O GLOBO - Informática Etc. -
Carlos Alberto Teixeira
Artigo:
330
- Escrito em:
1997-12-18
-
Publicado em:
1997-12-22
Nadar ao invés de surfar
Joan Duggan tem 81 anos e mora num moderno apartamento nas Midlands, Inglaterra. Moradia perfeitamente normal para uma velhinha independente e lúcida: poltronas confortáveis, aposentos bem decorados e mesa para café exibindo canequinhas de bom gosto. Junto ao conjunto de chá, o pratinho de biscoitos da típica senhora inglesa, incluindo naturalmente os pequenos waffers cor-de-rosa que ninguém com mais de dez anos de idade comeria.
A mais de 7000 km de distância, norte do Alabama, EUA, no bangalô de Novelene Freeman (72) o visitante é saudado com um belo tapete "Welcome", cafezinho pronto para servir, prato com deliciosos biscoitos em ponto de bala e outros quitutes que também permanecem intocados.
Ambas simpáticas senhoras são arquétipos de vovozinhas, cabelos grisalhos, suéteres de lã, um pouco mais fraquinhas do que quando eram jovens, mas estão se virando perfeitamente bem. Nenhuma delas corresponde à imagem que se tem de senhoras idosas e estão ambas impacientes para mostrar algo em outra parte de suas casas. Em um cômodo bem iluminado de sua residência em Staffordshire, Joan aperta alguns botões e senta-se diante de um teclado. Sua mãozinha artrítica segura meio sem jeito o mouse. A tela de seu computador Gateway L1400 se ilumina, o modem apita e chia, e em questão de segundos ela já não é mais apenas Joan Duggan, a velha senhora, mas <[email protected]>, a ciber-vovozinha e cidadã da Internet.
Bem longe dali, no Alabama, Novelene também senta-se diante de seu micro e começa a navegar tão agilmente quanto possível em seu Windows 95, configurado com fonts bem grandões em função de sua vista curta. Ela não está nem aí para o belíssimo visual que se descortina atrás de si em sua janela, as árvores, os esquilos e os passarinhos. Seus dedos tamborilam sobre o teclado, enquanto ela se transforma em seu alter-ego, <[email protected]>, e dá início a uma conversa digitada com sua colega em Staffordshire sobre os assuntos que mais as encantam: reencarnação, literatura, viagens espaciais e Star Trek.
Silenciosamente, uma mensagem de Joan surge na tela de Novelene, segundos após ter sido enviada. "Oi novamente, Novelene. São nove da noite aqui na Inglaterra, ou seja, ainda é de tarde aí no Alabama. Portanto, você poderá ler essa mensagem antes de ir dormir..." Joan prossegue descrevendo os vários problemas de saúde que a vêm atormentando e menciona depois alguns Web sites que encontrou enquanto navegava pela Rede, endereços que ela pensa poderem ser úteis à sua amiga.
Joan e Novelene fazem parte de um grupo crescente de pessoas idosas no mundo inteiro que estão usando a Internet, numa época de suas vidas em que normalmente não se interessariam por modernidades desse tipo. Elas podem até estar trafegando pelas pistas lentas da "information superhighway", mas pelo menos já estão inseridas nesse contexto pioneiro. Da mesma forma que nossas duas simpáticas velhinhas, os internautas da terceira idade provavelmente nunca se encontrarão pessoalmente, nem jamais saberão como se parecem fisicamente. Apesar disso, desfrutam amizades reais e sólidas via Internet.
"Adoro estar na Rede, mudou minha vida totalmente." diz Joan, cujo filho Tony instalou o computador para ela. Não restrita às fronteiras físicas do mundo real, ela tem à sua disposição o planeta inteiro, procurando por gente idosa que, como ela, não está interessada em crochê, culinária nem bordados. O tipo de gente que busca é o pessoal que curte passar noites em claro em chats sobre assuntos de interesse comum.
Graças à Internet, esse universo de gente interessante está acessível ao preço de uma ligação local em horário de pico. Além de Joan, Novelene tem um amigo na Flórida que, assim como ela, trabalhava na NASA. Tem também inúmeros correspondentes via e-mail espalhados pelo mundo inteiro, que compartilham seu interesse sobre as profecias da Bíblia.
Além de Novelene, Joan também papeia com Evelyn, em Carson City, Nevada. Ela tem 73 e acabou de ter "instalado" um marca-passo. Joan também possui diversos outros amigos em locais distantes como Canadá, Escócia e Austrália. Ela descobriu que internautas mais jovens também têm podem ser bons interlocutores via e-mail.
Nas mensagens entre Joan e Evelyn acabaram ventilando assuntos mais íntimos, como uma crise familiar típica dos anos 90. Evelyn contou para sua amiga que seu marido estava prestes a abandoná-la para ir morar com uma mulher da Flórida, que ele havia conhecido via Internet. Ela queria que a Joan enviasse um e-mail para a filha da tal mulher, mas Joan respondeu de pronto: "Prefiro não me envolver nessa confusão." Educada como é, Evelyn nunca mais tocou no assunto.
É muito difícil imaginar os partidários da moda Internet apreciando essa infiltração dos idosos na Rede. De fato, todas as características da Grande Rede sugerem que, não só ela não seria de interesse para gente da terceira idade, como também seria um conceito até repulsivo para qualquer um com mais de 19 anos.
A rede global de computadores apresenta-se como um fenômeno exclusivamente jovem. A linguagem falada na Internet é essencialmente coloquial e informal. Tudo é "cool" e todos estão "plugados". A cultura internética é agressiva, esotérica, rápida e masculina. Os jovens usam a rede para "surfar" pelo globo afora e para contactar outras cabeças internáuticas, fazer amigos, desfazer amizades, flertar e namorar.
Mas para os idosos, o ambiente da Internet é de grande utilidade, pois constitui um meio barato e prático de prover entretenimento caseiro, capaz de mantê-los mentalmente alertas e desfrutando de boa companhia virtual. Ademais, o grupo dos mais velhos tem suficiente vivência e fluência no idioma para manter intensa correspondência exclusivamente por escrito, ao invés de travar conversas via telefone. O fato é que esses internautas com vasta experiência de vida, ao invés de surfaram na Rede, deslocam-se "nadando" calmamente em suas águas. As amizades que se constróem através de e-mail entre velhos são muito mais duradouras que os contatos relâmpago dos jovens, com camaradagens que desaparecem tão rapidamente como surgiram. Uma recente pesquisa de uma revista americana revelou que 15 a 20% dos usuários Internet têm 55 anos ou mais.
O impulso de atrair idosos para a Internet surgiu principalmente nos EUA, onde a SeniorNet organiza cursos para idosos em todo o país. Este grupo de usuários, sediado em São Francisco, arregimenta quase 20 mil membros, além de oferecer recursos e arquivos online cobrindo desde questões de saúde até a Segunda Guerra Mundial.
O provedor America OnLine, disponível também na Inglaterra e outros países Europeus, patrocina um repositório notável de informações sobre memórias de guerra, onde usuários idosos podem participar, relatando suas próprias histórias, com narrativas de eventos passados, incluindo Holocausto, Guerra no Pacífico e os julgamentos de Nuremberg. Outro grande provedor, CompuServe, promove um fórum especializado na vida dos aposentados. Os velhinhos passam horas papeando nesses fóruns, jogando conversa fora sobre os mais diversos assuntos: pechinchas em seguros de automóveis, festas religiosas e conversas sobre jogo de Bridge.
Antes de ir se deitar, Novelene loga-se mais uma vez na Rede para ler as últimas mensagens. Deixa sempre uma notinha para Joan, contando alguma fofoca de família, analisando uma ou outra passagem da Bíblia, ou comentando um episódio específico do seriado Star Trek. Ela sorri e abre seu coração: "Sabe o único arrependimento que tenho na vida?" e continua: "É que eu vejo algo assim tão maravilhoso e excitante, todos esses inacreditáveis avanços tecnológicos no mundo, e chego à conclusão de que nasci cedo demais."
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