O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: Euro - Escrito em: 1998-04-06 - Publicado em: 1998-04-13


Y2K + euro = caos!


A Europa se curva ante duas pragas de fim de milênio: o bug do ano 2000 e a unificação

Pensávamos que o desafio da virada do ano 2000 seria o maior esforço mundial de programação até hoje. Talvez até seja mesmo, mas existe um outro monstro se aproximando - sendo que, neste caso, apenas um continente é o causador do bafafá, cujas conseqüências, porém, podem ter impacto global. A Europa está diante de um grande problema que poderá ter efeitos seriíssimos em seu desenvolvimento e mudar o delicado equilíbrio da economia mundial. Dentro de poucos meses, os estados soberanos europeus estarão encarando um múltiplo processo no sentido de movê-los rumo à união econômica e monetária européia (EMU). Onze países já confirmaram sua adesão à EMU, que será firmada em maio próximo: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal.

Ora, no primeiro dia de 1999, os países membros da EMU verão as taxas de suas moedas irrevogavelmente atreladas ao euro, um novo padrão monetário. Neste dia histórico, o euro irá tornar-se moeda corrente no Velho Mundo e, durante os três anos seguintes, entidades do setor público e privado vão se ver doidinhas, conduzindo negócios em euro paralelamente a transações com suas moedas nacionais. Até que, no dia 1º de janeiro de 2002, terá início o processo de substituição física das moedas locais, uma operação que vai tirar de circulação 76 bilhões de moedas e 13 bilhões de cédulas.

Área tecnológica também será afetada

Está na cara que a turma da computação vai ter muito abacaxi para descascar. Os sistemas dos países da EMU vão ser afetados de imediato, mas tudo o que é software rodando em países que mantêm relações de comércio com a Europa também vai precisar de boas mexidas. Somando tudo o que se vai gastar nessa barafunda, as contas mais otimistas já passam dos US$ 100 bilhões.

A verdade é que falar em unificação é muito mais fácil do que unificar. A gritaria é particularmente grande na área dos bancos e da tecnologia da informação. Entre os bancos, claro, porque lá se vai a renda gerada pelas taxas de conversão entre moedas; na área da tecnologia da informação, porque não vai ser fácil operacionalizar as mudanças estratégicas das empresas, permitir a possibilidade de exploração de novas linhas de negócios, prover potencial para novas vantagens competitivas de mercado e facilitar a transição e conversão dos "Legacy Systems", ou seja, os tradicionais sistemões que rodam nos mainframes.

Ainda que uma empresa não queira ou não precise alterar sua estratégia de atuação em função da nova realidade, ela terá que alterar toneladas de código-fonte. Mas como desgraça pouca é bobagem, imaginem os departamentos de sistemas dessas firmas, já atolados com as conversões e testes para o ano 2000... e ao mesmo tempo arrancando os cabelos com o euro!

Lá, o Y2K (também chamado de bug do ano 2000) e a unificação financeira estão desempenhando muitíssimo bem o papel de pestes de final de milênio. Só não sucumbirão as companhias altamente disciplinadas na abordagem dos dois problemas; na hora do vamos ver, será acirradíssima a luta pelos recursos de software e hardware, para não falar em peopleware. É verdade que a encrenca do euro é mais flexível em termos de prazos, mas, por outro lado, o perfil do profissional capacitado a enfrentar os problemas do euro é bem mais especializado.

Desde já, é possível prever que muitas das organizações afetadas pela unificação econômica européia vão optar por não promover uma conversão total de seus sistemas. Pelo menos a curto prazo, sempre haverá a possibilidade de se dar um jeitinho, implementando atalhos de processamento manual ou sistemas em paralelo. Mas para as empresas decididas a dançar conforme a música, procedendo às mudanças comme il faut, a cobra vai fumar.

Continua na página 6


Y2K + EURO CAOS! (Continuação da página 1)

O ovo da serpente no ninho da égua

Como os melhores cérebros da tecnologia de informação vão lidar com o desafio?

Legenda da foto: REPRESENTANTES DO Partido Comunista francês protestam contra o euro

Um dos piores efeitos do euro é o de forçar os sistemas a se tornarem "bilíngües"; em outras palavras, fazendo-os passar certo tempo processando moeda local e euro, e tratando cada qual da maneira apropriada. Nào raro, os sistemas terão que interagir com outros que lidam apenas com um destes padrões, o que piora a situação. Outra agravante é a maldição do arredondamento numérico: quando se fazem contas aritméticas em computador, é freqüente a sobra de uma perninha nos centavos.

Ora, manter o controle de tais resíduos é função de programas que também terão que ser modificados. A questão inspira cuidados especiais e existe pesada e estrita regulamentação legal que proíbe uso de taxas inversas de conversão entre moedas, justamente para minorar efeitos funestos de arredondamento, que se tornam ainda mais significativos quando se trata de processar dados históricos e agregados.

E olhem que nem falamosno ponto flutuante...

O pessoal de sistemas não dorme de touca e já preparou uma série de regras básicas de conduta: um acordo geral quanto ao número de casas decimais usadas; previsão de discrepâncias entre totais individuais e cumulativos de transações; esperar diferenças de arredondamento eventualmente adotando outros critérios para batimento de transações; e critérios para zerar diferenças causadas por arredondamento.

Como se vê, o buraco é bem mais embaixo, pois diferentemente da conversão do campo ANO para quatro dígitos (caso do Y2K), o conjunto de procedimentos preparativos para adoção do euro é consideravelmente mais cabeludo. Ainda assim, há quem insista em discutir qual é o desafio mais brabo...

Será inevitável a necessidade de construção de pontes de software unindo sistemas que estarão prontos em tempos diferentes, mesmo que essas entidades digitais tenham vida curta. Neste particular, a comunicação entre as empresas envolvidas no processo deverá ser intensa, clara e rápida. Se todos não usarem os mesmos critérios, será o caos.

Qualquer analista de sistemas que já tenha projetado formulários e relatórios sabe muito bem o pesadelo que será exibir em tela ou papel valores monetários em dois padrões simultâneos.

Para engrossar o caldo, nem todas as dores de cabeça acometerão apenas os profissionais de sistemas de grande porte. Muita maquineta desktop rodando planilha e banquinhos de dados é usada hoje em dia para efetuar importantes computações financeiras e, se não se tomar o devido cuidado com elas, poderão se tornar desagradáveis pedras no sapato dos monstruosos mainframes com que interagem.

Resumindo: vai sobrarpara todo mundo

O universo dos sistemas afetados pela questão do euro é assustador, pois abrange as áreas de planejamento de recursos empresariais, finanças, contas a pagar e a receber, pontos de venda, recursos humanos, máquinas ATM, sistemas EDI (Electronic Data Interchange), transferência eletrônica de fundos, pedidos, compras, sistemas de bancos de dados, suporte a vendas, planilhas, sistemas operacionais e controle de plataformas distribuídas...

A transição para o euro traz uma série de considerações estratégicas e operacionais para fornecedores de TI. As implicações serão importantíssimas tanto dentro quanto fora da Europa, e a tendência "natural" de nossa raça de empurrar com a barriga e deixar as coisas para a última hora pode gerar sérios problemas.

As empresas que já se adiantaram no processo realizaram mudanças de peso em seus processos de negócio, bem como adequações na infra-estrutura básica em informática. Para quem quiser ler mais sobre o assunto, recomendam-se os sites <www.ispo.cec.be/y2keuro/> e <www.kpmg.co.uk/uk/services/manage/emu01.html>.


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