O GLOBO - Informática Etc. -
Carlos Alberto Teixeira
Artigo:
202
- Escrito em:
1995-02-01
-
Publicado em:
1995-02-06
Anatomia de um pirata
Felipe Silva, Sysop do NetCave BBS (021) 541-8284, puro 3L33T, me passou um texto de autor anônimo encontrado na Internet e que fiz questão de traduzir procês. A figura retratada é de um exímio quebrador de proteções de software, mas pode ser substituída, em diversas gradações, por um micreiro obsessivo, por um copiador compulsivo de software ou por um interneteiro viciado.
"Seus olhos estão vermelhos, ele já não dorme. Sua esposa e filhos costumavam conhecê-lo, não conhecem mais. Houve um tempo em que ele era um ótimo sujeito, bom de papo. Mas ele gostava de mexer em engenhocas e acabou comprando um computador. Sua vida nunca mais será a mesma.
À noite ele espreita pelas sombras, procurando por "bad sectors", desfiando-os bit a bit, sabendo que em breve terá quebrado a proteção e terá a primeira cópia ilegal, no mundo, daquele maldito disquete comercial. Ele vai continuar usando seu carro velho por mais três ou quatro anos, não vai consertar o encanamento, vai sobreviver apenas com café e lanches diante da televisão, tudo isso para poder comprar um terceiro ou quarto hard disk ou quem sabe aquela expansão de memória de que ele tanto precisa.
Decriptar e quebrar proteções são seus únicos objetivos. Ele nem se importa com o que o disquete contem ou com o quão útil poderá ser o programa. O que ele quer é simplesmente quebrar o código. Ele já desprotegeu inúmeros games, mas nunca jogou um deles sequer. Seu propósito na vida vai deixá-lo doente de tanto cansaço. Ele vira noites a fio buscando vencer a última e mais difícil barreira na proteção de um programa e, quando consegue, experimenta uma sensação parecida com a depressão pós-parto.
Ele não quer dinheiro nem fama. Ele só quer provar que é mais inteligente do que aquele que bolou o esquema de proteção. Depois ele vai alardear seu feito heróico para um círculo fechado de amigos no clube e, já que eles ouviram suas bravatas, ele lhes dará uma cópia do programa.
Sua energia e imaginação, se devidamente aproveitadas, poderiam ser usadas para criar um Excel ou um AutoCAD. Sua mente, infelizmente, é estreita e não dispõe das qualidades criativas e visionárias necessárias. Ele não passa de um adulterador, um criador de cracks eletrônicos que granjeou vastos conhecimentos tecnológicos e investiu milhares de dólares em ferramentas, apenas para satisfazer sua obsessão.
Ele sabe que nunca será pego. Ele sabe que as reclamações cada vez mais veementes de produtores de software e programadores, cujos patrimônios estão sendo ameaçados, nada mais são do que um reflexo de sua incapacidade de proteger efetivamente seus tesouros. Ele sabe que, seu foi um humano que protegeu, entào outro humano poderá desproteger. Ele sabe que os computadores trabalham sob regras bem definidas e que todos os discos de boot devem ser inicializados da mesma maneira. E isto é suficiente para ele poder começar seu trabalho.
Ele odeia disquetes sem proteção, já que não oferecem desafio algum. Ele economiza grana para comprar software que não tenha ainda sido desprotegido, faz tudo para quebrá-lo e depois entrega o crack para o pessoal seleto do clube.
Em sua vida social, ele é um João Ninguém, alguém que não brilha muito em nada que faça ou diga. Veste-se mal, já que sua aparência física pouco lhe importa. Não tem carisma nem fibra moral. Suas opiniões são inexpressivas e seus conselhos não são seguidos. Não é muito respeitado, exceto pelos baba-ovos que o cercam de olho no próximo crack. Afinal de contas, ele dá algo em troca de nada.
Seu maior segredo no entanto é que ele vive no constante medo de que um dia possa falhar. Talvez ele não consiga quebrar algum programa um dia. Vai descobrir que seus amigões do clube eram apenas interesseiros e que ele perdeu, por um golpe do destino, a atenção de que ele tanto necessitava.
Como todos nós, ele vai envelhecer, suas prioridades vão mudar e sua vivacidade vai esmorecer. Ao olhar em torno de si, perceberá que os melhores tempos de sua vida se passaram e não há como recuperar estes momentos perdidos. Ele vai ficar mais amargo, tendo deixado uma marca insignificante no mundo, perdendo seu tempo em buscas sem sentido. Ninguém vai sentir sua falta.
A ele eu dedico este epitáfio: Aqui jaz um pirata, que nunca navegou."
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