O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 327 - Escrito em: 1997-11-29 - Publicado em: 1997-12-01


Quem paga o pato?


Vamos supor que você comece a receber em sua casa chamadas telefônicas de gente que ofende sua família com palavreado de baixo calão e faz ameaças. Será que você vai processar a companhia telefônica por isso?

Agora pense num provedor Internet com 22 mil usuários, oferecendo FTP com senha para que qualquer um deles possa atualizar sua homepage pessoal a qualquer instante. Imagine agora que um desses usuários tenha colocado em sua homepage instruções de como construir uma bomba incendiária. Outro usuário, por exemplo, poderia exibir em sua página fotos com pornografia infantil. E agora? Querer responsabilizar um provedor Internet pelo conteúdo das home pages pessoais de seus usuários cadastrados parece no mínimo insano.

Mas foi o que aconteceu na semana passada em Belo Horizonte com um dos maiores e mais sérios provedores Internet do país, o Horizontes Internet <www.horizontes.com.br>. Pelo menos os sócios do Horizontes, Sérgio Creimer e Michel Weinberg, foram suficientemente hábeis e aproveitaram as injustas acusações e a súbita exposição massiva da mídia para faturar ainda mais. Há males que vêm para bem.

Mas o que dá pena é ver um monte de autoridade e gente graúda querendo simplesmente se aproveitar de um episódio apelativo para aparecer na mídia, dando declarações no estilo "prendo e arrebento" e posando de puritanos, quando todos sabemos que por trás estão interesses particulares e a velha busca pelo prestígio.

Tudo isso porque L., um usuário de 15 anos, inscreveu-se no Horizontes Internet e preparou uma home page cheia de games, fotos eróticas e links para diversos outros sites na Web.

Numa das rondas normais pelas listagens de estatísticas, os administradores do sistema perceberam que a tal página do moleque havia recebido mais de 20 mil acessos em um mês. Uau, aí tinha coisa! E tinha mesmo: um link para um outro site cheio de pornografia infantil, localizado no provedor americano <www.geocities.com>.

Acontece que um certo interneteiro viu o site e, bom cidadão que é, ficou revoltado com a baixaria e resolveu botar a boca no trombone. A Justiça do Rio acionou a Justiça mineira que, por seu turno, abriu uma sindicância no Horizontes Internet.

Um mês depois, o circo estava armado e foi o maior fuzuê. Teve até juiz de Direito se aproveitando da balbúrdia para conseguir uma coberturazinha adicional da imprensa, justamente dias antes de uma eleição importante lá na esfera dos magistrados. E nisso quem pagou o pato foi o provedor, que precisou se explicar para Deus e o mundo, depois de ter tido seu nome estampado nas páginas policiais como conivente com as práticas de pornografia infantil. Entrevistas foram ao ar, reportagens escandalosas, teve de tudo, mas sempre usando apenas os famosos "talvez", "poderá ser processado", "eventualmente serão presos" e coisas afins.

O Horizontes Internet retirou todos os links e as páginas do ar assim que recebeu o mandado judicial determinando que assim fosse feito. Mas como explicar para leigos que seu site só exibia um link para outro site nos EUA, que é o verdadeiro local onde residem as tais fotos?

Os responsáveis pelo Horizontes repudiam severamente qualquer uso nefasto de suas facilidades, especialmente em se tratando de material tão vil como esse das fotos pornográficas com crianças. Mas bem sabemos que é impossível fiscalizar as páginas de 22 mil usuários. Assim como é impossível a uma empresa telefônica filtrar todos os palavrões e impropérios ditos ao telefone pelos assinantes. Diante do rolo, tentaram explicar a coisa toda, mas ao notar o semblante das autoridades quando mencionavam termos como FTP, Web e site, perceberam que o mais sábio seria esperar o furacão acalmar. Nesse meio tempo, se forem safos, saberão aproveitar-se da publicidade gratuita.


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