O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 6 - Escrito em: 1991-04-02 - Publicado em: 1991-04-01

O reverso da moeda

Não é possível que depois de tanta dica você ainda não tenha tomado coragem e enfiado a cara nesse nosso mundo. Acho mais provável que você já tenha experimentado um "login" num BBS, mesmo que seja na máquina de um amigo, ou quiçá no micro do escritório. Tudo bem, vale tudo nesse início. Meu primeiro login foi na maquineta de um cliente, num modem nacional horrendo e pré-histórico, cuja marca me causa náusea só em pensar. Na ocasião liguei-me no saudoso FORUM-80 da dupla Pechman-Rothstein. Desde então punha-me a matutar - quem são os Sysops? O que pensam sujeitos como esses? O que se passa em suas cabeças?

Antes de conhecer pessoalmente os Sysops dos BBS's cariocas - figuras sui generis - e finalmente encontrar as respostas a estas perguntas que me martelavam os miolos, deparei-me em fins de 1989 com uma interessante declaração de um Sysop norte-americano, que pode ser encontrada nos sistemas daquí no arquivo SYSLIFE.ZIP. É um depoimento um tanto amargo, reconheço. Passo a transcrevê-lo em seguida, assumindo a primeira pessoa do singular.

Tenho trabalhado no "outro lado" de um BBS há cerca de um ano. Tem sido uma experiência instrutiva e que tem me abrido bastante a mente. Há muito trabalho pesado em manter um BOM BBS, mas também é recompensador e divertido. Divertido o suficiente para fazer valer a pena. Todavia, ser um Sysop pode chegar a ser algo terrível e exasperante. Estou certo que qualquer usuário de BBS já andou imaginando quão maravilhoso deve ser tocar um BBS - mas não é só alegrias e folguedos.

Um Sysop deve constantemente manter seu sistema atualizado, eliminando usuários antigos, incluindo os novatos, providenciando textos e programas novos e interessantes, apagando mensagens caducas, fazendo cópias backup dos discões, testando programas shareware e de domínio público antes de liberá-los e mais toneladas de outras atividades. De qualquer maneira, é comum passar várias horas por dia trabalhando no BBS. Muitos dos Sysops que conheço gastam muito tempo nesse mister. Porque? Bem, existe um senso de orgulho nisso tudo. Queremos tornar-nos conhecidos por termos um bom sistema, um que valha a pena conectar-se e que a turma goste de acessar regularmente.

E ainda nem falamos da grana envolvida. Um Sysop gasta muito dinheiro para montar e rodar um BBS para você usar. Um micro sem grandes sofisticações sai por uns US$ 1.000. O software que roda o BBS custa mais uns US$ 200. O modem sai por cerca de US$ 150. Isso sem contar com o custo da linha telefônica que deverá ser dedicada ao BBS. Além disso, muito embora os bbs-zeiros não se deem conta, muitos Sysops fazem diversas ligações interurbanas e internacionais para outros sistemas, trazendo arquivos fresquinhos de forma a poder oferecer cada vez mais à galera.

Encurtando a estória, quando você pensa sobre o assunto fica surpreso com o fato de existirem tantos BBS's aquí no Brasil e, especialmente nos Estados Unidos. Mas o que mais surpreende é a quantidade de gente abusada que reclama do sistema, reclama do Sysop e perturba os outros usuários. Alguns chegam a usar linguagem de baixo calão, talvez pelo simples prazer de ver palavrões dançando na tela. Muitas vezes discutem sobre as regras de funcionamento do sistema, criticando sem apresentar soluções concretas. Todas essas afrontas acabam caindo sobre a cabeça do Sysop, mesmo tendo ele investido tanto tempo e dinheiro no sistema. É injusto. Coisas assim não deveriam acontecer.

É bem verdade que, por sorte, a maioria dos usuários é gente boa. Mas os miseráveis que mencionei acima ainda são apenas a ponta do iceberg. Há usuários desgraçados que se deleitam em encontrar maneiras de derrubar o BBS. Vandalismo puro. Alguns cretinos contribuem para o banco de arquivos do sistema com programas destrutivos - virus e trojans - disfarçados de inocentes joguinhos e utilitários de domínio público. Outros ainda fazem "upload" de programas comerciais protegidos por Copyright. E por aí afora. Acredite: essas coisas acontecem frequentemente.

Esse tipo de usuários execráveis representa uma pequena fatia do bolo. O que muitas vezes desencoraja um Sysop é o vasto número de usuários quietos, silenciosos, que não abusam nem ofendem ninguém, mas baixam via download TODOS OS ARQUIVOS QUE APARECEM NO SISTEMA, nunca contribuindo com um byte sequer. Tais criaturas raramente deixam mensagens para os outros usuários. Muito menos um comentário para o dono da casa, tipo: "Ei, Sysop. Parabéns pelo bom BBS".

Bem, acho que já dei vazão a todas as minhas mágoas. Como não pretendo fazer deste depoimento uma mera sessão de lamúrias, vamos discutir um pouco como você poderá fazer seu Sysop saber que seu trabalho é apreciado, caso seja mesmo. Para começar, na próxima vez que você ligar para um BBS, deixe uma mensagem para o Sysop. Simples, não? Deixe-o saber quais aspectos do BBS você prefere e de quais você não gosta. Faça-o conhecer que melhoramentos você gostaria de ver no sistema. Mais importante, FAÇA UPLOADS. Algum amigo que tenha escrito um utilitário, algum macete que tenham lhe passado, um texto instrutivo, engraçado ou interessante. Tudo isso é válido. Se não souber como subir seu arquivo para o BBS, pergunte. E se tiver algo a dizer, diga. Lembre-se que uma crítica construtiva é sempre bem-vinda.

Imagino que um dos grandes questionamentos que atormentam os Sysops atualmente é se devem ou não cobrar pelo acesso a seus sistemas. Alguns poucos já o fazem, outros estão pensando em fazê-lo. Cobrar pelo BBS é quase um gerador garantido de comentários negativos por parte de usuários "marinheiros de primeira viagem" e mesmo de alguns macacos velhos. Deve-se ter em mente que, quando um Sysop cobra uma taxa pelo uso do sistema, ou para acesso a determinadas áreas do BBS, não pretende ficar rico às suas custas. Muitas vezes quer apenas recuperar uma pequena porcentagem do que investiu e continua investindo para manter o sistema no ar.

Em resumo, tenha sempre em mente que o BBS a que você se liga é operado e mantido visando SUA diversão e a dos outros usuários. Quase sempre não visa lucro. O Sysop está permitindo que você use o computador dele: um micro que ele próprio não poderá usar para proveito pessoal, caso se disponha a manter o BBS "online" 24 horas por dia esperando pela sua chamada. Pense sempre nisso quando estiver navegando em algum BBS e trate seu Sysop como você gostaria de ser tratado. Dessa forma você sempre terá bons BBS's à sua escolha.

Abuse do privilégio que lhe é concedido, sempre tomando e nunca dando, reclamando sem oferecer soluções e o Sysop poderá acabar desistindo, puxando o fio do micro da tomada e trancando os usuários do lado de fora do BBS para sempre. E nós não queremos isso, queremos?

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