O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: Unix - Escrito em: 1997-03-26 - Publicado em: 1997-03-31


Aos 28 (com um corpinho de 15),
o Unix vai muito bem


Tido - há tempos - como uma esquisitice acadêmica às portas da morte, o velho sistema operacional renasce na rede

Legenda da foto: NINGUÉM JAMAIS achou que ele fosse vingar de verdade; mas estações de trabalho como essas, e depois a Internet, o consagraram como ’o’ sistema de poder

Em 1969 nascia o Unix, num minicomputador DEC PDP-7 que estava encostado numa das salas do Bell Labs. Ken Thompson e Dennis Ritchie, com uns poucos colaboradores, implementaram esse sistema operacional flexível e poderoso, sem imaginar as dimensões do que acabavam de fazer. Tanto que parece piada o que consta no manual de programação, publicado em 72: "O número de instalações Unix já chegou a dez e espera-se que aumente ainda mais." Basta dizer que, hoje, grande parte das instalações em que se baseia a Internet roda Unix...

(Tal popularidade se deve, em parte, ao fato de, em 1974, o Unix ter tido o seu núcleo reescrito em linguagem C. Isso quebrava a longa tradição de sistemas operacionais escritos em Assembler, ou "linguagem de máquina"; trocando em miúdos, com o C o Unix estava pronto para ser rodado em qualquer tipo de máquina.)

Passado tanto tempo, aliás, a grande preocupação dos organizadores e participantes do UniForum’97, realizado no início do mês em São Francisco, foi situar o Unix, tão precisamente quanto possível, no dinâmico e borbulhante contexto do mercado mundial de software. Tentar antever os rumos que tomará o provecto sistema na próxima década, então, foi tarefa ainda mais árdua.

O ano em que o patinho feio virou um pavão misterioso

A Internet foi a grande responsável pelo sólido reforço recebido pelo Unix nos últimos anos. Sun, Java, Netscape, Network Computer e outras buzzwords foram peças-chave em 1996, ano que possivelmente entrará para a História como aquele em que o Unix deixou de ser considerado coisa de especialista excêntrico para ser apontado como formidável tendência de software.

A própria MS, que até outro dia dava o Unix como moribundo (na melhor das hipóteses!) reconheceu sua força. Agora, falta apenas um esforço sério de cooperação entre os grandes produtores no sentido de padronizar o uso de servidores Unix na indústria. O que se viu no Uniforum’97 foi a continuação de um decisivo movimento da comunidade Unix para ampliar seu foco, passando a abranger áreas mais vastas no universo do software, incluindo NT, Java, Corba e ActiveX, em paralelo às tecnologias e aplicações Internet/Intranet/Extranet.

Em termos de metas para criação de produtos, ficou claro que os desenvolvedores Unix devem apontar armas para Java & família. Também são promissoras as áreas de segurança, tolerância a falhas e aplicações por voz. Muito Unix também vai rolar no caminho dos "knowbots" (knowledge agents/robots) e no aumento do poder dos browsers.

Na briga Unix x NT há um ponto-chave: está claro que o usuário deseja usar Unix para gerenciar bancos de dados de grande porte, mas quer acessar esses dados com Windows. Quase todos apreciam a cara do Windows em seu posto de trabalho, mas o poder do Unix enfeitiça.

É óbvio que essas duas forças devem trabalhar juntas - e já o estão fazendo. Em incontáveis empresas, duas vertentes de sistemas vêm coexistindo há anos: de um lado, o Unix suportando a infra-estrutura de dados; do outro, um amplo leque de soluções PC atendendo a outros departamentos, geralmente rodando Windows. Esta convivência tem sido facilitada pela adoção de protocolos que permitem que estações Windows se conectem a servidores Unix sem a necessidade de drivers adicionais.

Ciente do desafio que precisa encarar, a Microsoft investe pesado na introdução do Windows NT nas aplicações high-end em Unix e bancos de dados relacionais. Ao que parece, o Unix vai continuar ganhando essa guerra, ficando com os servidores de médio porte, enquanto o NT vai abocanhando cada vez mais servidores de pequeno porte. Sinal claro disso é o fato de grandes companhias estarem desenvolvendo projetos-piloto com servidores NT. Nos próximos dois anos, a filosofia já estará bem absorvida pelas empresas e o NT irá se firmando, muitas vezes de mãos dadas com a abordagem Unix.

Embora ainda seja grande a importância dos meios off-line tradicionais de armazenamento (fita e óticos), o acesso on-line inteligente fica mais fácil quando baseado nos bons e velhos meios magnéticos de acesso direto. E quando se fala em gerenciar dados nesses meios, fala mais alto o Unix. De acordo com seus cultores (gente meio suspeita para falar!), o Unix é a excelência, ao passo que o NT é apenas algo que vem chegando.

Eles garantem que o Unix experimentará um grandioso ressurgimento assim que os "bacalhaus" do NT começarem a aparecer de fato. Mas se esquecem de que quem está por trás do NT é a Microsoft, e aí a conversa é outra: o mercado vem engolindo esses bacalhaus há anos e, mesmo assim, não pára de comprar...

Para espalhar ainda mais a base instalada, o Unix Systems Cooperative Promotion Group (um grupo especial de trabalho) aproveitou o UniForum’97 para definir estratégias de atuação. Dentre elas destacam-se fortalecer o mercado; delinear com maior precisão as projeções dos analistas de mercado que apontam para o Unix; aumentar a qualidade e a quantidade da cobertura da mídia; sensibilizar dirigentes de grandes empresas para os benefícios da filosofia Unix e aumentar a conscientização geral a respeito do Unix 95 e do emergente 98.

Uma das dificuldades que o Unix e seus parceiros terão que superar num futuro próximo será dar condições de segurança para a iminente aglutinação das "ilhas" de computação hoje existentes nas empresas. Essas ilhas poderão estar rodando o próprio Unix, OS/2, NT, NetWare, ou qualquer outra filosofia de dados, mas estarão certamente se interconectando cada vez mais, graças às tecnologias cliente/servidor e Internet/Intranet; um dia serão vistas como uma coisa só.

Torre de Babel: apenas uma quimera no futuro Unix

O Unix do futuro poderá acabar com o suplício do usuário típico de uma grande companhia, que precisa de 30 a 40 pares "usuário/senha" para fazer seu serviço num ambiente multi-servidor. O ideal seria o usuário se logar em sua estação e ser capaz de saltitar em segurança de Oracle para Sybase e depois para Unix - ou para onde quisesse. Em suma, o verdadeiro "Where do you want to go today?" O diabo é absorver este conceito numa realidade heterogênea.

Uma das grandes promessas do casamento do Unix com o NT é a possibilidade de prover acesso fácil aos dados. De nada adianta uma corporação ter vários Terabytes de informação armazenada, se continua tendo dificuldades em acessar esse acervo. Teme-se, contudo, que o Unix possa criar o perigo do acesso fácil demais. Este medo deve-se, em parte, à tendência atual de interligar ambientes indiscriminadamente, conferindo excessivo poder aos usuários do sistema. Com isso, os antigos fantasmas externos que ameaçavam os grandes bancos de dados -- espiões e hackers - já não assustam tanto quanto antes. Atualmente, mais da metade dos ataques à segurança dos grandes bancos de dados é engendrada e praticada por gente de dentro.

Em tempo: Unix não é sigla nem acrônimo. Ritchie e Thompson trabalharam nos anos 60 em um sistema chamado Multics. Como a nova criação era "coisinha pequena", resolveram chamá-la de... Unix.


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