O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 263 - Escrito em: 1996-09-04 - Publicado em: 1996-09-09


Adeus Julf


Foi um dia triste o 30 de agosto passado. Johan Helsingius, o Julf de Helsinki -- Finlândia, decidiu fechar seu famoso remailer anônimo. Se você já andou visitando os newsgroups da Usenet, provavelmente já esbarrou com usuários cujo endereço e-mail era do tipo [email protected]. Eram criaturas que queriam se manter no anonimato, cadastravam-se no remailer do Julf, ganhavam um número e começavam a mandar mensagens sem se expor.

O remailer do Julf era sem dúvida o mais popular do mundo, com mais de meio milhão de usuários cadastrados. Ele resolveu fechar o serviço diante de indefinições jurídicas sobre as regras de funcionamento da Internet na Finlândia. O ponto chave diz respeito à proteção legal dos usuários do remailer, uma vez que a privacidade de mensagens Internet não está claramente definida em termos jurídicos naquele país. (Se lá ainda está indefinida, imagina cá.) Já que a Finlândia é um dos países líderes em uso da Internet, uma decisão legal lá decerto levantará grande interesse internacional.

Julf desenvolveu e vem mantendo seu afamados remailer já há três anos, numa trabalheira sem tamanho. Mas nesse meio tempo, a Internet mudou muito e já existem outros remailers que prestam serviço similar. Acontece que, desde que começou esse trabalho, O Julf vem sendo alvo de ataques e perseguições de todo tipo. Sofreu acusações injustificadas que começaram a atrapalhar seu emprego e sua vida particular.

Diferentemente dos remailers mais modernos, o do Julf mantinha um registro associando cada código ao e-mail verdadeiro do usuário. A coisa engrossou porque certo elemento usou sua conta no Julf para postar anonimamente textos "sagrados" da igreja Scientology em um newsgroup da Usenet. Os religiosos se zangaram e correram atrás do pobre finlandês, exigindo juridicamente que revelasse o nome do usuário indiscreto.

O fechamento do remailer está causando a maior discussão na comunidade da rede. A existência deste serviço permitiu a milhões de usuários discutir na Usenet, sem medo, temas extremamente delicados, como violência doméstica, criptografia, direitos humanos, liberdade de expressão, de credo, raça e até de preferência sexual. Apesar de o serviço do Julf não ser insubstituível, muitos usuários anônimos já eram conhecidos nos newsgroups por seus códigos, que não poderão ser mantidos caso optem por um novo remailer.

Há poucos meses, Julf foi acusado de, com seu remailer, ser intermediário na transmissão de imagens pornográficas infantis. O setor da polícia de Helsinki especializado em crimes computacionais andou investigando e concluiu que acusação não procede. Há mais de um ano Julf alega ter colocado limitações no anon.penet.fi, impedindo transmissão de imagens. Mas cá entre nós, se um celerado usar UUENCODE numa imagem proibida e picotá-la em dezenas de pedacinhos, como é que o remailer vai segurar?

No momento, Johan Helsingius está participando profissionalmente de um dos grandes projetos de rede em desenvolvimento na Finlândia, o TIVEKE, promovido pelo Ministério das Comunicações daquele país e pelo Forum da Sociedade Informatizada, do Ministério das Finanças. O projeto aborda questões políticas e sociais do uso da Internet e outras redes. Uma das tarefas do Julf neste esforço é coordenar um grupo de trabalho para definir regras diárias de uso da Internet, levando em conta aspectos éticos e de direito civil.

Mas segundo o colega Azeem Azhar <[email protected]>, que falou por telefone com o Julf nos últimos dias, o software do remailer está sendo reescrito. Ao que parece, o Julf é mesmo duro na queda e vai querer botar o remailer rodando novamente. Vamos ver como acaba essa história.

 


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