O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 20 - Escrito em: 1991-07-09 - Publicado em: 1991-07-15


O Andarilho


Um conhecido BBS-zeiro recém-chegado de delicioso périplo que abrangeu três continentes, ou pedaços deles, trouxe-nos interessantes impressões sobre sua viagem. O mancebo quis manter-se incógnito, preferindo ser chamado de "O Andarilho". Apesar de ter procurado ao máximo manter-se longe de micros, BBS's e coisas do gênero acabou, talvez por insondáveis elos kármicos, esbarrando de vez em quando com uma máquina ligada aquí e alí.

O honrado cavalheiro esteve rodando durante um mês pela Europa, num camping-car apinhado de gente. Os integrantes deste animado grupo viajaram grande parte do percurso um com o cotovelo enfiado na orelha do outro, em virtude da exiguidade de espaço na camionete. Mas o que nos interessa não é nada disso e sim o que pintou na Zoropa em termos de BBS.

Em cada metrópole visitada, o Andarilho acabava esbarrando com um nativo micrista. Conversa vai, conversa vem e frequentemente recebia um convite para uma visita ao laboratório do dito cujo. O primeiro choque do Andarilho foi notar que na Europa o padrão IBM não é tão onipresente como aquí, entre os micro-usuários de classe média. Maquinetas ancientes fazem a felicidade de muitos no Velho Mundo. Muito sistema Adam, Apple, Commodore, Atari e Timex-Sinclair funcionando a todo vapor, com atuantes e bem-organizados grupos de usuários. Os micrólogos mais estribados servem-se de potentes Mac's. A maioria dos IBM-zeiros que usa em casa sistemas XT/286/386, o faz por necessidade de manter compatibilidade de arquivos com sistemas similares em uso em seus escritórios.

Na Itália, perto da fronteira com a Eslovênia-Iugoslávia, o Andarilho conheceu um velhote muito bem humorado que acessava BBS's num micro Altair, com interfaces produzidas pela PolyMorphic. O sistema do coroa era um verdadeiro fóssil-vivo, mas ele não tem reclamações e vira noites em cima da engenhoca.

Na França, o rei é o Minitel, um serviço a nível nacional a que quase todo usuário de micro está ligado. Os modems, em sua maioria, adotam a (tão execrável, aquí no Brasil) velocidade de 1275 bps. O sistema é super difundido e oferece os mais variados serviços possíveis. Através do Minitel você pode pedir uma pizza, marcar hora no dentista, chamar uma manicure e até marcar encontros amorosos. Com respeito a estes encontros às cegas, causou estupor ao Andarilho, cidadão de formação essencialmente pudica, uma das perguntas iniciais do diálogo de cadastramento no sistema: "Você é hetero, homo ou bissexual?" Daí para diante, valia tudo. Era de fazer corar qualquer usuário tarimbado das secretíssimas Confrarias e Salas-Vip de algums BBS's cariocas.

Em San Sebastian e Bilbao, no país Basco encravado entre Espanha e França, o Andarilho teve a oportunidade de ler (sem entender) diversas mensagens em BBS's escritas no mais puro Euskara, idioma basco de origem obscura falado nos pueblos das zonas rurais da região.

É notável e impressionante a variedade de BBS's ultra-especializadas que estão disponíveis no Velho Continente, tratando exclusivamente de temas específicos, tais como: estórias em quadrinhos, astronomia, bridge, cristianismo, gamão, mitologia escandinava, pré-história, Kung Fu estilo Hap-Ki-Do, humor negro, física teórica, pelota basca, kart, culinária, alpinismo, Kama Sutra, só-mulheres, pescaria de salmão, massagem oriental, celibatários, magia, ocultismo, ginástica olímpica, línguas mortas, ficção científica, AIDS, ecologia e outras coisas do arco da velha.

O Andarilho teve oportunidade de passar uns dias numa casa de família em Munique, Alemanha, em que havia no porão um sofisticado estúdio de som, com seis sintetizadores conectados via interface MiDi a um Atari. A sala era perfeitamente isolada acusticamente de forma que o músico podia deitar o cabelo a todo volume durante a madrugada. O dono do sistema, Sr. Klaus, é usuário de uma BBS especializada em música eletrônica para Atari's. Cada usuário cadastrado neste sistema torna pública toda sua configuração eletrônica-musical, incluindo hardware e software. Os participantes do BBS formam um "pool" de ajuda mútua. Todos saem ganhando com o intenso intercâmbio. Dá gosto de ver todo mundo com software original, rodando os programas sem traumas de consciência, e com belos manuais lindamente impressos e sempre mantidos atualizados pelos fornecedores.

Por incrível que pareça, na Alemanha um BBS-zeiro precisa cadastrar seu modem no correio, só sendo autorizada a utilização de velocidades até 1200 bps para pessoas físicas. Segundo o tal Klaus, os órgãos oficiais alegam que as linhas telefônicas não permitem velocidades de transmissão maiores. Xaveco. O resultado é que sobejam sistemas clandestinos usando modems de alta velocidade com excelente desempenho.

Depois de um mês pela Europa, o grupo se desfez e o Andarilho agarrou a esposa e despencou para o Egito num vôo charter de pechincha que encontrou num beco escuro em Munique. Do vinho para a água. Apesar de encontrar um país pobre e um tanto desorganizado, descobriu que os egípcios são pessoas muito simpáticas, altamente hospitaleiras e surpreendentemente puras e confiáveis. Alugou um carro e foi até o alto Nilo. No caminho, em Asyut, deu carona a um policial e seu capitão. O policial era também estudante universitário de farmacologia e usuário de BBS. O gente boa, chamado Osman, abriu a casa da família e colocou-a à disposição do Andarilho e sua patroa. No correr do papo, acabou por confirmar uma suspeita sua: para ser micreiro no Egito só quem tem muita bala na agulha.

Depois de atravessar o Nilo a nado em Luxor, o Andarilho deu uma esticada com seu calhambeque Fiat alugado, aventurando-se pelas fraldas do Saara, cruzando os 300 km de deserto pesado que separam Asswan de Abu Simbel. Lá, no Hotel Nefertari, encontrou um micro no balcão da recepção. O bichinho apresentava uma belíssima tela escrita em árabe. O atendente era também um BBS-zeiro e revelou ao Andarilho os segredos de como fazer o teclado ecoar em inglês ou em árabe. O mais impressionante é que um caractere escrito em árabe muda de forma dependendo de sua posição na palavra. O papo sobre micros e BBS's foi longe, indo parar no restaurante, onde rangou-se um saboroso lombo de crocodilo do Lago Nasser.

Voltando até o Cairo, o Andarilho cruzou o Sinai e foi parar em Israel. De um lado da fronteira, deserto brabo. Do outro, flores e campos plantados. Muita grana rolando, gente bonita, sistemas IBM por todo lado e BBS's aos borbotões.

Ao chegar de volta ao Brasil, o Andarilho teve uma má surpresa. Telefonou-me preocupadíssimo, seu 386-25 de Taiwan não ligava: algum pepino na memória. E mais: o hard-disk encrencou e o monitor ficou fora de foco. Ele chegou a achar que foi alguma maldição trazida da Esfinge. Talvez rogada por algum daqueles meninos que insistentemente pediam bakshish (esmola) à porta das tumbas e templos egípcios. Não se preocupe, disse eu. E dei para o Andarilho o telefone do mais categorizado médico de micros que conheço: Baptista, o Mago Silencioso. Sujeito altamente competente, 100% honesto, ligeiro e que não arranca os olhos da cara. Sua equipe levanta até defunto. Anote você também o número do homem: (021) 532-3697.


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