O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 76 - Escrito em: 1993-05-22 - Publicado em: 1992-08-31


A fábrica


Por muito tempo vínhamos recebendo notícias do mundo exterior sobre o assunto virus graças às inestimáveis contribuições do usuário George Svetlichny, que religiosamente fazia uploads no Eureka e no Hot-Line de todas as edições da revista eletrônica Virus-L Digest, divulgada regularmente pela rede BitNet. Acontece que o George Svet tomou um chá de sumiço. Segundo Haddad, o Sysop do Eureka, ele viajou para os States e vai ficar por lá por uns tempos. Coitadinho.

Com o sumiço do famoso Svet, ficamos órfãos da Virus-L. Mas eis que num desses deliciosos encontros mensais no Leme Othon Palace, chegou-nos um outro BBSzeiro trazendo ótimas notícias. O emérito e gentilíssimo colega Glauber Maciel Santos, estudante porreta de engenharia elétrica na PUC-RJ, revelou que é um dos agraciados com acesso à BitNet. Semana passada o estupendo camarada enviou-me em mensagem privada um massudo pacote com as mais frescas novidades da Virus-L Digest. Grande Glauber!

A mais inquietante destas novas é a mensagem de um cidadão de nome Tim Martin, do departamento de ciência de solos da Universidade de Alberta, Canada. O dito cavalheiro teve acesso a um novo e incomum pacote de software, aparentemente disponível em alguns BBS's especializados em virus. É chamado VCL - Virus Creation Laboratory (Laboratório para Criação de Virus), versão 1.00, com copyright de 1992, de Nowhere Man e NuKE WaReZ. O referido pacote inclui o próprio VCL, um ambiente para desenvolvimento de software escrito em Borland C++ e com layout similar ao do Borland Integrated Development Environment (Ambiente para Desenvolvimento Integrado da Borland), contendo arquivos MS-Windows ICO e PIF. Oferece documentação surpreendentemente bem escrita e, de quebra, oito exemplos de virus e troianos.

Como resposta a esta mensagem do Tim, um usuário chamado Neal Miller da Universidade de Clarkson (onde fica isso?) sugeriu que alguém deveria escrever o quanto antes algum virus benigno que pudesse identificar os malditos seres produzidos por esse tal de VCL. Segundo o espertinho, este organismo angelical seria tão rapidamente difundido quanto os virus Jerusalem e Stoned.

Tim Martin leu a resposta e não gostou. Achou a idéia tecnicamente possível, mas moralmente desaconselhável. Um virus que destruísse outros poderia se tornar um problema ainda maior que um virus normal. Já houve mais de um debate na BitNet sobre bons e maus virus, mas acabou-se preferindo não ter nenhum dos dois por perto.

Para esquentar ainda mais os ânimos, a produtora do controvertido pacote, a tal empresa Nowhere Man, ainda teve a petulância de proibir que o código do programa fosse desassemblado ("Disassembly" = uma operação de "engenharia reversa" que permite reconstruir o fonte em linguagem ASM a partir do programa executável). Os cafumangos também proibiram que as cadeias binárias de caracteres produzidas pelo software fossem usadas para detectar os virus criados pelo odioso pacote.

Estas proibições acabaram gerando o maior rebuliço e choveu mensagem de todo lado. Um usuário mais versado nos meandros jurídicos da questão alegou que não seria ilegal alguém criar o famigerado pacote produtor de virus, mas seria ilegal alguém usá-lo. O "jurista" também afirmou que a Nowhere Man tem pleno direito de proibir que o código seja desassemblado, da mesma forma que a IBM o faz com seus programas licenciados. Num BBS americano, quando a discussão descamba para o lado jurídico, a coisa degenera um pouco e o assunto fica parecendo querela sobre o sexo dos anjos. O papo chegou a levar um usuário a elucubrar se poderia processar a própria firma Nowhere Man, caso seu micro fosse infectado por um virus produzido pelo VCL. Seria o mesmo que processar uma fábrica de armas de fogo por algum assassinato cometido com um revólver produzido por ela.


[ Voltar ]