O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 15 - Escrito em: 1991-05-04 - Publicado em: 1991-06-10 


Telemate 


Munido de facão, bússola e botina grossa, encetei numa dessas ensolaradas tardes uma jornada rumo ao templo de um dos baluartes do BBSismo. Seu castelo situa-se próximo ao Rio Salgado, perto da padaria onde é possível saborear o melhor sonho de doce-de-leite do planeta. Buscava eu os fulgurantes conhecimentos do sapientíssimo mago e hierofante Marco Paganini. Programador de primeira categoria, é considerado por muitos um mentor nas artes do Telemate (diga "telemêite"). E foi lá, no refúgio deste anacoreta, que fui buscar a semente do conhecimento.

Diz o mestre Paganini que, se você acha que apenas o hemisfério ocidental produz software de qualidade, é melhor abrir bem os olhos. O Telemate está aí para provar exatamente o contrário. Trata-se de um software de comunicação dos mais avançados, com recursos exclusivos que podem captar a atenção dos mais fervorosos usuários dos programas concorrentes.

No início, existiam apenas os terminais de dados. Máquinas "burras" que, uma vez ligadas a um canal serial (usualmente um modem conectado a um computador através da linha telefônica) jogavam na tela o que "escutavam" da linha e enviavam pelo modem tudo que era digitado.

Com o avanço das aplicações remotas, tornou-se necessária uma melhoria nos terminais de comunicação. O terminal burro foi substituido pelo inteligente, que aceita comandos de apagamento de tela, posicionamento de cursor, mudança de intensidade de campo e coisas assiml. Este tipo de terminal possibilita uma maior diversidade de opções, no momento da apresentação da tela da aplicação sendo executada.

Entram os microcomputadores em cena. Por que não juntar o baixo preço dos micros à utilidade dos terminais? Surgiram então os "emuladores de terminais". Programas que, quando executados no micro, fazem com que o mesmo se comporte exatamente como um terminal inteligente. 

Os emuladores de terminal funcionam como um "terminal inteligente", possuindo algumas funções extras. A grande maioria possui transmissão de arquivos entre dois micros, gravação em disco (log) de tudo o que é visualizado ou digitado, além de muitas outras malandragens.

O mestre Paganini interrompe sua preleção quando adentra o grandioso salão sua celíflua protetora, a maga Eny, trazendo quitutes e manjares de sabor indescritível. Prossegue o asceta, relatando a história do software. Nos idos de 1988 surgiu no mercado o Telemate. Escrito pelo coreano Tsung Hu Winfred e distribuído em regime de shareware, o dito cujo tornou-se amplamente aceito devido às inúmeras facilidades exclusivas que oferece ao usuário. Apenas para mencionar algumas, citemos a emulação de múltiplos terminais. Com o passar do tempo, diversos padrões de terminais foram surgindo no mercado. O Telemate emula os mais difundidos no mundo dos BBSes de hoje: TTY (o famoso "terminal burro" para aqueles que não gostam de telas formatadas), ANSI (muito usado nos BBSes), e os terminais VT-52, VT-102 e VT-220 da DEC (Digital Equipment Corp.), para os usuários que acessam serviços com estes padrões. 

Outra característica do Telemate é o fato de oferecer diversos protocolos de comunicação. Como sabemos, não existe linha telefônica à prova de ruído. Sendo esta uma desagradável característica do sistema telefônico (especialmente o carioca), os softwares têm de cuidar para que os arquivos sejam transmitidos confiavelmente entre as extremidades da linha, singrando incólumes os tempestuosos mares que vão cruzar.

Todas as transmissões de arquivos são "protocoladas" (i.e. checadas por ambas as partes, passo a passo) para garantir uma troca perfeita de informações. Um dos primeiros protocolos criados foi o XMODEM, mais tarde veio o YMODEM. Então o YMODEM-g... E mais um sem-número de protocolos, a um ponto tal que as 26 letras do alfabeto quase não conseguem dar conta do extenso rol. O Telemate aceita praticamente todos eles, incluindo o ZMODEM, o mais rápido e confiável de todos, permitindo até mesmo a continuação de uma transmissão interrompida pela metade.

Pode-se configurar praticamente todos os parâmetros do Telemate: desde a velocidade de transmissão, até a musiquinha tocada nas mensagens de erro e de aviso (pode se escolher entre "Beverly Hills Cop", "Família Adams" e muitas outras). 

Um usuário um pouco mais experiente pode elaborar na linguagem que vem embutida no próprio Telemate para automatizar tarefas rotineiras. É possivel por exemplo, criar um programa que todos os dias ligue para os BBS's do Rio, informe seu nome e senha e leia todas as novas mensagens em cada um dos sistemas. E tudo isso sem sua intervenção direta.

Movo-me um pouco na confortável poltrona e a maga Eny imediatamente se coloca em posição de guarda, pronta a defender o impassível Paganini, invocando contra minha pessoa algum passe de magia. Mas o santo homem, com um aceno, acalma a poderosa sóror e revela mais uma das facilidades do Telemate. Conforme suas palavras, não é incomum surgir aquela dúvida: "Qual era mesmo aquele nome que apareceu há três telas atrás?...". No Telemate, um ALT-B resolve o problema. Em uma janela o usuário pode dar um "flashback" nas ultimas N linhas que zuniram lestas em sua tela.

O Telemate possui também um editor de textos próprio. Basta teclar ALT-E e uma janela se abre no vídeo com um editor completo de mensagens. Além das operações normais dos processadores de texto, pode-se instruir o Telemate a "enviar" todos os caracteres do editor, como se estivessem sendo digitados no emulador de terminais. Otimo para mensagens e procedimentos padronizados. 

Apresenta uma interface altamente amigável. Coisa fina. De nível comparável aos os mais modernos produtos na área de software. Se o seu sistema tiver um mouse, praticamente todas as funções poderão ser operadas sem que você precise tirar a mão do roedor. Além de todas as características acima, o Telemate funciona em modo Multi-Tarefa, ou seja, quando uma nova função é ativada, a anterior continua funcionando a pleno vapor. Sendo assim, pode-se editar um texto enquanto um arquivo está sendo downloadeado. Ou então rever as telas anteriores enquanto o Telemate disca automaticamente para um número de BBS.

Certamente é um dos bons softwares de comunicação assíncrona disponíveis no mercado. Como se tudo que foi dito acima não bastasse, podemos reforçar a alta qualidade de interface com o usuário, a modalidade de distribuição (shareware) e o preço de registro, fixado pelo autor em US$ 49.95. Mr. Hu pode não conhecer a expressão, mas criou algo "bom, bonito e barato".


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