O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 290 - Escrito em: 1997-03-20 - Publicado em: 1997-03-17


Demora mas chega...


Em recente reunião do Parlamento Europeu, em Bruxelas, o tema foi a tecnologia do futuro. Muitos de nós convivemos com avanços tecnológicos fabulosos, sem lhes dar a devida importância, pois a eles já nos acostumamos. Muitos dos que atualmente desfrutam dessas maravilhas, podem viver uma vida inteira sem precisar se tocar com os "comos" e os "porquês" do funcionamento de um chip, de um termostato, de um ventilador de teto ou do flap duma asa de avião.

Nessa animada reunião na Bélgica, falou-se até em "smart pants", calças compridas que as crianças usarão no futuro, capazes de regular dinamicamente a temperatura de seus corpos em função do ambiente externo. E que tal sapatos computadorizados, com cristais de armazenamento de dados em que a criança seria capaz de fazer downloads de livros inteiros e ir para a escola de mãos abanando? Como arremate, para registrar suas experiências de forma exata, o infante usaria um minúsculo computador junto a seu corpo, seja num cinto ou implantado sob a pele. O objetivo seria gravar tudo que fosse visto ou ouvido por ele durante toda sua vida, alimentando um "log" fidelíssimo que seria usado mais tarde sabe lá como e para quê.

Coisas assim ainda não são possíveis nos dias de hoje, mas muito em breve o serão. O que conhecemos hoje como Internet e que tanto nos fascina, no futuro será lembrado como coisa "pré-histórica", motivo de piadas e de estórias nostálgicas. Adultos e crianças terão acesso quase instantâneo a informações sobre qualquer assunto que lhes interessar, usando equipamentos e sistemas com os quais nem sequer sonhamos.

Seria ingênuo, porém, pensar que todos esses formidáveis avanços estarão disponíveis para toda a humanidade. Isso nunca aconteceu e provavelmente nunca acontecerá. Hoje mesmo, enquanto a leitora pilota seu browser, cheirosa e asseada, tem gente em algum canto do planeta matando lagarto a pedrada e comendo o rango ainda meio crú em alguma caverna fétida.

Mas e os efeitos de todo esse tecno-avanço? Individualmente, será que o ser humano está melhorando de alguma forma? É só dar uma olhadela no perfil médio de quem acompanha com fidelidade uma coluna como essa nossa. Gente afeita à tecnologia, provavelmente ratos de micro, vidrados em Web e apreciadores de badulaques eletrônicos de última geração. Gente que passa horas e horas pendurada nessas máquinas maravilhosas e navegando por essa rede sem fim. Quando dá hangup no modem [o otário do "spell checker" do meu Word encontrou a palavra "hangup", estranhou e sugeriu trocá-la por "angu", bobalhão] e desliga o micro, já no meio da madrugada, está satisfeito porque instalou uma penca de software novo, visitou dúzias de sites, capturou um monte de bookmarks e baixou vários megas de software para testar no dia seguinte. Na hora de deitar, a cabeça ainda está meio zonza com tanta tela, http e link. E lá no fundo, às vezes, fica uma pulga atrás da orelha: afinal prá quê tudo isso? Que benefício traz para você, para os seus e para o resto da humanidade?

Às vezes você consegue sossegar o facho e se pergunta: por acaso ainda sabe fazer conta de cabeça? Memoriza com facilidade nomes, fisionomias, endereços e números de telefone? Escreve a mão? Dá caminhadas? Tem amigos de verdade? Consegue com freqüência ficar quieto sem grande esforço, a sós consigo mesmo e sem precisar de uma distração ou de qualquer lazer que o impeça de baixar a rotação e enfrentar o silêncio interno?

Nessa realidade tecnológica, tudo é rápido, agitado. E mais grave, as coisas se mantêm quase sempre superficiais, boiando na realidade. Não dá tempo para ir fundo em assunto algum, pois logo pinta outro tópico que nos desvia a fátua atenção. Vamos sendo aos poucos destreinados nas artes da persistência, da disciplina e da lentidão saudável. Se bobear o cabra vai ficando cada vez mais parecido com as máquinas que usa.

Segundo algumas correntes de pensamento, representadas por uma gentalha bem esquisitona que freqüenta newsgroups Usenet como o "alt.magick", o futuro do homem é fulgurante e dourado. Evoluirá para tornar-se um ser fantástico, capaz de voar, comunicar-se telepaticamente, erguer rochas com a força da mente, transmutar metais, teleportar-se ao seu bel prazer e outras coisas dignas de Jeannie e Samantha. A evolução se daria então visando cumprir um arquétipo, release final do bicho homem, coisa que será bem real, mas num futuro bastante remoto. Nesse meio tempo, enquanto não atingem esse luminoso esplendor, os homens vão sendo inspirados a inventarem aviões, foguetes, rádio, TV, guindastes, processos químicos, computadores, "smart pants" e penduricalhos similares. É assim que vamos nos acostumando à tal idade de ouro que, segundo dizem, demora mas vai chegar.


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