O GLOBO - Informática Etc. -
Carlos Alberto Teixeira
Artigo:
128
- Escrito em:
1993-08-24
-
Publicado em:
1993-08-30
Aprendiz de feiticeiro
Quem se depara diante do formidável universo das redes internacionais de BBS e, mais especificamente, da Internet fica de início totalmente perdido. A coisa é grande demais, você começa a fuçar timidamente, com passinhos curtos e vai se deslumbrando a cada dia. Por ser um novato nas poderosas pesquisas que o programa Gopher é capaz de fazer nesta titânica rede mundial, acabei agindo como aprendiz de feiticeiro que se mete a brincar com poderes fora de seu controle. Quando metralhei mensagens para as centenas de micreiros islandeses pedindo help antes de viajar para lá, mal sabia que os usuários na mira eram integrantes de apenas uma das três sub-redes islandesas: pesquisadores científicos, estudantes universitários e professores. Resumindo, pequei a terceira sub-rede, a dos professores primários e secundários. Foi pura sorte, pois atingí a menor das três comunidades e mesmo assim a quantidade de replies que recebí já foi grande demais para minha capacidade de responder em tempo. A sorte não parou aí, pois essa turma de mestres é especialmente versada nas deslumbrantes sagas islandesas, conjunto de lendas e relatos históricos sobre os primeiros habitantes do país.
Visitamos quase todos estes abnegados professores que haviam nos respondido através da rede. Pelo simples fato de já termos trocado duas ou três mensagens pelo micro, quando lhes batíamos à porta, esta gente nos recebia como velhos conhecidos. Abriam o maior sorriso e ainda no hall de entrada, davam uma viradinha prá trás e berravam para o resto da família coisas do tipo: "iau! eles vieram mesmo!". Juntava todo mundo à mesa, nos seguravam para a janta e ficávamos até altas horas ouvindo estórias fantásticas sobre personagens e feitos legendários que faziam nossa imaginação voar. Numa desses noitadas (falar em noite nessa época na Islândia é piada: não escurece nunca no verão), na cidade de Olafsvik, o mestre local, sabendo da nossa fissura por conhecer o misterioso vulcão Snaefells mencionado no romance de Jules Verne, ligou o modem e mandou mensagem para um casal de irmãos que mora no sopé da montanha. No dia seguinte, subimos até um ponto de encontro lá em cima, onde a neve interrompia a estrada e lá estava o casal com dois snowmobiles (aqueles veículos tipo jet ski que deslizam na neve) esperando para nos levar até o topo do extinto vulcão. Depois de quase uma hora voando no gelo em cima daquelas máquinas, chegamos ao cume. O tempo abriu milagrosamente e o Sol forte nos revelou a verdade. O topo do Snaefells é uma imensa geleira e a misteriosa cratera está há milhares e milhares de anos oculta sob uma monstruosa capa de gelo. Para meu desapontamento, concluí que o famoso Julinho não sacava nada de Snaefells.
Descemos do monte e continuamos pingando de vila em vila. Em qualquer cidadezinha islandesa, o professor é figura importantíssima, sendo geralmente responsável pelo ensino de todas as séries em uma comunidade, especialmente nas terras altas do interior. Dado o elevado nível de vida na Islândia, e diante do rigoroso clima, estes profissionais moram em casas extremamente confortáveis e aconchegantes. Além dos mais modernos gadgets eletrônicos, parabólicas, celulares e coisas do tipo, cada um deles possui um ou mais micros em casa, todos ligados à sub-rede de ensino do país via modem. A troca de informações entre cada núcleo de ensino e a máquina central na capital Reykjavik é intensa. Os testes dos alunos, programas pedagógicos, treinamento dos professores e diretrizes de trabalho são distribuídos via computador e todo o feedback dos mestres em relação à central tambem flui via modem. As escolas são igualmente informatizadas. Só para se ter uma idéia, qualquer garoto de 11 anos, vivendo em uma das fazendolas daquele interiorzão gelado, além da língua-mãe, já fala e lê em inglês e muitas vezes também em alemão. Qualquer moleque desses acessa a Internet via modem e pesquisa bibliotecas na Europa ou nos EUA, colhendo material para uma pesquisa na escola.
Semana que vem termino o relato islandês com um artigo sobre nosso encontro com o mago Fridrik Skulason vulgo Frisk, ídolo do mundo anti-vírus micreiro.
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