O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 26 - Escrito em: 1991-08-22 - Publicado em: 1991-09-02


Uns e outros


* Cena 1: Você convida um pessoal para vir à sua casa. É muita gente. Alguns deles você nem conhece direito. Mas como são conhecidos de amigos seus, tudo bem. Que venham também à festa. Parece gente simpática e de bom nível. É um prazer para você ter estas pessoas em sua sala, conversando, trocando experiências e contando casos. Tudo parece estar indo muito bem.

Lá pelas tantas, já meio calibrados pelas biritas e pelos canapés que você mandou servir, alguns convidados começam a extrapolar. Não são de tão bom nível como pareciam. Uns ficam observando os quadros em suas paredes e tacam o dedo nas pinturas. Outros descaradamente surrupiam suas estatuetas e bibelôs e guardam-nos em suas bolsas. Um outro resolve fazer xixi no tapete. Uma turma resolve deixar a sala e invadir os outros aposentos de seu lar. Vomitam pelos cantos da casa, remexem nos seus livros, usam seu telefone em chamadas internacionais, assaltam sua geladeira e roubam itens da sua despensa. A festa transforma-se em um inferno.

Para piorar a situação, os convidados mais mal-educados e arruaceiros se reúnem e resolvem ditar regras para sua casa. "Afinal, isso é um absurdo. Este sofá deveria estar no outro canto. Vamos tirar os tapetes. Temos que mudar a decoração"... e coisas desse tipo.

Você é um sujeito calmo, rigoroso em seu auto-controle. Mas tudo tem limite. E esse pessoal, a quem você generosamente convidou para um encontro na sua casa, está passando desse limite. Você vai ao armário, pega seu chicote, volta para a sala e sai estalando em cima dos desgraçados. "Rua! Fora!". A festa termina para eles. Você consegue finalmente expulsar todos os indesejáveis. Ficam apenas os seus amigos mais chegados e os que souberam se comportar devidamente. Ajudam a arrumar a casa e continuam o bate papo como se nada tivesse acontecido. Alguns até contribuem com alguma grana visando auxiliar nos consertos que será necessário fazer.

Lá fora, os convidados execrados se reúnem e concluem que você é muito mal-educado, autoritário e que não respeita os direitos humanos. Você é um crápula, uma criatura desprezível. Estão revoltados e nunca mais querem saber de você. Mas que a festança estava boa, ah estava. Os badulaques e miudezas que foram afanados serão vendidos ou enfeitarão suas residências. Os pedaços de pernil que tiraram de sua mesa vão ser muito apreciados nas refeições seguintes. E você, coitado. Ainda levou fama de metido a besta, nariz empinado e mau anfitrião.


* Cena 2: Bem parecida com a anterior. Só que, por necessidade ou por opção, você decidiu alugar sua casa para dar a festa. Vem gente de qualquer lugar, conhecidos ou não. Pode entrar gordo, magro, feio, bonito, preto, branco, católico, muçulmano, judeu, rico, pobre, inteligente ou tapado. Só tem uma coisinha: para entrar tem que pagar. Você está cobrando entrada para a festa.

O resto da encontro transcorre da mesma maneira que na cena 1. Os convidados se exaltam, a festa degenera e a turma só falta demolir o apartamento. Mas você pouco pode fazer, exceto roer as unhas, arrancar os cabelos e torcer para tempo passar, o pessoal ficar com sono e ir embora quase ao romper da aurora, deixando sua casa em frangalhos. Mas porque você não os expulsa? Não pode. Afinal ele pagaram pela festa. Rasgaram suas cortinas, mancharam suas paredes e quebraram seus vidros, mas você prestou seu serviço: deu a festa e deixou os convidados fazerem o que quiseram. Se quiser chamar mais gente na semana que vem, vai arrumar toda a bagunça e reparar o que estiver com defeito. Vai convidar o pessoal novamente, vender os tickets de entrada e nova festança será dada.

Naturalmente é muito difícil agradar a todos. Alguns convidados seus reclamam da organização da festa, de detalhes da decoração e outras encheções de saco. Para manter seus "clientes", você trata de atender suas reivindicações tanto quanto puder, mas sempre haverá aqueles a quem é impossível agradar.


* BBS: Os casos acima traduzem bem os tipos de sistemas que existem, tanto aquí no Rio como em qualquer outro lugar do mundo: BBS's gratuitos e pagos. Num BBS gratuito, nós usuários somos convidados do Sysop. Se nos portarmos mal, ou mesmo se o Sysop não for com a nossa cara, imediatamente seremos descadastrados do sistema. Se nosso interesse é apenas entrar no BBS para chupar arquivos sem parar, nunca deixando mensagens ou uploadeando qualquer coisa sequer, é direito do dono do sistema fuzilar-nos sem piedade, proibindo nosso acesso à sua máquina. E mais: não temos o direito de falar mal do cara, caso sejamos eliminados da lista de usuários. Afinal, não cumprimos as regras do jogo e comportamo-nos mal.

O BBS pago já é diferente. Muito embora existam regras a serem cumpridas, os usuários podem exigir mais do Sysop. Podem reclamar à vontade e dar sugestões. É dever do responsável pelo sistema atender aos anseios da comunidade usuária, já que está prestando um serviço a ela e recebendo por isso. Impossível satisfazer a todos, mas nesse caso o Sysop tenta sem parar. Portanto é bom ter em mente em que tipo de BBS's você está se cadastrando, para dançar conforme a música.


* A foto: Semana retrasada saiu a foto dos doentes na cripta. No meio da montanha de cartas, papeladas, listagens, ratos, fios e teclados acabamos comendo mosca. A foto publicada não correspondia ao texto. O mancebo no canto inferior esquerdo não era o Marcelo Remédio e sim o Marco Querini, usuário vagalume cheio de idéias interessantes sobre novos BBS's na cidade. O barbudo de terno e gravata no canto superior direito é o ilustríssimo Sr. Dauro Moura, atuante usuário, autor de mensagens sempre abalizadas e dono de ótimo humor.


* Ease my Hell: Ismael Cordeiro, o BBSzeiro emigrante, mandou notícias do Canadá. É bem possível que o texto já esteja disponível em alguns BBS's cariocas sob a forma de mensagem pública com o "subject": ISMAEL CANADA.


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