O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 271 - Escrito em: 1996-11-13 - Publicado em: 1996-11-04


Proibido proibir na Internet


Quando se começou a falar em censura na Internet, os ativistas em prol da liberdade total de expressão logo levantaram suas vozes. Gritaram alto na imprensa e na própria rede. Seus argumentos eram até aceitáveis em parte, mas em muitos lugares do planeta eles de nada valem. O que estão censurando de Internet por esse mundão afora, é algo surpreendente. Mas também não era para menos, pois ao invés de aproveitar este formidável veículo para finalidades construtivas, educativas e positivas, alguns celerados estão fazendo da Internet apenas um novo meio para divulgar idéias escabrosas, informações ilegais e material pornográfico de quinta categoria. Nos EUA existem várias organizações que combatem a censura na rede, mas no resto do mundo tais entidades ou não existem ou são demasiado fracas. Com isso, a censura acaba correndo solta e quem sofre no final das contas é o usuário final.

A comissão executiva da União Européia, em Bruxelas, propôs recentemente medidas de curto e longo prazo como resposta ao crescente problema de material nocivo e ilegal disseminado via Internet. O objetivo da comissão não é mudar a Internet -- nem poderia -- mas sim reagir de alguma forma, pois se deixarem a situação sem controle do jeito que está, certamente vai haver encrenca e não vai demorar muito. Os documentos produzidos pela comissão estipulam uma intensa cooperação entre os 15 países membros, promovendo debates e incentivando o uso de software de filtragem e sistemas seletores por parte do usuário final. Será estimulada a adoção de códigos de conduta e princípios de auto-censura entre os provedores de acesso. A magnitude da reação demonstra o quão assustadora está ficando a situação lá no velho mundo. Em 1997, a Alemanha está se preparando para receber representantes do G-7 para um encontro a nível ministerial versando sobre a questão da net-censura.

Em Madrid, a polícia espanhola quebrou no início de outubro uma das maiores redes de distribuição eletrônica de pornografia infantil, prendendo dois estudantes de engenharia na cidade de Vic, lá para os lados de Barcelona, nordeste da Espanha. Pegaram os safados com mais de 4 mil arquivos de imagens e animações cabeludíssimas, que eram vendidas para clientes de fino trato nos EUA, Canada e Austrália, entre outros. Os policiais espanhóis receberam a dica do Departamento de Tesouro dos EUA, cujos investigadores ficaram mais de quatro meses na cola dos delinqüentes. Todavia, em função das leis espanholas, os caras poderão passar no máximo 10 meses no xilindró, no más.

Outra confusão, esta bem mais amena, se deu em Dallas, Texas. Um mancebo de nome Kevin Massey começou a divulgar em mensagens públicas informações pessoais sobre uma certa dona, Thereza Maynard, dizendo que ela andava fazendo isso e aquiloutro com um monte de caras, e que havia feito plástica e outras cirurgias anti-gravitacionais. O desagradável elemento continuou divulgando uma série de outras indiscrições sobre a cidadã e o resultado não poderia ser outro: a mulher se empombou, conclamou o maridão e a coisa começou a feder, tudo via e-mail. Lá pelas tantas o ofensor partiu para a violência verbal e para as ameaças, dizendo em mensagem: "A propósito, também tenho aqui uma pistola ponto 45..." Foi a gota d'água para que o juiz Joe B. Brown emitisse uma ordem temporária impedindo o agressor de transmitir certos tipos de discurso em correio eletrônico. Foi uma iniciativa pioneira a do sr. juiz, como também inovadora foi a forma pela qual a ordem foi emitida: via e-mail. O magistrado proibiu que o tal Kevin transmitisse via Internet "informações embaraçosas privadas concernindo a família Maynard".

No Japão, a coisa também vai tomando novos rumos. Desde o ataque terrorista da seita Aum Shinrikyo, que espalhou gás Sarin no metrô de Tokyo em março de 1995, os ânimos andam meio exaltados. Muitos dos membros da seita se comunicavam eletronicamente entre sí e a coisa meio que fugiu ao controle das autoridades. Há poucas semanas o Ministério da Justiça do Japão anunciou medidas que irão permitir monitorar comunicações via telefone, BBS e Internet. E bastou levantarem a peteca para já começarem a grampear gente. No final de setembro foi a vez do provedor japonês "Urban Ecology" <http://www.urban.or.jp/ub/uin.html>, acusado de contribuir para divulgação de pornografia infantil, através de um de seus usuários.

Em alguns países, a net-censura está ficando bem pesada. É o caso de Burma, onde o regime militar declarou ilegal a posse não autorizada de um computador ligado a qualquer rede. Pega de 7 a 15 anos de cadeia quem for declarado culpado pelo crime de usar um computador para enviar ou receber informações sobre temas de segurança nacional, economia ou cultura nacional. Possuir, usar, importar ou pegar emprestado um modem ou um fax sem a devida autorização também submete o contraventor à mesma pena.

Informação é poder, e quem está com a faca e o queijo na mão vai direto em cima desse tópico na hora de controlar o mais fraco. O ministro de informações da Palestina acusou o governo de Israel de ter instruído a Bezeq, companhia telefônica estatal, a cortar as linhas dos territórios palestinos, como forma de impedir acesso à Internet. Segundo o ministro, a Internet estava sendo usada para informar o mundo sobre atividades ilegais de Israel em Jerusalém. A acusação foi categoricamente negada pela Bezeq, que atribuiu a dificuldades técnicas os problemas que os provedores Internet árabes andaram experimentando em Jerusalém Oriental.

Sobre Cingapura já cansamos de falar aqui. O país está se transformando numa verdadeira malha de fibra ótica. O objetivo do governo é transformar a nação num grande polo de informações digitais. Quando a malha estiver pronta, o acesso à rede mundial de computadores será mil vezes mais rápido do que pela via telefônica convencional. Nessa pequena cidade-país, dos 750 mil lares, cerca de 150 mil já estão online e até 1999, três milhões de pessoas estarão plugadas. Mas com tanta gente assim "no ar", ficou difícil controlar o acesso de todos. A solução encontrada pelo SBA (Singapore Broadcasting Agency) foi instalar "proxy servers" parrudos para filtrar os acessos a Web-sites proibidos. Com isso, a altíssima velocidade de acesso que a rede física permite acabou caindo barbaramente, pois o processo de filtragem pelo proxy é bastante lento.

Mas não se pode dizer que o mundo está perdido. Algumas luzes aparecem aqui e ali, e há esperança de uma liberdade confortável mas controlada. Ótimo exemplo é o dado pela Jordânia que, contrariando a tendência dos governos no Oriente Médio de cercear a livre expressão, abriu um salutar debate público via Internet. Em abril passado, o provedor jordaniano NETS convenceu o primeiro-ministro Abdul Karim al-Kabariti a participar de um forum online chamado "Pergunte ao Governo". Desde então os usuários têm acompanhado de perto os debates e questionado as autoridades sobre políticas convencionais e até sobre questões controvertidas, como corrupção no governo.

Se você manja bem inglês e quer acompanhar a situação da censura no mundo da Internet existe um ótimo resumo, sempre bem atualizado, no site http://www.eff.org/~declan/global. Outro bom site para acompanhar essas lutas no submundo da Internet é o do Computer Underground Digest: http://www.soci.niu.edu/~cudigest.


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