O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 218 - Escrito em: 1995-05-24 - Publicado em: 1995-05-29


Receita para curar os blues


Fala-se tanto ultimamente em Internet que o assunto já quase se banalizou. E isso é bom? Sei lá. Recentemente, numa revista dessas de "elite", aparecia o perfil típico do janota moderno: tinha que ter relógio X, beber champanhe Y e dirigir o carro importado Z, ah, e tinha também que "navegar na Internet". Ora, mas que beleza. Ouve-se muito sujeito metido a letrado proferindo coisas como: "Estou precisando comprar um computador Internet com a maior urgência: não quero ficar para trás na multimídia!" Vai lá cara-pálida, arranje o seu "computador Internet", vale a pena.

Outros tantos, novatos mas já adeptos da misteriosa ordem dos interneteiros, só conseguem sossegar quando acessam a rede em modo gráfico, brincando na WWW com um Mosaic ou um Netscape da vida. Iludidos, desconhecem as maravilhas e a velocidade do bom e velho acesso em modo texto. Mas isso parece até papo de conservador empoeirado, né? Falar mal do acesso gráfico à Internet e exaltar o acesso em modo texto é uma reação similar à dos velhos usuários de MS-DOS, quando baixavam o sarrafo na lentidão do modo gráfico do Windows. Eu tu ele nós vós eles espernearam e estrebucharam, mas acabaram sossegando o facho e muitos até incluiram o comando "win" no autoexec.bat. Quem diria.

Para provar que não jogamos no time em que o mofo deu, que tal contribuir para o aumento da salivação dos leitores, mostrando o novo quitute oferecido pela redinha? A palavra que se segue, dizem os mais sábios, deve ser pronunciada "ái-fôun". É o iPhone, a nova febre mundial da Internet.

Antes de penetrarmos nos meandros da questão, escreva num papelzinho os pré-requisitos do iPhone, que listarei a seguir. Se a leitora não tiver TODOS os itens, sugiro que pare de ler esse artigo imediatamente, caso contrário sentirá vontade de chutar pedra, dar cabeçada na parede e beber cêra quente. Segue a lista: saber arranhar algumas frases articuladas no idioma da Hillary Clinton, ter um micro PC compatível, mínimo 486-25MHz com 8 Mb RAM, rodando Windows (tem pra Mac também, mas isso é outro galinheiro e lá o galo é outro. Cocorocó, Fadiga!), acesso à Internet SLIP/PPP ou mutretado com sliRp ou TIA, software WinSock 1.1 ou superior, modem 14,4 kbps ou mais ligeiro e placa de audio com falantes e microfone. Fim da lista.

Se você não tem a lista completa acima e continua lendo o texto até este ponto, então está provado que se trata de uma criatura de coragem e que merece uma explicação, mesmo que simplificada. Nos acessos normais à Internet, vulgo "modo-texto", o usuário interage com o sistema através de instruções simples, que podem ser comandos de Unix, escolhas em menus de opções ou até cliques no rato, em alguns casos. Nestes casos, sua máquina e a do seu host (anfitrião Internet) conversam trocando cadeias ascii comuns, sendo o seu micro apenas um "terminal" pendurado ao host. No caso de uma conexão SLIP (Serial Line Internet Protocol) ou PPP (Point-to-Point Protocol), sua máquina passa a ser um autêntico nó da Internet, ou seja, funciona como um host de verdade. A conversa entre sua máquina e a grandona do outro lado é feita agora através de legítimos pacotes IP (Internet Protocol), que apareceriam como lixo em sua tela, mas que a interface WinSock entende numa boa e destrincha transparentemente para você, ó leitora que tanto nos prestigia. Via SLIP/PPP, as máquinas estarão falando o "idioma" TCP/IP e você poderá abrir diversas "conversas" simultâneas com a Internet: numa delas navegar na Web através do Mosaic, noutra acionar um telnet conectando-se num computador em Sydney e ainda numa outra dar um finger em [email protected] e ver o plan da Soberana de Magyar, com chave PGP e o caramba. Para encerrar essas definições, enfadonhas para uns, mas ouro puro para outros, temos sliRp e TIA, que são engenhosos artifícios que emulam SLIP para quem tem acesso convencional à rede.

O pessoal da Vocaltec (e-mail [email protected] ou na Web em http://www.vocaltec.com/), empresa que desenvolveu o iPhone, utilizou-se inicialmente da rede mundial de servidores IRC (Internet Relay Chat), o bate-papo online da Internet, para permitir que os navegantes pudessem conversar através da rede. Digo "conversar" sem metáforas, ou seja, falando com a boca e escutando com o ouvido mesmo, sem voz sintetizada nem qualquer outra mumunha. É aí que entra sua placa de audio, com speakers e microfone.

Em no máximo meia hora você instala o iPhone, atualmente em sua versão 2.5, ou "Build 9", como dizem. E sai falando imediatamente, bastando para isso escolher dentre as centenas de usuários falantes disponíveis cujos nomes aparecem numa telinha e esperar o outro lado da linha responder. Posso assegurar que é uma emoção forte ouvir a voz de um cidadão do outro lado do mundo grunhindo em seu alto-falantezinho e conversando com você em tempo real. É claro que num telefonema internacional você faz o mesmo, mas se começa a pensar no que existe por trás do iPhone, então suas pernas tremem e você começa a suar frio. É bem verdade que os vetustos fãs do Onkel já vivenciaram emoções parecidas nos áureos tempos, "mas isso é outra história, coisa do passado" - dizem os sorumbáticos ex-infratores da seita azul.

Atualmente, o sistema da Vocaltec, apesar de ainda se basear no protocolo IRC padrão, está utilizando uma rede própria de servidores dedicados ao iPhone. Existe uma penca desses servidores nos EUA, mais um na Austrália e outro na Holanda. Basta que o usuário se conecte a um deles e seu nome passa imediatamente a fazer parte da lista mundial de faladores disponíveis. Com um simples clique de mouse, você pode iniciar um papo verdadeiro com qualquer um deles. Inibida? Ora, deixe disso. Fale sobre o tempo, sobre seu micro, seus hobbies, ou qualquer coisa.

A versão do iPhone Build 9 que se encontra aí pelos BBS's e pela rede afora (arquivo IPHONE09.ZIP) é limitada a 60 segundos de papo, com validade de 30 dias. Depois disso você tem que pagar à Vocaltec para se registrar. Nem preciso dizer, mas direi, que na própria Internet, nos mais horrendos, obscuros e lúgubres antros dos esgotos, já é possível encontrar mais de um crack para o iPhone, derrubando todas as limitações do software. Se você encontrar um desses artefatos, faça a coisa certa. Além da sem-vergonhice implícita de se usar um crack desses, você se sujeita a um perigosíssimo vetor de transmissão de vírus pois, na ânsia de rodar o programa malfeitor, muita gente se esquece de vasculhá-lo à procura de código infectado e dança bonito.

Nesses últimos dias a turma vem reclamando da instabilidade da rede de servidores iPhone, que andou caindo a toda hora por uns tempos. O pessoal que já estava até marcando hora para papear online na rede ficou muito brabo. Isso sem contar com a nossa rede brasileira, que anda meio tartaruguenta ultimamente, não se sabe porque.

Quem deveria estrilar com toda essa história de iPhone não está estrilando (muito), ou seja, as grandes empresas de telecomunicações que faturam aos tubos com ligações internacionais. Com iPhone, você fala para fora ao preço de sua ligação Internet. Motivo do silência: ignorado, ou quase. Quem mais estrilou foram os ativistas da Internet, alegando que com iPhone fica ainda mais comprometida a privacidade das conversas entre humanos. Depois do telefone celular, que é sopa no mel para se fazer "wiretap" (espionagem de conversa alheia), o iPhone seria moleza também.

Para sorte da plebe, foi exatamente aí que um tal de Nautilus entrou em cena. Lembra do Capitão Nemo nas Vinte Mil Léguas Submarinas de Jules Verne? Lembra do submarino dele? Pois é, o Nautilus chegou para arrebentar. Bem que o Phil Zimmermann do PGP estava se dedicando a proteger as conversas "vox". Mas o espaço está acabando, a princesa De Lucca já deve estar me olhando de cara feia, portanto voltaremos ao assunto na semana vindoura. Nesse ínterim, cara leitora, nada de se meter em encrencas, certo?


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