O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 99 - Escrito em: 1993-02-03 - Publicado em: 1993-02-08


Ventos austrais


Terra do Fogo, sonho meu desde pequeno. Finalmente agora deu. Depois de passar o Natal com toda família em torno da vó na cidadezinha de Triunfo, no Rio Grande, fui acometido de alguma rara moléstia de fundo psicótico e transformei-me num mastigador compulsivo de estradas: em um mês rodei mais de 23 mil quilômetros, revezando com a patroa no volante. Depois de cruzar a imensa Patagônia, três dias de deserto a 140 por hora com forte vento de proa num asfalto de primeira categoria, chegamos a Rio Gallegos. De lá até Ushuaia, na Terra do Fogo, são cerca de 600 quilômetros de estrada não pavimentada, cheia de umas pedrinhas chamadas "ripio" que parece terem sido colocadas no chão pelo próprio Belzebú. Qualquer carro que cruzasse nosso caminho produzia uma copiosa chuva de ripio. Depois de entrar e sair de território chileno, tendo atravessado o Estreito de Magalhães, já bem perto de Ushuaia, uma dessas pedrinhas me fez a gentileza de arrebentar o pára-brisa da Parati. Encarando aquele vento gelado pela fuça, chegamos a Ushuaia - a cidade mais austral do mundo - quase congelados. E eis que, lá no final da bela avenida litorânea da cidade, deparamos com um sobrado onde se lia o cartaz: Instituto Fueguino de Computación. Apeei e fui ter com os caras. Apresentei-me como BBSzeiro brasileño aos quatro sujeitos que gravitavam em torno de dois micros Acer 386 envenenados. Hospitaleiros, muito amistosos e prestativos, souberam do nosso problema com o vidro do carro e postaram mensagens pedindo auxílio nos BBS's locais. Abraços e muchas gracias e saímos em busca de alojamento. Fui dar uma geral no carro e penei um pouco até descobrir que troca de óleo era "câmbio de aceite". Depois do almoço voltei ao Instituto e recebí a boa notícia. Um BBSzeiro ushuaiano respondeu ao SOS, informando endereço e telefone duma lojinha de fundo de quintal onde eu poderia encontrar um pára-brisa de Gacel (é o nome do Voyage lá) que serviria para a Parati. E pronto, em uma hora a máquina estava de vidrinho novo. Nem preciso falar dos meus efusivos agradecimentos à rapaziada do Fueguino, especialmente ao Valentim, simpático BBSzeiro campeão de esgrima, que já teve o privilégio de enfrentar em Buenos Aires o falecido ator Guy Williams <http://www.cris.com/~Willfs/John.html>, exímio espadachim que interpretou o Zorro na versão Disney e também encarnou o professor John Robinson, na série Perdidos no Espaço.

Com novo ímpeto e alma lavada, disparamos para o Norte, pois para o Sul não dava mais. Engolimos novamente a Patagônia inteira, caímos em Bariloche, mastigamos mais umas toneladas de ripio subindo os Andes e fomos parar no Chile, percorrendo este delicioso país de ponta a ponta. Tanto na Argentina quanto no Chile o que se vê em termos de microinformática é um verdadeiro show. É código de barra por todo lado. Cada posto de gasolina ostenta um micrão que controla tudo. Nas lojas e lojinhas do caminho, quase toda fatura ou notinha era cuspida por uma impressora Epson daquelas bem robustas e surradas pelo uso. Laptops aos borbotões, com modems ligados a celulares, fazem a alegria da galera. Em La Serena, praia linda lá em cima no Chile, conhecí o micreiro responsável pela telecomputação na fábrica de aguardente de uva, a Pisco Control. Contou-me o mancebo que todos os centros de venda estão interligados via modem e que as linhas da Entel são límpidas feito cristal.

Depois ainda pulamos para dentro do Perú para ver Machu Picchu. O lugar é mágico e naquelas bandas não vimos sequer sinais de bits nem bytes. As terras do Inca ainda não foram profanadas pelos micros dos gringos. A turma fala espanhol, é claro, mas quando querem que a gente não entenda, cochicham em quéchua fluente. O idioma ancestral do Inca ainda resiste bravamente depois de 500 anos. Foi o taxista que me ensinou como deveria me despedir do deus Sol: Tupanachiskama Inti!


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