O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 267 - Escrito em: 1996-10-01 - Publicado em: 1996-10-07


Abaixo o CD-RUM


O que vemos no mundo real? O grande povão vivendo o dia-a-dia na rotina de sobrevivência e uns poucos, conhecedores de certos segredos, vivendo acima da massa. Privilegiados que detêm fama, poder e riqueza graças a informações reservadas a que têm acesso. Não poderíamos esperar que o mundo virtual fugisse à regra. Afinal, quem o engendrou foi gente, humanos como nós. E tudo lá tende a se repetir como cá.

Pensemos no usuário iniciante que, eufórico e doidão com essa onda de Internet. Apesar de nunca antes ter usado um micro, ele resolve comprar sua primeira maquineta, equipada com modem bem ligeiro, só para poder navegar na rede. Com poucos cliques de mouse, ele aciona a discagem automática para seu provedor de acesso e invoca o navegador Web que, por sua vez, já chama automaticamente uma página de bate-papo online. E lá está ele, inebriado, jogando conversa fora em canais de chat e sentindo-se o próprio surfista digital. Mas convém ressaltar que a capacidade do usuário médio é bem maior do que a de meramente bater papinhos. Navegar na World Wide Web, por exemplo, é algo bastante comum, por ser fácil, esteticamente atraente e oferecer vastíssimas possibilidades de exploração e descobertas.

Na própria Web, realidades virtuais estão continuamente em formação, ainda como brincadeira e passatempo, mas sempre cada vez mais sofisticadas e realísticas. Nesses mundos imaginários já se adquire terrenos, constrói-se casas, faz-se compras, caminha-se pelas ruas e pode-se até voar por sobre os gramados gráficos JPEG, tendo ao fundo trilha sonora em RealAudio. Um habitante dessas realidades digitais poderia sentir-se satisfeito para sempre, limitando seus conhecimentos apenas ao saber como entrar em seu mundo ilusório, movimentar-se e atuar nele e depois dar logout, desfazendo a conexão via modem e voltando à Terra.

Mas a estória não pára aí. Como uma cebola, a Internet compõe-se de várias camadas, umas apoiadas sobre as outras, cada qual representando um obstáculo entre os dois opostos -- de um lado as ferragens, intrincados circuitos e chips -- do outro, engenhosos ambientes de software que oferecem ao navegante digital o conforto das interfaces amigáveis. Existem todavia uns poucos indivíduos que conhecem, senão todas, muitas das camadas intermediárias dessa cebola. Sabem para que servem, como funcionam, como interagem e como contribuem para o funcionamento do todo. Na útlima camada, bem perto do usuário final, existem os conhecedores de HTML, Java e ActiveX, linguagens com que se produz as páginas Web que tanto nos fascinam. O habitante mediano de um mundo virtual nem imagina que tanto saber está por trás de seu brinquedinho.

Mas e do outro lado, na primeira camada? Quem manda lá é o engenheiro de sistemas, senhor absoluto do paradeiro dos elétrons que não param de zunir máquina adentro. Mais adiante temos o mago do Unix, monarca de uma das camadas médias da nossa cebola. Conhecido como Unix Wizard, ou por vezes Unix Guru, esse misterioso personagem normalmente desempenha a função de administrador do site. Ou então, atraído pelo lado negro da Força, marca presença atuando como hacker. Em qualquer dos casos, acumula uma quantidade brutal de conhecimentos técnicos, com os quais nem sonha o novato adepto do chat compulsivo. Se o mago veste o manto branco, conhece e corrige as fraquezas do sistema, ergue paredes de fogo contra invasores mal intencionados e dorme agitado suas curtas noites, sonhando em como otimizar a performance de seu site Internet. Ele se bate com roteadores, cabos, links, comutadores e modems e nem sempre leva a melhor. Por outro lado, se o expert habita os antros úmidos e sombrios dos invasores e vândalos digitais, passa seu tempo a bolar formas destrutivas de penetração e semeadura do caos.

O poder que um desses gurus tem na mão é muito maior do que se pensa. Por exemplo, eu mesmo já presenciei um desses cidadãos superpotentes se conectar ao mundo virtual AlphaWorld como o mais insuspeito Avatar e provocar intencionalmente uma falha no software, identificando uma pequena brecha no sistema e nela mergulhando graças a um sem-número de habilidosos macetes. Trouxe ao fim, como troféu, o arquivo de passwords do vulnerável site, devidamente crackeado logo em seguida, revelando segredos de um monte de usuários mortais descuidados que escolheram palavras-chave triviais como senha de acesso.

Por enquanto, os mundos virtuais ainda são apenas brincadeiras grosseiras. Porém, é somente questão de tempo até que se tornem mais e mais parecidos com a realidade. Seus habitantes viverão em modo digital grande parte de seu tempo real. Vão estabelecer vínculos, vão efetuar transações, negócios, fazer pagamentos e trocar confidências.

Como sempre, informação é poder e sempre haverá um Unix Wizard, gigante em seus conhecimentos, alerta mas silencioso, muito poderoso e sabendo mais do que a massa ignara. Nós, mortais de passagem pelo mundo digital que ele domina, ficamos à mercê de suas intenções. Se quer, nos salva e protege. Se preferir, nos destrói.


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