O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: Cookies - Escrito em: 2000-01-30 - Publicado em: 2000-02-07


O fantasma dos cookies


Quando combinados com gigantescos bancos de dados, os cookies mostram seu lado invasivo

No mundo virtual, sem querer, permitimos que aconteçam coisas que jamais toleraríamos no mundo real. Imagine que um sujeito começa a lhe seguir quando você sai à rua. Continua lhe perseguindo quando você sai dirigindo e fica à espreita quando você vai a um shopping. Lá está ele, sempre tomando notas sobre as coisas que você está comprando, anotando até quando você simplesmente dá uma parada e lança uma olhadela para uma vitrine. Numa biblioteca ele continua de olho, tomando nota de todos os livros que você consultou. Depois, imagine que absurdo, tem o desplante de ligar para as lojas que você visitou e convencer o gerente a lhe passar seus dados pessoais e informações históricas de suas compras. Esse camarada fica atento a você todos os dias, o tempo todo, construindo a seu respeito um dossiê super completo.

No fórum sobre privacidade na Internet, moderado por Lauren Weinstein <[email protected]>, tem sido dada ênfase especial ao junk, o lixo que nos invade tanto no ciberespaço quanto fora dele. Nosso colega Lauren, veterano nas questões de privacidade, vem dando atenção especial aos cookies, que são os correpondentes digitais desse detetive enxerido hipotético. Como se sabe, cookies são pequenos arquivos de texto que são mantidos por seu browser na sua máquina. Quem cria os cookies e os atualiza no seu computador são os sites que você visita na Web. É uma intromissão que, a princípio, não teria nada de sério. Mas a coisa tem mudado de figura ultimamente.

No mundo real, você imediatamente tomaria providências se alguém ficasse na sua cola como esse maldito detetive. Mas os grandes sites não estão nem aí para o que podem ou não chupar da sua máquina e dos seus hábitos de navegação. Eles querem tudo, pois quanto mais conhecer de você, melhor para eles. Os cookies já foram motivo de muitas reclamações, mas chegou a hora de lutarmos contra eles, porque estão começando a aplicar golpes baixos contra nossa privacidade. Se comermos mosca, iremos nos tornar vítimas indefesas.

Logo que surgiram os cookies, houve uma onda inicial de descontentamento, que foi respondida com uma campanha muito bem orquestrada, informando sobre a inofensividade deles. Foram muitas entrevistas, declarações formais e promessas feitas pelos grandalhões de que jamais se usaria cookies para monitorar a vida cibernáutica de ninguém.

Pode até ser que, no começo das coisas, a utilização pretendida para os cookies fosse realmente essa de manter controle sobre o estado das transações via Web e facilitar a autenticação do usuário no caso de novas visitas. Todavia, com o passar do tempo, os sites começaram a pôr as unhinhas de fora, quando passaram a fazer cruzamentos entre os dados obtidos via cookies e outras fontes de informações e bancos de dados. Ainda não se tem notícia de que essa aglutinação de informações tenha ocorrido aqui no Brasil, mas não é impossível. Nos EUA, porém, é batata -- já se faz este perigoso casamento, incorporando dados sobre visita de sites e compras online e offline, chegando-se ao cúmulo de incluir dados de crédito, informações eleitorais eleitorais e de outras fontes públicas.

Em junho de 1999, a empresa DoubleClick Inc. <www.doubleclick.com> tornou-se uma das primeiras vilãs nesse enredo, por ocasião da fusão que houve ela e a firma Abacus Direct Corp. Há duas semanas a DoubleClick, que é a maior companhia de propaganda via Internet, foi pega no contrapé e se viu forçada a resconhecer que vem monitorando nome e endereço de seus usuários à medida que eles vão pulando de um site para outro na Web. Esta técnica, conhecida como "profilling" (pron. profáilin) permite que os donos do site venham a saber até a renda do usuário e, em alguns casos, a identidade precisa de cada uma das pessoas que visitam um dos 11.500 sites que recebem os cookies escondidos por trás dos anúncios da DoubleClick.

No outro lado da equação, a Abacus Direct é uma empresa de serviços de marketing direto que mantinha um precioso banco de dados com nomes, endereços, telefones e hábitos de consumo a varejo de cerca de 90% das famílias americanas. Correlacionando as fontes de informação, a DoubleClick tem agora em suas mãos um poder de ataque de venda jamais visto no mundo.

A fusão destas empresas é um exemplo das perigosas iniciativas de integrar monstruosos cadastros, configurando uma tendência que ameaça abalar a própria natureza da World Wide Web, que a princípio deveria ser uma teia mundial em que o navegante poderia se mover anonimamente. A Web pode estar se transformando numa cela a que o usuário estará confinado, trazendo acorrentados à canela sua identidade e seus hábitos de consumo. A privacidade do indivíduo novamente está sendo atacada de forma corrosiva, com o perigo de que se forme uma sociedade baseada na vigilância indiscriminada do cidadão, prejudicando seriamente a confiança do consumidor na Internet.

O quadro se completa quando vemos pipocar por todo lado, não só aqui no Brasil como também lá fora, esses provedores de acesso gratuito e empresas de software que fornecem programas grátis. Está todo mundo de olho nos dados privativos do cidadão. Uma empresa que resolve investir agora nessa febre da gratuidade está apenas esperando que passem alguns meses ou poucos anos para, depois de engordar seus bancos de dados, ser comprada por algum tubarão que desembolse uma baba, faminto atrás dessas informações.

O exemplo da DoubleClick é bem ilustrativo. Seu CEO, Kevin O'Connor, declarou em 1996 à Forbes.com que sua empresa jamais tentaria descobrir a identidade dos usuários cujas andanças pela rede ela conseguisse monitorar através dos cookies. Na época ele declarava que a DoubleClick só faria isso se o usuário explicitamente o permitisse. E agora, como vemos, o mesmo Kevin O'Connor pagou US$ 1 bilhão à Abacus Direct para fazer exatamente o que ele havia prometido que não faria.

Certamente ainda vamos praguejar muito contra essas invasões, mas é quase certo que a longo prazo o pobre usuário se cansará e capitulará diante do quase ilimitado poder das grande empresas na Web. No entanto, enquanto ainda podemos fazer alguma coisa a respeito, fica a sugestão: desligue os cookies no seu browser. Não apenas peça-o para lhe avisar quando aparecer um, pois você irá ficar maluco com tanto aviso, mas simplesmente desligue-os. Se possível, vá até o seu diretório "Cookies" e esvazie-o. Leia o help do seu browser e descubra como se o faz. Você será barrado em diversos sites, mas dependendo de sua preocupação com ser ou não seguido em suas surfadas, você deverá permitir cookies apenas quando for totalmente imprescindível. E não se surpreenda se, nas próximas versões dos mais famosos browsers, desaparecer por completo a alternativa de inibir cookies. Você sabia que na WebTV já não existe tal opção? Porque será?


 Links importantes:

 * Como funcionam os cookies e como ameaçam sua privacidade:
<www.junkbusters.com/ht/en/cookies.html>

 * Um alerta sobre privacidade na Web -- um site que, quando visitado, extrai várias informações a respeito da máquina do usuário, exibindo-as na tela do browser:
<www.junkbusters.com/cgi-bin/privacy>

 * A já tradicional forma de se navegar anonimamente:
<www.anonymizer.com>

 * Ferramenta que mostra ao usuários os cookies que residem em sua máquina:
<www.winmag.com/library/1998/0901/how0063.htm>

 * Uma breve história do junk na Internet:
<www.junkbusters.com/ht/en/variety.html#data>

 * Infindável coleção de links sobre junk:
<www.junkbusters.com/ht/en/links.html>

* Artigo na CNet sobre o assunto:
<http://news.cnet.com/news/0-1005-200-1531929.html?dtn.head>

 * Mais um bom artigo, este outro no USA Today:
<www.usatoday.com/life/cyber/tech/cth211.htm>

 * Um servidor proxy que aumenta muito seu anonimato na Web:
<www.junkbusters.com/ht/en/ijbfaq.html>

 * Como bloquear anúncios na Web:
<www.ecst.csuchico.edu/~atman/spam/adblock.shtml>

 * A filosofia "opt-out", em que o usuário toma a iniciativa de remover seus dados de cadastros de informações:
<www.precipice.org/privacy/>

 * Outro site sobre opt-out:
<http://opt-out.cdt.org/>


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