O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 284 - Escrito em: 1997-01-27 - Publicado em: 1997-02-03


Estamos cercados!


Dizem que existe uma psicopatia chamada "mania de perseguição". Eu, como não entendo nada do assunto, pediria à leitora que me dissesse se estou exagerando em me sentir perseguido nesse caso que se deu comigo hoje. Depois duma virada de vários dias ralando firme em cima dum projeto sobre Internet, arranjei um tempo livre de tarde e resolvi ir ao cinema. Entrei no São Luiz para ver "O Preço de um Resgate", com Mel Gibson, um filmaço diga-se de passagem. Pipoca, Mentex e diversão pura, nada de genial nem intelectualóide. Sem entrar muito em detalhe, um guri é seqüestrado e o pai recebe o primeiro comunicado dos delinqüentes num gracioso laptop, aparentemente um Apple. Aliás nunca vi um boot tão rápido. O pai, desesperado com o sumiço do infante, abriu a tampa da máquina, deu uma nervosa dedada no power on e já saiu direto digitando comandos mais rápido que o Rick Wakeman, impressionante. Mas é aí que começa a perseguição a este internetista que ansiava por um descanso: os bandidos anunciam as condições do resgate via e-mail, multimídia em alto estilo. A maquineta abria umas telinhas de correio eletrônico, o pai clicava nas mensagens novas e surgiam diversas fotos do garoto vendado e algemado, com as instruções sendo dadas por uma voz propositalmente distorcida embutida na mensagem. De quebra, havia no bando de facínoras um hacker bebum que sacava tudo de computação e telefonia e conseguia driblar todos os mecanismos de localização da chamada, enfiando-se no núcleo do sistema da própria companhia telefônica. Fiquei meio amuado com essa citação internética, mas tratei de aproveitar o resto do filme.

Na saída, precisei resolver um assunto num prédio próximo. Quando descia, presenciei no elevador o seguinte diálogo entre dois rapazes engravatados, ternos impecáveis, gel nos cabelos, Teletrins e celulares na cinta e lustrosas malas de executivo em punho -- típicos funcionários d'alguma empresa hi-tech da vida. O mais baixinho, com voz esganiçada: "E então, viu o e-mail que te mandei hoje?" e o outro respondeu: "Não, ainda não vi". O baixote disse então: "Ah, então não deixe de dar uma olhada que é coisa urgente". E o outro redargüiu: "OK, deixa comigo". Abriu-se a porta no térreo e os dois se despediram cordialmente, deixando-me de boca aberta com uma terrível questão pendente pairando em meu conturbado cérebro: se era urgente, então porque não falaram ali mesmo, na lata, olho no olho?

Essa mania exagerada de correio eletrônico ainda é às vezes meio incompreensível para mim. Isso vem dos tempos dos BBS, em que todos os freqüentadores sabiam o telefone dos colegas. Mesmo assim era costume o pessoal entrar nos boards para deixar mensagens privadas para uns e outros. Muito mais simples, obviamente, seria bater um fio e tagarelar um pouquinho de viva voz com o elemento.

A essa altura eu já me via meio encurralado pelos bytes, hackers e e-mails que me perseguiam sem piedade, numa tarde que deveria ser de lazer. Contrariado, fui direto para casa e liguei o chuveiro para aplacar o calor vespertino carioca. Quando decido não cantar em altos brados na hora do banho, ligo o FM para encher o ouvido. Sintonizei meio ao léu e fui para baixo dos pingos. No meio do chiado da água, ouvi brotar do rádio uma boa batida e um arranjo bem animado. Era o Gilberto Gil com uma nova canção. Fechei a torneira e ele começou a falar em acessar um site, fazer uma homepage e ler seu e-mail. "Pela Internet" é o nome da música. Em outras circunstâncias teria curtido muito o embalo. Mas tomado pelo susto, deixei cair espuma no olho, derrubei o sabonete, soltei um grunhido, escorreguei e caí sentado no box. Acho que amanhã não vou sair de casa.


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