P P P

Segundo nos conta Augusto Maurício em seu "Algo do Meu Velho Rio", da Livraria Editora Brasiliana (1966), no final dos anos oitocentos, existia no Rio de Janeiro, na rua Pedro I, perto da Praça Tiradentes, o Theatro Recreio Dramático. Num barracão junto ao teatro, estabeleceu-se, certa vez, um pintor rio-grandense que se chamava João Domingos da Cunha.

Relata Augusto Maurício : «Com admirável paciência e fértil imaginação conseguiu ele pintar um anúncio com foros de entrevista, uma propaganda de sua arte, com 430 palavras iniciadas com a letra P." Como curiosidade, aqui transcrevemos, na íntegra, o trabalho do artista patrício:


Passageiro petulante passando-me pela porta parou para perguntar-me porque pus à parede placa plena de PPP. Porque o ponho? Primeiramente porque possuo particular predileção pelos PPP.

Porque por P principiam as principais palavras portuguesas : Pai, Pátria, Primavera, Prudência, Pérola, Prêmio; Probidade, Perdão, Piedade, Poderio, Pureza, Perfume, Pintura, e, precisamente por P pronunciamos as piores pragas... portuguesas e... por P proferimos as péssimas palavras: Peste, Peçonha, Pulga, Piolho, Percevejo, Perigo, Perdição, Prostíbulo, Prisão, Patíbulo, Pecado e Precito. Para provocar propositalmente perguntas picantes dos passageiros pedestres. Por preencher perfeitamente predicados precisos para proclamar-me primordial pintor. Para poder pela propriedade persuasiva dos PPP pegar pessoas perdidas por pintura perfeita, produção prodigiosa! Portento! Porque, passando por pronto, popular e preferido pelo público e preocupando-me pelo porvir, preciso passar da popularidade à posteridade pela pachorrenta, penetrante e pertinaz propaganda por PPP. Porque, por profissão, pinto proficientemente Panoramas, Paisagens, Painéis. Placas para publicidade, Palácios públicos, presidenciais e particulares, Pavilhões, Pirâmides, Prédios, Panteons, Peristilos, Pináculos, Portas, Portões, Portais, Postigos, Pórticos, Peitoris, Parapeitos, Palanques, Palanquins, Palcos, Parques, Praças, Presépios, Peças, Peripécias, Prismas, Perspectivas, Planisférios, Pelejas, Plantas, Plumas, Pássaros, Pardieiros, Palhoças, Paquetes, Portalós, Postes, Pendões, Perfis, Peanhas, Pirinolas, Pilastras, Platibandas, Pagodes, Pontes, Pavimentos, Plataformas, Pedestais, Palmas, Pandeiros, Paredes, Peles, Porcelanas, Pau, Pedra, Pano, Papel e Papelão à pasta, pastel, pincel e pena. Prolongando-me, ponho papeis pintados pelas paredes, parecendo pomposa pintura de pincel produzida por pintor profundo, no próprio posto. Prosseguindo, pinto puerilidades, prodígios, pedindo para proposital preocupação: PAGAMENTO PRÉVIO. Prefiro pintar para pechincheiros pagando prontamente, a pintar para pagadores pigros por precisar persegui-los para pagarem partícula por partícula, posto que paguem.

Puxa!... Proferiu por fim o passageiro, pensando parlapatice ou patranha pretensiosa de pintores. Pensa, porventura, passara' por peta, pedantismo, pura pilhéria, pura parolagem? Posso provar perfeitamente!

- Como se chama?

- Por pseudônimo Pintor dos PPP; provenho de pais paupérrimos porém probos, parente próximo (primo por parte de pai) do provecto e profundo pintor pelotense, primeira palheta de Pelotas; Patrício Pires Pereira Peixoto da Purificação Paiva, presentemente professor de pintura dos príncipes portugueses, protetor do proletariado pobre, portanto, posso presumir-me perito pintor por progênie; pareço português, passo por paulista e, pesar próprio, para primasia, procedo de Pelotas. Precocemente patenteei propensão para a pintura. Principiei, pois, a pintar por passatempo porém, pela permanente procura, passei a praticar por profissão. Presentemente pinto para pagar persistentes pedidos de painéis para propaganda publica. Por precisão prorrogo prazos por prazos prevendo porém precisar pintar perseverantemente para, por fim, periclitarem posteiros pedidos porque posso perecer prematuramente, para pranteável perda da pintura pátria.

- E tem ganho muito?

- Pudera! Pintando pasmosamente por processos progressivos, porém por pequeno preço, pelo porte pareço pobre, porém, (poucos percebem) possuo poderoso pecúlio e propriedades produtores de prêmios precisos para passar... prodigamente, papando petiscos preciosos e peixadas preparadas pelos primeiros preparadores de piteos, preferindo pitanças e pratinhos picantes preconizados pelo popular Pechincha. Pintores peritos por preguiça parecem parvos pinta-monos e ... passam parcamente, por possível produzindo pena. Perseguidos pela pindaíba poem, prendas e prezeas de pedras preciosas no penhor, pagando poderosos prêmios, para perderem por fim as próprias prendas.

- Preclaro pintor!...

Perdoe-me, porém, preciso prevenir-lhe, posto que possa precisar pecúlio - prata - para produzir prodígios pode pedir-me, pois pretendo prestar-lhe próprios préstimos pela piramidal porção de PPP. Prestar-lhe-ei prescindido prêmio ou a própria paga porque principiam por PPP.

Por fim, para poder provocar-me, proferiu o passageiro profanado pelos PPP :

- Prometo poupar passadas pelas portas do pintor pelotense procurando pois poupar-me e pegar paixão pelos PPP, porque princípio a patenteá-la pela presente promessa.

- Percebo, parece-vos perigosa a propensão pelos PPP, portanto, prosterno-me penhoradissimo pela proteção prometida, permanecendo, pois, pronto para prestar proficiência plena, perícia patente, prática própria, privilégio particular. Poderia prolongar-me proporcionando prazenteiras provas preliminares. Paciência! Preciso por pausa para poupar palavras. Perorarei no prólogo. Perdoe a pequena presente palestra parca de pieguices e pacholice. Peço, pois, permissão para por ponto à pouca pluralidade dos PPP.

PARÁFRASE

Pessoas pressupostas perspicazes paradas a presenciarem a palestra pediram, pós a partida do passageiro, prosseguimento ao prêmio, protestando-se prosélitas dos PPP. Pedem? Prosseguirei : pela presteza e perfeição passo a perna aos primeiros pintores do planeta, podendo provar pelos primeiros prêmios percebidos em Paris; proclamada a palma ao pintor pelotense pelo presidente do plebiscito parisiense o povo presente, patenteando plena prova pelo parecer, prorrompeu em poderosas palmas. Precisando pintar o palácio presidencial de Petrópolis, o proeminente político paulista, preciosa pérola pátria, o predestinado paladino da paz e primeiro presidente paisano o professor Prudente pediu particularmente ao Patrocínio para procurar o proclamado pintor dos PPP para presentear proposta para pinta-lo. Pela perfeição dos projetos, plantas, perfis e pequenice de preço presenteados na proposta partiu a preferência pelo pintor dos PPP prescindindo de padrinhos, pois, pelo prasme de propostas por pingue preço, poderia o público prasmar o presidente patriota da parcialidade pelos pintores paraninfados, portanto, o pundonoroso protetor das pecúnias publicas precisava precatar-se da palavrada peçonhenta da pérfida plebe, preferindo por proveitosa a proposta do pintor pelotense. Perseguido pelos pedinchões paraninfos da preferência por pintores pouco peritos, porém, pagadores de propinas a padrinhos, pronunciou-se pausadamente o presidente: Preferí a proposta do pintor pelotense pela parcimônia do preço, porém, preço por preço, pretendia preferi-lo por proteger o pintor pátrio. Perempto o período presidencial, pretendia o presidente partir para plagas paulistas; precedi-o na partida, por pedido do próprio presidente para pintar e preparar-lhe o palacete particular de Piracicaba. Paternalmente protegido pelo proeminente personagem - protótipo de probidade - no percurso da pintura e prodigamente pago, pretendia no primeiro paquete partir para Paris (pejado de pelegas), porém, por pedidos e promessas de propínquas pinturas publicas, preferi permanecer na própria pátria, perdendo por fim parte do precioso pecúlio posto a prêmio no Patterson Panamá. Pintores porcos, por pirraça, pretenderam pixar-me as portas, porém, prevenido por pessoas de preço pude, preparado de pistola e punhal em punho por a pressa os pérfidos pixadores. Perseguidos e, por fim, presos pela policia postada a patrulhar a Praia do Peixe, ponto procurado de preferência pelos piores perturbadores da placidez e paz públicas, penetrem na prisão para purgarem o pecado. Pantafaçudo panturra pintor e pixador, preso no portão do passeio público, pintou o padre e protestou por paus e pedras para procurar proibir-se de pernoitar na prisão, porém, perdeu a prosopopéia permanecendo preso o peravilho.

POSTILA

Publicada a presente propaganda provocou perenes pilhérias por parte de poetas e prosadores pondo o pachorrento público em picaresca peregrinação para as portas e proximidades do prédio penates do popularizado pintor, procurando o povo possuir pelo pedido o panfleto dos PPP em plena penca e para presenciarem a própria pessoa do pasmoso pintor. Pode, pois, o povo presenciar-me perfeitamente de perto e pedir-me a papeleta dos PPP. Passado por pequena perturbação e palidez proporcionadas pela presença da pomposa procissão, porém, prazenteiramente paro perante profusa pilha de programas preparados para partição e pego prodigiosa porção para por, par por par, em poder das pessoas do povo presente; proferindo palavras parodiadas ao promissório periódico principiado a publicar-se em princípio do presente período peragratório do planeta: Para o público, pelo público e para proveito público, publico e proporciono, eu próprio, ao próximo público.

PREVENÇÃO POSTERIOR

Para perpetuidade e preço da presente e paciente proposição, protesto peremptoriamente perante o Pretor da Primeira Pretoria por prevaricação, perdas e prejuízos produzidos, pela publicação da presente propaganda por pigmeus puros pífios pinta-monos. Precavido, pois por portaria prerrogativa ou privilégio, prevaleço-me para proibi-los passarem por publicadores ou pretensos proprietários. Premunido dos parágrafos penais, procurei penas para pisá-los por publicarem de parte própria o presente protótipo de profunda e perspicaz propaganda para o presente e porvir. Permito, porém, propagação pelas páginas de periódicos políticos ou pilhéricos, posto que ponham, os proprietários da publicação, para preservação de propriedade própria do produtor do presente panfleto, pseudônimos perceptíveis da procedência primária; prestando portanto pomposo panegírico, porque permanecerá perpetuamente penhorado, o popular pintor dos PPP.»


Pô! Poderia pedir para o Paulo Pinto pensar num prêmio para o pintor pelotense. Porém, prefiro procurar pacientemente papáveis petiscos de peixe para prevenir pantagruélica phome (perdão!), provocada por profícuos parágrafos permeados de PPP. Pelos pêlos do profeta,

"Phlávio".


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Agradecimentos: 
Flávio Serrano, no BBS Eureka
(mensagem postada em 01/04/91)

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