de Pearl Harbor).
Independentemente  de  quem foi o culpado, o ato  terrorista  de  28  de
fevereiro de 1933 foi ideal para a ascensão de Hitler, assim como  o  11
de setembro de 2001 foi ideal para dar um impulso decisivo ao governo do
medíocre  Bush.  Um  filósofo alemão disse, certa vez,  que  a  história
sempre se repete como farsa. Tivesse ele a infelicidade de conhecer Bush
júnior,  que  já  é  a versão tragicômica de seu pai  (ele  próprio,  um
emblema da decadência americana), o filósofo seria obrigado a dizer  que
não  há  limites  para  a farsa (e para a indecência)  na  história  dos
homens.
José Arbex Jr. é jornalista.
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