O GLOBO - Informática Etc. -
Carlos Alberto Teixeira
Artigo:
7
- Escrito em:
1991-04-09
-
Publicado em:
1991-04-15
Em carne e osso
Uma noite fria de quarta-feira. Tão fria como pode ser uma noite carioca. Quem vai estar lá? Como será a cara do Fulano? Será alto ou baixo? Será chato ou gente boa? Fala fino ou fala grosso? Perguntas como essas cruzavam a minha mente enquanto eu me aproximava do Queen's Legs, um aconchegante pub na Lagoa. Seria a minha primeira participação em um dos encontros mensais dos bbs-zeiros cariocas. Poucos meses antes havia feito meu primeiro login. Já conhecia, pelo nome e pelo estilo, muitos dos usuários mais atuantes dos BBS's. Ao longo desse tempo, foi se formando na minha imaginação uma figura para cada um dos colegas. E a cabeça prega peças. Chegando ao pub, imaginei: vou encontrar uma mesa imensa, cheia de gente super entrosada conversando animadamente numa barulheira danada. E eu que não conhecia ninguém pessoalmente, pensava: como é que vou me apresentar? Como me enturmar com essas feras? Que papo vai rolar? Coisas de tímido.
Entro no pub. Dardos ingleses voando para todo lado. Penetro na fumaceira quase mastigável e, lá num canto, chego a uma mesa com uma dúzia de gatos pingados. Um deles ao perceber minha chegada, varapau daquele tamanho com cara de perdido, abriu o maior sorriso. Dois outros se viraram e, de repente, três sujeitos que eu nunca havia visto mais gordos estendiam as mãos para me cumprimentar. "É do BBS? Bem-vindo, meu nome é Fulano". Puxa, pensei, olha só a cara real do Fulano! Logo que me apresentei, estou certo que ninguém me conhecia pelo nome, os caras disseram como se já fôssemos chapas há anos: "Ah, Carlos Teixeira! Puxa, senta aí. Vai tomar o que?" E pronto, o gelo estava quebrado. Meus temores eram infundados: a simpatia do pessoal era irresistível e a hospitalidade para com um novato como eu era algo emocionante.
A noite foi passando, o papo foi rolando e todas as imagens que eu tinha feito daquelas pessoas foram dando lugar às suas caras e personalidades verdadeiras. A gente nem imagina a vastíssima gama de figuras que povoam os BBS's. Pensava eu que só encontraria no "Pernas da Rainha" micristas janotas profissionais e outros informatiqueiros da pesada. Qual nada. Tinha gente de todo tipo: pintor famoso, técnico de som direto, engenheiro calculista, aviador, historiador, exportador, magnata industrial, médico, advogado e por fim, aquí e alí, um ou outro micreiro por ofício. Bem verdade, havia pouca mulher no grupo, fenômeno curioso e ainda não convincentemente explicado.
Depois desta primeira vez, passei a comparecer religiosamente aos encontros mensais no Pernas, toda última quarta-feira do mês. O papo sempre ótimo, muita piada, muita lorota e muito farol. Dicas incríveis eram dadas e o intercâmbio de "experiências" era e continua sendo sempre intenso. O pessoal sempre marcava visitas aos laboratórios e fortalezas uns dos outros. Bagagem indispensável para essas visitas: disquetes vazios. Mas para que disquetes vazios? Ora, pipocas. Não há gentileza maior do que você se oferecer para guardar em sua casa (visando exclusivamente razões de segurança) o backup de um programa que um colega bbs-zeiro tenha escrito de próprio punho ou quiçá adquirido por meios oficiais.
Quando um usuário de BBS passa a conhecer outro em carne e osso, automaticamente muda o tom das mensagens que eles trocam entre sí. Passa a acontecer algo até aparentemente paradoxal. Se um já sabe o telefone do outro, porque não conversam por voz e param de se comunicar através de mensagens no BBS? A graça está justamente aí. A mensagem geralmente é pública, de forma que qualquer enxerido pode meter o bedelho no seu papo com um usuário específico. É assim que surgem as polêmicas e o quebra-pau. Eis a alma do BBS.
O tempo foi passando e a situação econômica piorando. Resultado natural: o Pernas foi se tornando caro demais para a horda dos BBS. E também já não cabia mais tanta gente. Isso sem falar na turma que, eu incluído, execrava o barulho, a fumaça e os perigosíssimos dardos que zuniam pelo salão. Foi aí que o reverendíssimo Sumo-Sacerdote da Confraria, o Silva Costa, teve mais uma de suas inúmeras idéias brilhantes. Um encontro a céu aberto às 21:00 h, em pleno calçadão no final da praia do Leme. É bem verdade que, morador das redondezas, o Sumo-Sac puxou um pouco a sardinha para a sua brasa. Mas tudo bem: apesar de A e B terem torcido o nariz, logo logo a idéia vingou. Até São Pedro aprovou a mudança, permitindo que quase um ano se passasse sem que chovesse na última quarta-feira de cada mês. O fato é que até hoje a turma se reúne no calçadão perto do banco de concreto junto ao Forte. Choveu? Todo mundo foge para o Fiorentina.
Os Sysops mais atirados mostram-se quietos. Surgem cá na terrinha os primeiros GATEWAYS e NETMAILS. Traduzindo: os BBS's de diferentes estados começam a se falar, tornando-se instituições nacionais. O Hot-Line passou a coordenar a Rede Brasil Fidonet. O Eureka começou a trocar figurinhas com BBS's de São Paulo e Brasília. A comunidade aumenta e aumenta. Bbs-zeiros distantes milhares de léguas uns dos outros trocam mensagens freneticamente. E eis que das plagas paulistanas surge um novo clamor: um encontro NACIONAL de bbs-zeiros.
Anote em sua agenda. Na quarta-feira que vem será oferecido um rabo de galo em comemoração aos 12 meses de operação do MANDIC BBS. Alguns dos mais categorizados Sysops de Sampa: Mandic, Jaguar e Lucien, são os responsáveis pela organização deste Primeiro Encontro Nacional de Usuários BBS - Uno + Mandic. Dia 17/04/91, a partir das 19:30. Onde? Nham-nham: Restaurante CAPRICHO, Av. Brigadeiro Faria Lima, 1080, São Paulo capital. Caso você se perca no minúsculo vilarejo, ligue para o local do evento: (011) 212-3888. Já sabemos de dois usuários que irão pela Dutra de joelhos pagando promessa. Vejo você lá.
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