Estas são as interpretações feitas por Millôr Fernandes da estória
de
"Chapeuzinho Vermelho", emulando os estilos de Guimarães
Rosa, David
Nasser & Jean Manzon, Austregésilo de Athayde e Raquel de Queiroz.
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O QUE TIVESSE DE SER, SOMENTE SENDO
Estilo antifigúrico (à
maneira de Guimarães Rosa)
Millôr 1998
***
No contravisto do caminho, Capuchinho Purpúreo ia à frente, a com légua
de andada, no desmedo da floresta. O bornoz estornava demasias de gula,
carnalidades, guleimas, bebeiras e pitanças pra boca de pessoa, a vó,
sem nem aviso antes. Sente o muito bicho retardar, ponderado. Hora
de
poder água beber, esses escondidos. Por ali sucuri geme. O céu
embola
no brilho de estrelas, cabeça de Chapeuzinho vai que esbarra nelas.
É
um escurão que peia e pega. Dali vindo, um senhor Lobo, na frente
da
boca todos os demais dentes de caso quisesse.
- Se é, sê, linda menina, que parece dispor de muita virtude
na
pressa desse aonde.
- Nada, nada vezes - disse, e pensou Capuchinho,
deve ser o
Incapacitado, no irreconhecível do demônio.
E nem indagou nonada, mas Lobo no após, santificado de maldade, ensoou
que só estava na busca do significante de sua indagação.
Consoante
falou soez, amiudado, com propósito de voz. Capuchinho
arrenegou e,
suspendida no fôlego, atravessou o Pardo e o Acari, pela
Vereda do
Alegre, no célere do pressentido. O lobo,
coração quejando nas
esquerdas foi pelo Piratinga, que é fundo, mas subindo beira desse, se
passava. Chegou em inhantes, não muitos, com tempo de assinalar
à vó
outros caminhos, só você entende, com padre Quelemém, e se botou, assim
deitado coberto, na espera que o que viesse vinha - o que não
é de
Deus, é estado do Demônio. Capuchinho foi chegando, mostrou papanças e
pitanças, salivas de goelas, bocas e queixadas, e daí deu-se ver na vó
sinais discordes.
- A ser, avó querida, no desarranjo da forma, sem falar
feieza,
suas orelhas desmandam.
O velho lobo, no entendido da hora disse que na velhice os sons se vão-
se e a orelha sai em busca, o nariz dá no mesmo de comprido
tentando
tragar cheiro esfugido. E que os dentes vão crescendo pro Vups, que ele
deu logo na garganta da carótida salutar da carne doce doçura. E pois,
pelos entretantos, dito Zé Bebelo, provedor da
estúrdia forca de
enforcar no morrote de São Simão do Bá, se apareceu, ele mesmo em
sua
pessoa, de laço e baraço devido restante enforcamento.
Capuchinho,
agora pois, no choro. Nem todo mundo carece, mas tem os que. No
mais,
nada. O que termina acaba. Viver é muito
perigoso, compadre meu
Quelemém.
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CHAPEUZINHO SERÁ MESMO VERMELHO?
Estilo de reportagem 1950 (à maneira de David Nasser & Jean
Manzon)
Millôr 1949
***
Enviados especialmente à Floresta do Kalaiban os repórteres
viajaram
três mil milhas num magnífico quadriplano da Branif,
tendo corrido
graves perigos de emboscadas dos selvagens e escapado várias vezes
de
ser mordidos por cobras de oitenta e cinco metros de
comprido, mas
trouxeram a verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho,
aqui pela
primeira vez publicada no Brasil.
Escondidos atrás da árvore, Jean Manzon e eu, isto é, Eu e Jean Manzon,
aguardávamos a aparição do Lobo Mau, que deveria surgir
a qualquer
momento. Depois de duas horas de esperar cinco minutos, surgiu, afinal,
a figura repelente do Lobo Mau. A cara
do Sr. Lutero Vargas.
Conversamos com ele longamente. Minucioso nas suas intenções, o
Lobo
Mau deixou-se, porém, convencer, não sem uma certa relutância.
Jean
Manzon bateu-lhe várias fotografias. Assim, devidamente
combinados,
partimos para a casa da avozinha de Chapeuzinho Vermelho,
depois de
"conversarmos" o Lobo. Ele enviaria Chapeuzinho para a casa de sua avó,
enquanto nós tomaríamos o lugar desta, Manzon escondido dentro de
um
armário para tirar fotografias. Amordaçamos a
velha facilmente e
deixamo-la na cozinha. Meia hora depois, Manzon já instalado no armário
e eu na cama, com o cobertor até o queixo
para que ela não me
reconhecesse, ouvimos a batida de Chapeuzinho Vermelho à porta: "Entre,
minha netinha", disse eu. Chapeuzinho Vermelho entrou. É uma bela moça
de seus vinte e dois anos, linda e bem feita de corpo. Se aproximou de
mim e perguntou como eu estava: "Ah, muito bem, minha filhinha,
muito
bem."
- "Vovó"- disse ela, enquanto Manzon batia imperceptíveis
chapas
através do buraco da fechadura do armário - "por que a
senhora
está com tão pouco cabelo?"
- "Ah, minha filha,"- respondi eu
- "é de tanto procurar
assunto."
- "Vovó"- disse então Chapeuzinho Vermelho - "por
que a senhora
tem as orelhas tão grandes?"
- "Ah, minha netinha, é para ouvir tudo que dizem por aí."
- "Vovó, por que a senhora tem os dentes tão aguçados?"
- "Ah, minha netinha, isso é o Barreto Pinto quem sabe."
Depois de perguntar isso, Chapeuzinho Vermelho pôs-se a mudar de roupa,
tendo Manzon batido sensacionais flagrantes. O ilustre causídico
Dr.
Evandro Lins e Silva nos defenderá das infames calúnias que
ela nos
atirou.
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O ESPÍRITO SOBRENADARÁ
Estilo metafísico (à maneira de Austregésilo de
Athayde)
Millôr 1949
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Tenho que Chapeuzinho Vermelho, essa pobre moça vítima das insídias do
Lobo Mau, não está sozinha nesta Batalha de Eras. Envolvida no
ardil
torpe de um ser altamente experimentado nas artimanhas de nosso
tempo
ela se deixou sucumbir. Não deduzamos, porém, loucamente,
que tudo
esteja perdido. A floresta em que Chapeuzinho se perdeu é o
próprio
símbolo dos desvios e perigos a que estamos sujeitos neste mundo
sem
Fé. E quando ela pergunta e pede
informações em sua inocência
fundamental, quem a guia e orienta é justamente um ser da pior espécie.
Já a própria primariedade do ardil empregado indica a pureza da jovem.
Outra, de maiores recursos imorais, experiente na lógica prática
da
vida, teria compreendido e resistido ou se perdido para todo sempre.
Conheci Chapeuzinho Vermelho quando me
dirigia para a Missão
Livingstoniana, logo depois de terminada a Grande Guerra. Sei por isso
que não pensou, dada a pureza que lhe
reconheci, nas diferenças
primaciais entre sua Avó e o Lobo. Isso a salva e aniquila o valor
do
Mal. E bastaria que dessa catástrofe
sobrasse a glória de sua
inocência, para que qualquer homem de Bem pudesse continuar a crer
na
sobrevivência do amor. Pois está no plano da natureza que a alma é mais
importante que o corpo, e, salva a parte mais importante da
criatura
humana em Chapeuzinho, está salva com ela a humanidade.
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TRAGÉDIA DE PAIXÃO
Estilo telúrico (à maneira de
Raquel de Queiroz)
Millôr 1949
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O caso triste deu-se por estas bandas - ela magrinha e
jeitosa ia
passando pelo caminho do Quixadá levando no braço a cesta de
baba-de-
moça e de pudim de coco que a mãe fizera para a vó quando o tipo forte,
grosso, simpático, saltou dos matos e interrompeu-a:
- "Onde é que tu vai com esse chapeuzinho tão
vermelhinho na
cabeça?"
Ela ficou de medo rija, mas ao mesmo tempo achava o moço
simpático,
disse que ia ali mesmo levar uns negócios pra vó, ele perguntou aonde,
disse se não podia acompanhá-la. Ela se fez de rogada, abanou que não.
Mas o tipo era sabido, conhecia a redondeza, atravessou
a ribeira,
pulou o cercado, arrodeou o açude, afastou os porcos na
engorda por
trás da casa do Chico Vira-Mão e
foi desembestar suarento e
resfolegante na casa da avó da Cabecinha Encarnada. Só teve mesmo tempo
de matar a velha, enterrar embaixo da banheira e se deitar na cama que
já as batidas fracas na porta diziam que a mocinha estava ali.
Diz que ela entrou, botou os doces em cima do baú e foi dar uma palavra
com a vó que há muito não via. Estranhou e perguntou:
- "Vovó, por que a senhora está com orelhas tão grandes?"
A vó respondeu que estava ficando velha, que orelha de gente velha vai
mesmo crescendo, depois explicou a ela que seu nariz
estava assim
porque ela tinha pegado um golpe de ar e, na hora em que
a mocinha
perguntou por que aqueles dentões tão enormes, o tipão já não
deixou
nem ela ter tempo de falar mais nada, tapou-lhe a boca,
puxou uma
peixeira e tome facada. Foi preso, está esperando
condenação. Aos
jornalistas diz que não se arrepende, que tinha amor, depois
teve o
amor transformado em ódio e que prefere ver ela morta que com cara
de
nojo pra ele. Diz que prisão por prisão prefere mesmo essa, que
homem
foi feito pra sofrer duro mas não para penar de mulher viva.
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Agradecimento pela remessa ao amigo:
Luiz Gravata <[email protected]>
- c.a.t.