O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 127 - Escrito em: 1993-08-17 - Publicado em: 1993-08-23


A ilha misteriosa


Tudo começou aos 9 anos de idade, quando lí "Viagem ao Centro da Terra" de Jules Verne. Pequeno resumo: Professor Lindenbrook descobre manuscrito rúnico, reúne dois gatos pingados e desce pela cratera do vulcão Snaefells na Islândia, chegando ao centro da Terra, ou quase lá. Depois de mil peripécias, o grupo é cuspido de volta à face do planeta em plena Itália, numa erupção do Etna. Fiquei doido com a idéia e relí o livro mais de quinze vezes desde então. Para agravar a coisa, veio o Rick Wakeman e compôs um esplêndido rock eletro-sinfônico sobre o tema. E ficou aquela pulga atrás da orelha: como será essa tal de Islândia? E a tal cratera, será que dá para encarar? Passou o tempo, vieram os micros, os BBS e pintou uma viagem de negócios aos EUA, com um mês de folga logo depois. Era a minha chance. Arregimentei alguns preciosos amigos Sysops, Bitneteiros e Interneteiros e, graças a seus favores, conseguí enviar mensagens para 904 usuários islandeses aleatoriamente pinçados na rede através de um poderoso programa chamado Gopher. Nestas mensagens eu pedia dicas e informações de apoio para uma viagem à misteriosa ilha em julho, com duração de 23 dias. Para minha surpresa, alguns Sysops e administradores da Internet de lá ficaram um tanto zangados com a incomum saraivada de pacotes e responderam com mensagens que traduziam perfeitamente seu estado de espírito. Só com com muito jeitinho e bla-bla-bla conseguí aplacar a ira dos donos do terreiro e pude contar com sua colaboração nas subsequentes trocas de mensagens.

Imaginava receber no máximo umas 25 respostas do pessoal. Afinal, quem iria se importar com mais um casal de turistas em pleno verão islandês? Ledo engano. Os BBSzeiros e Neteiros islandeses deram um verdadeiro show de hospitalidade e coleguismo. Mais de 230 usuários responderam ao meu apelo. Enviaram-me mensagens gigantescas, bem trabalhadas, cuidadosas, verdadeiros manuais de instruções. Tinha gente convidando para jantar, oferecendo pousada, chamando para tomar café, para viajarmos juntos e até convidando para acampamento. Levei dias e dias para ler e organizar todas as informações que os caras enviaram e, em função delas, poder planejar a viagem. Todos, sem exceção, advertiam que a Islândia é um país caríssimo e que as estradas mais bonitas não têm pontes, forçando o motorista a descer abismos e atravessar rios de degêlo glacial, o que é extremamente perigoso. Segundo os experts, alugar um carro convencional seria mais barato, mas confinaria o motorista à "ring-road", a única estrada razoavelmente boa e que contorna o país. Hotéis e restaurantes nem pensar, cobram os olhos da cara. A saída mais econômica e pouco usual, seria alugar um jipezinho pulga pé-duro com tração nas quatro rodas, uma barraca, dois sacos de dormir e um fogareiro para rangar coisas de mercadinhos e quiosques.

Depois de processar aquela maçaroca de mensagens, passei quase 70 horas respondendo detidamente uma a uma, via BBS e Internet. No final das contas, só conseguí responder cerca de metade dos replies. Para os que faltaram, enviei uma resposta padrão, com deslavados agradecimentos e pedindo mil desculpas pela falta de tempo para uma resposta personalizada. Aproveitei e, para estes, informei o endereço de um amigo nos EUA, para onde poderiam enviar alguma informação adicional durante o mês de junho. Nova surpresa: quando visitei este amigo logo antes de embarcar para a ilha, encontrei a caixa postal do mancebo abarrotada de envelopes e pacotes cheios de mapas, livros e folhetos turísticos sobre a Islândia. Semana que vem eu conto como é a cratera.


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