O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 177 - Escrito em: 1994-08-02 - Publicado em: 1994-08-08


Tem carne nesse angu


Já é corriqueiro falarmos sobre Internet na BBS-Mania. Afinal de contas, o que é a Internet senão um mega-BBS? Em virtude de seu crescimento quase incontrolável, a Net está a ponto de se tornar um monstro sem controle e mais: muito perigoso. Esta afirmação pode parecer um tanto hiperbólica ao leitor, mas não o é, asseguro. Para ilustrar de forma um tanto dramática os graves problemas de segurança decorrentes do exagerado crescimento da Internet, temos o recente caso dos hackers que guardavam imagens pornô num computador muito especial. A máquina era simplesmente a de um dos três laboratórios de pesquisas em armas nucleares dos EUA, o LLNL (Lawrence Livermore National Laboratory) em Livermore, Califórnia.

Instalações militares deste porte geralmente contam com um considerável espaço de armazenamento, não necessariamente ocupado sempre por arquivos. O trabalho dos hackers em casos assim, é o de descobrir áreas vazias nos discos do "site". Utilizando-se de artimanhas bastante engenhosas, eles conseguem se apoderar de porções deste vazio e lá gravam suas muambas. Com o devido cuidado de camuflar a existência destes diretórios não-autorizados na máquina da vítima, os hackers passam a divulgar, quase de boca a ouvido, este endereço Internet como verdadeira preciosidade. Com isso, está instituído mais um "site-pirata", mais um entre milhares que existem espalhados na grande rede.

A divulgação da descoberta do site do LLNL foi obra de um arrojado repórter do jornal Los Angeles Times que teve acesso aos canais de bate-papo virtual de um grupo de hackers. Os responsáveis pelo laboratório nuclear ficaram naturalmente de queixo caído e classificaram o acontecido como a mais séria quebra de segurança já ocorrida naquele potente e sigiloso sistema. A coisa é grave, posto que o LLNL lida com uma quantidade incrível de informações secretas e funciona sob super-rígidos procedimentos de segurança.

E se, ao invés de apenas guardarem imagens obscenas, os hackers conseguissem acesso a informações privilegiadas? Aí sim, a coisa ficava preta. Mas mesmo assim, os desdobramentos do evento não foram coisa pouca não. O repositório dos penetras abrigava milhares de imagens "X-rated", constituindo sem dúvida o maior acervo pornográfico já confiscado numa instalação da Internet: cerca de 2 Gigabytes em disco.

Quando começaram a aparecer no cenário da informática, os hackers se tornaram famosos pela habilidade de penetrar em sistemas "trancados" visando derrubá-los, demonstrando a ineficácia de suas rotinas de segurança. Com isso, tornavam-se verdadeiros heróis em seu meio. A capacidade intelectual destes verdadeiros gênios da computação era geralmente assombrosa. Mas a nova leva de hackers parece não estar tão bem preparada tecnicamente. É claro que ainda existem os feras, mas são bem poucos. Os menos letrados acabam se dedicando à criação e manutenção de sites-piratas, onde são distribuídos, além de material pornô, uma quantidade inimaginável de software pirata e informações ilegais ou sigilosas. Graças à própria estrutura da Internet, estes contraventores podem agir com pouquíssimas chances de serem pegos em flagrante. A rede é gigantesca, cheia de meandros e nichos onde se pode facilmente esconder diretórios de tamanho considerável.

O evento causou o maior estrupício e desencadeou uma furiosa operação do FBI à cata de piratas interneteiros. Pelo fato de inúmeros estabelecimentos de prestígio serem "sites-piratas" sem o saberem, os administradores destes sistemas também iniciaram uma operação pente-fino em busca de áreas em disco mutretadas.

No caso do LLNL, havia pelo menos um funcionário envolvido na trama. Há provas de que ele já sabia que o endereço secreto das áreas pornô havia vazado além dos limites das herméticas confrarias-pirata da Internet. Seu deslize foi deixar gravada nas áreas ocultas uma mensagem avisando aos frequentadores do "serviço" quanto ao perigo iminente de serem pegos com a boca na botija e que já havia gente grande investigando a tramóia.

Na matéria publicada no L. A. Times são citados os nomes-de-guerra de três dos hackers envolvidos na confusão. Os mancebos estão jurados de morte, figurativamente falando, é claro. De acordo com navegadores interneteiros brasileiros que costumam vagar por estas sombrias e tenebrosas criptas do net-underground, os três entraram em acordo com o repórter e a ele revelaram informações a que um profano jamais teria acesso. Nos canais fechados do IRC (Internet Relay Chat) dedicados à pirataria, o que mais se vê nos últimos dias são violentas maldições e juras de vingança contra os três infiéis. Este procedimento os transformou em traidores e os logs (registros gravados de todos os eventos ocorridos num sistema) do IRC comprovam o fato.

Muito embora Chuck Cole, diretor de computação do LLNL, jure de pés juntos que um intruso jamais conseguiria acesso às informações sigilosas do sistema, especialistas que preferem se manter anônimos garantem que tem carne debaixo desse angu. Segundo eles, este esquema de pornografia pesada estaria servindo de fachada para um programa ultra-sofisticado de espionagem, no qual rotinas farejadoras estariam perscrutando outros computadores diretamente ligados ao LLNL, capturando senhas de acesso e ocultando-as criptografadas nas imagens pornô, que seriam mais tarde "downloadeadas" por agentes estrangeiros. Parece estorinha de livro de espionagem de terceira categoria, mas quem sabe?


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