O GLOBO - Informática Etc. -
Carlos Alberto Teixeira
Artigo:
21
- Escrito em:
1991-07-17
-
Publicado em:
1991-07-21
O siri
Nem só de mensagens e downloads vive um BBSzeiro. São promovidos eventos em que os usuários colocam o papo em dia e passam a conhecer melhor uns aos outros. Um dia desses alguém notou que o local consagrado das reuniões mensais dos BBSzeiros, no calçadão do Leme, foi tomado por um canteiro de obras. Indignação de todos, punhos em riste e revolta geral. E agora? Muito que bem. O sempre tranquilo sumo-sacerdote Silva Costa, morador das redondezas, usuário veterano e muito atuante naquelas bandas, encontrou uma solução brilhante para o impasse. Deu um "shift" (termo informático que significa deslocamento, translação) no encontro, transferindo-o para diante de um hotel lá mesmo no Leme. O resultado foi que ficamos com mais lugar para sentar, um bar logo na frente e um refúgio imediato no caso das desagradáveis pancadas de chuva, que por vezes acontecem no meio do encontro, molhando os presentes e causando debandada geral.
Portanto, se você é um BBSzeiro e deseja conhecer pessoalmente seus intrépidos colegas, compareça ao calçadão da Atlântica, defronte ao Hotel Leme Othon Palace, sempre na última quarta-feira de cada mes, lá pelas 21 horas. Chegando ao local estipulado, você não terá dificuldade alguma em identificar o grupo, por vezes bastante numeroso. Além da óbvia pinta de micreiros doentes, você verá aquí e alí envelopes pardos, sacos plásticos e calhamaços de papel. São quilos e quilos de manuais e disquetes, material indispensável para discussões, papos e intercâmbios de "experiências". É de bom tom trazer grudado no peito um crachá com seu nome escrito em letras garrafais, para evitar o célebre "quem é você?". Com o capricho típico dos usuários de BBS's, há uma verdadeira disputa de quem bola o crachá mais arretado.
O tradicional encontro do Leme foi ficando tão famoso e bem frequentado que começou a provocar celeuma. O fato é que um grupo grande de usuários alega que, por morarem longe da Zona Sul, o evento se dá num local muito contra-mão para eles. Liderados por um barulhento médico BBSófilo residente nas cercanias de Vila Isabel, os usuários da Zona Norte passaram a organizar encontros no restaurante Siri. O local é um tanto apertado e ruidoso. Há intensa briga de pernas além de frequentes e dolorosas caneladas por baixo das mesas. Mas o rango servido é de primeiríssima qualidade. As porções são fartas e saborosas e o chopp rola solto. Os usuários caem de boca nas manjubinhas fritas, na lula ao alho e óleo e nos delirantes pastéis de camarão. A turma da dieta se contenta com as saladas e os sucos. Os radicais reclamam que não servem leite no estabelecimento e se deslocam até o botequim na esquina diagonal em busca do precioso líquido.
Os primeiros eventos no Siri, em meados de 1990, reuniam apenas meia dúzia de gatos pingados. Era apenas um encontro de amigos, que com o tempo passou a ter maior divulgação e foi inchando e inchando. Chegou-se a tal ponto que alguns usuários avessos às multidões deixaram de comparecer alegando que "virou comício". Tais figuras estão promovendo encontros secretos, formando o seletíssimo grupo dos 100++ (pronuncia-se "cem plus plus", numa alusão à linguagem de programação C++), ou seja, o subconjunto da comunidade BBSista composto por usuários pesos-pesados, com mais de cem quilos. Desnecessário dizer o quanto de comida que rola nesses encontros.
O fato é que o encontro do Siri já é um sucesso. Em recente votação nos BBS's locais, ficou estipulado que o mesmo terá lugar na segunda terça-feira de cada mês, começando lá pelas 17:30. O endereço: Rua dos Artistas, número 2. Terça-feira passada, dia 16 de julho, apesar do tempo instável, o Siri foi tomado pelos BBSzeiros. Alguém teve a boa idéia de fazer circular uma lista de presença. Além deste que lhes fala, compareceram Alexandre Costa, Benito Piropo Da-Rin e Regina, Bernardino Campos, Celso Japiassú, Charles e Kátia Miranda, Dauro Moura, Ernesto Galaso, Evangelina Oliveira, Fernando Lima, Hilton Lima e seu misterioso super-embrulho verde, João Mattos, Júlio, Denise e Julinho Botelho, Lior Messer, Luiz Augusto Siqueira, Marcelo Pinheiro, Paulo Pinto, Ronaldo Orlowski, Sérgio Gallo e Sócrates Assed.
O assunto mais comentado no recente Siri foi o congestionamento dos BBS's cariocas. A coisa está ficando tão séria que os sistemas mais atulhados, como por exemplo o Eureka, estão limitando cada vez mais o acesso ao BBS, selecionando rigorosamente o cadastramento de novos usuários e reduzindo os limites de tempo de acesso dos usuários ativos. Estão sendo também introduzidos critérios severos para o usuário permanecer cadastrado no sistema. Serão execrados os chupadores de programas, aqueles em cujo dicionário de informatiquês só consta a palavra "download". Por outro lado, o número de mensagens circulando chegou a um ponto tal que, no próprio Eureka, é frequente serem enviadas mais de duzentas num período de 24 horas. A situação se agrava ainda mais por culpa de grande número de BBSistas pouco experientes que insistem em ler e responder mensagens on-line. Lembre-se: é possível capturar todas as mensagens novas gravando-as num arquivo log e depois, quanto já tiver se desligado do BBS, você poderá lê-las com toda tranquilidade, calmamente respondendo às que lhe interessarem.
Visando auxiliar ainda mais a faina da turba de usuários, os Sysops (monarcas, donos e operadores dos BBS's) estão oferecendo novas e sofisticadas "portas" em seus sistemas, facilitando o processamento off-line de mensagens. Explicando as "portas": um BBS é na verdade um programa gerenciador que roda no micro do Sysop. É esse programa que atende sua chamada e lhe coloca em contato com as diferentes "salas" do BBS - menus, teleconferências, áreas de mensagens e bancos de arquivos. Diversos programas gerenciadores de BBS existem no mercado, dentre os quais destacam-se PCBoard, QuickBBS, Remote Access, WildCAT, RBBS, R&R System e MBBS. Pois bem, uma "porta" é um sub-programa que roda associado a um desses gerenciadores de BBS, oferecendo uma nova facilidade qualquer. No caso do processamento off-line de mensagens, o gerenciador PCBoard pode executar com a porta QMAIL, atualmente oferecida pelo Sysop Eduardo Haddad do Eureka BBS. Outro exemplo é a porta RAMail, que roda sob o gerenciador Remote Access, oferecida pelo Sysop Charles Miranda do Hot-Line Club BBS em sua nova e espetacular fase de funcionamento. O usuário acessa o BBS, invoca uma destas portas e é capaz de receber de forma comprimida e otimizada um pacote contendo todas as novidades surgidas desde sua última conexão, incluindo mensagens e listas de arquivos. Após haver devidamente digerido este pacote, o usuário volta a se conectar com o BBS e, através da mesma porta, entrega ao sistema um novo pacote contendo as respostas às mensagens que lhe foram endereçadas.
Para tornar a vida do usuário um verdadeiro mar de rosas, podem ser obtidos nos BBS sistemas completos para leitura-resposta de mensagens. Tais sistemas recebem os pacotes gerados pelas portas dos BBS's e oferecem ao usuário um vasto leque de possibilidades de processamento de mensagens, invocando o editor de textos costumeiramente em uso pelo micreiro. Estes mesmos sistemas preparam o pacote que vai retornar ao BBS. Os mais famosos sistemas deste tipo em nossas plagas são o EZ-READER (trocadilho em inglês com a expressão "easy-reader"), o DELUXE2 e, mais recentemente o SLMR ("Silly Little Mail Reader", ou melhor, "leitor de mensagens pequeno e idiota"). Este último causou uma verdadeira comoção na comunidade BBSzeira, pois tanto o Eureka quanto o Hot-Line geram pacotes digeríveis pelo SLMR. Pode-se mesmo dizer que, juntamente com as novas portas oferecidas pelos BBB's, o SLMR foi o causador do atual gigantesco surto de adeptos off-linistas da BBS-Mania.
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