O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 297 - Escrito em: 1997-04-27 - Publicado em: 1997-05-05


O interneteiro perdido


Um inibido micreiro profissional viciado em Internet finalmente deu-se ao luxo de sair num cruzeiro marítimo rumo ao Caribe. Foi a atitude mais "louca" qua já havia tomado em sua vida. Mas eis que, no meio da viagem, um furacão daqueles bem brabos pegou o naviozão em cheio, primeiro empurrando-o para bem longe das rotas habituais e depois pondo-o a pique como se fosse um brinquedo de criança. Por sorte, de alguma forma, nosso interneteiro, agarrado desesperadamente a uma tábua de bom tamanho, deu um jeito de chegar à costa de uma ilhota deserta e pouco conhecida.

Além de um cenário magnífico, laguinho alimentado por belíssima cascata e bananas e côcos em abundância, a ilha não oferecia mais nada. Ele perdeu todas as esperanças de salvação e limitou-se a ficar horas e horas durante o dia sentado tristonho naquela mesma praia, sob uma imensa palmeira. Certo dia, muitos meses depois, uma lindíssima mulher num barquinho a remo, chegou à praia: "Venho do outro lado da ilha", disse a beldade, "Você também estava naquele navio de cruzeiro?"

"Sim, estava", respondeu o sujeito, "Mas onde foi que você conseguiu esse bote?" Sem hesitar, retrucou a diva: "Bem, esculpí os remos a partir dos galhos de uma árvore, tecí o cavername com fibras reforçadas de folhas de palmeira e fiz a amurada, a quilha e o leme com madeira de eucalipto."

"Mas que ferramentas usou?" indagou o mancebo.

"Há um estrato rochoso aluvial pouco comum, exposto na costa sul da ilha. Descobrí que submetendo essas rochas ao fogo, a uma certa temperatura no forno que construí, o material se derretia produzindo ferro forjável e maleável. Foi assim que produzí as ferramentas. Mas chega disso," disse ela. "Onde foi que você sobreviveu todo esse tempo, não vejo nenhum abrigo por aqui."

"Para ser franco, dormí as noites na praia todo esse tempo", disse o homem, meio avexado. A mulher fez uma doce carinha de dó: "Gostaria de vir até meu abrigo?" e o camarada topou ainda meio cabisbaixo.

Ela remou com destreza em torno da ilhota, levando o rapaz até a sua praia e amarrou o barquinho com um robusto cordame de linho feito a mão, enfeitado com elegantes adornos da melhor arte naval. Andaram por um sinuoso caminho de pedras polidas harmoniosamente pousadas num bem cuidado gramado e por fim chegaram a um aconchegante bangalô pintado de azul e branco.

"Não é muito, mas chamo esse lugar de Lar." Lá dentro, continuou a deusa: "Sente-se aqui, por favor. Aceitaria um drink?" "Não obrigado, mais uma gota de água de côco e eu explodiria." Ao que a dona respondeu de imediato: "Mas não será água de côco, tenho aqui todos os ingredientes para preparar uma Pina Colada para nós."

Tentando a duras penas esconder seu assombro, o interneteiro aceitou a bebida e ambos sentaram-se num confortável sofá de fibras de coqueiro para papear. Depois de alguma conversa mole, a mulher perguntou: "Você sempre usou barba?" "Não," disse o náufrago, "Estive bem barbeado por toda minha vida até que vim parar nessa ilha."

"Ora, não seja por isso. Há um pequeno barbeador que construí, lá dentro do armário do banheiro." Nosso interneteiro já não questionava mais nada, subiu as escadas até o banheiro, lançou mão do engenhoso aparato bem afiado, feito com ossos e conchas, e fez a barba sem problemas. Depois tomou um delicioso banho de chuveiro, sem sequer ousar imaginar como foi que aquela maravilhosa mulher conseguiu levar água quente até o banheiro. Desceu as escadas limpinho e cheiroso, admirando o capricho com que foi feito o corrimão envernizado.

"Hmm, você está ótimo," sorriu a envolvente e sedutora criatura, "Acho que vou lá em cima vestir algo mais confortável." E lá se foi, enquanto o cara permaneceu refestelado, bebericando sua Pina Colada. Pouco depois desceu a mulher, exalando um inebriante perfume de gardenia e trajando alucinante vestido de fibra de cânhamo, que revelava um corpo escultural.

"Diga-me uma coisa," retomou ela, "Estamos ambos aqui há um longo tempo sem companhia. Você entende o que quero dizer. Você não tem se sentido solitário também? Não há algo de que você realmente sente muita, muita falta? Algo que seria ótimo fazer agora, nesse instante!"

"Existe s-sim," gaguejou o pobre homem, olhos arregalados e suor frio escorrendo-lhe pela testa, "Tem algo que tenho sonhado em fazer por tantos meses, mas numa ilha deserta como essa, sozinho, era simplesmente... bem, era impossível."

"Pois bem, não é impossível, não mais", sussurou a mulher, com voz melosa. E o homem, a essa altura ofegante, disse quase sem respirar: "Quer dizer... você então finalmente encontrou algum jeito de podermos LER NOSSO E-MAIL DAQUI!?!"


[ Voltar ]