O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 364 - Escrito em: 1998-08-13 - Publicado em: 1998-08-17


Liberdade também tem limite

SONY INTERROMPE REMESSA DE HANDYCAM CAPAZ DE FILMAR ALÉM DO PERMITIDO


Nesses tempos em que o pessoal instala câmeras em seus micros tornando acessíveis via Web todos os detalhes de sua intimidade doméstica, ainda existe gente que dá grande valor à privacidade. Um interneteiro australiano de nome James Callan <[email protected]> nos traz a notícia de que a Sony interrompeu as entregas de sua mais moderna linha de câmeras de vídeo, após descobrir que elas poderiam estar sendo usadas para filmar além do que se enxerga normalmente. Visite os sites <www.gadgetguru.com/AX000648.HTML> e <www.sony-europe.com/forum/march_19_25c.html> e descubra o borogodó dessas fascinantes engenhocas. Elas são a última palavra em alta-tecnologia de vídeo ao alcance do usuário final, com SteadyShot (estabilização de imagens), LaserLink (playback sem fio) e o grande pulo-do-gato, o NightShot, ou seja, a capacidade de filmar com zero Lux -- no escuro.

Acontece que quando a facilidade NightShot é utilizada à luz do dia, ou numa sala bem iluminada usando um filtro especial, é possível filmar "através" das roupas das pessoas. Ou seja, dá para ver calcinhas, soutiens e cuecas. No caso de a "vítima" estar usando trajes de banho, é possível filmá-la quase nua. Não é uma beleza, leitora?

A Sony só foi saber desse criativo uso dado ao equipamento quando repórteres começaram a fazer estranhas perguntas sobre 'esse jeito novo de usar a câmera'. Os técnicos da empresa sairam desesperados para pesquisar o fato e concluiram que de fato a câmera tinha esse poder inusitado. Temerosos de que essa interessante "feature" pudesse ser usada por espíritos menos inocentes, a Sony resolveu modificar o produto, fazendo com que a função de NightShot só funcione no escuro. É claro que a primeira coisa que o pessoal vai tentar será tapar com o dedo o sensor de luminosidade para tentar burlar a modificação, mas não sabemos se os técnicos japoneses pensaram nisso.

A versão original da câmera chegou aos mercados americano e europeu em março passado e vendeu feito banana. Já estão entregando a versão modificada, mas a Sony nega que esteja tentando remover do mercado os estoques da versão antiga.


Em recente feijoada em Ipanema, em presença da Cora Rónai e do Paulo Vianna, o arauto da cibercultura, John Barlow, não cansou de contar causo. Viajante experiente pelos quatro cantos do mundo, a meta desse visionário é plugar o quanto antes todos os seres humanos à malha da Internet. Não adianta argumentar que no Brasil precisamos antes de comida, saúde e educação: ele acha mesmo que o mais importante desde já é que todo mundo tenha e-mail e que possa se pendurar na Web. Independente de concordarmos com ele ou não, passamos boas horas ouvindo as histórias do camarada, boa gente, sem a menor dúvida. Numa dessas, John falou sobre o conceito de humor e de como varia a noção do que é ou não é engraçado nas diversas culturas. Ele ressaltou que, por exemplo, o povo japonês tem idéias bem próprias acerca do que é cômico e dificilmente ri de uma piada típica ocidental. Contou que estava ele certa vez proferindo uma palestra no Japão. Era mais um gaijin (estrangeiro) falando aos japoneses sobre as maravilhas do mundo virtual. Já que discursava em inglês, a audiência contava com aqueles fonezinhos de ouvido para tradução simultânea, ou seja, um tradutor experiente ficava ouvindo o que o John dizia e repetia de imediato em japonês para a platéia, atenta e bem concentrada em seus fones.

Empolgado com o tema, John caiu na asneira de apelar para o velho recurso do humor, começando a contar uma piada já velha conhecida sua e que costumava magnetizar ainda mais a assistência, cada vez que ele a contava. Só que, logo depois de começar a anedota, lembrou-se de que estava falando para japoneses e que provavelmente eles não iam achar a menor graça. Sem perder a linha, resolveu arriscar e foi até o final da piada. Qual não foi sua surpresa quando viu a platéia irromper em ruidosa gargalhada, demonstrando de forma cabal que haviam apreciado entusiasticamente a anedota.

Terminada a palestra, John Barlow foi cercado pelos fãs, deu autógrafos e sentiu-se novamente realizado como palestrante. Quando ia saindo da sala, deparou-se com o tradutor, um japonezinho franzino e simpático que saia da cabine acusticamente isolada de tradução simultânea, com um monte de papéis debaixo do braço. John, simpático que é, foi direto cumprimentá-lo pelo seu excelente trabalho. O homúnculo curvou-se gentilmente e disse ao John que, logo que havia percebido que ele estava começando uma piada em seu discurso, imaginou a catástrofe que seria quando ninguém esboçasse qualquer reação ao final da anedota. Para salvar o momento, ele disse o seguinte, em japonês, para a platéia concentrada aos headphones: "Gaijin está contando agora mais uma daquelas piadas sem-graça de americano. Quando eu disser '', por favor, riam com todo o entusiasmo que puderem."


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