O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 371 - Escrito em: 1998-09-30 - Publicado em: 1998-10-05


Vamos a uma festinha amanhã ?

REALIDADES DA VIDA INFORMÁTICA NOS SUBÚRBIOS POBRES DO RIO


Vão entregar nosso computador novo amanhã. Todo o pessoal da rua já está sabendo e vamos dar uma baita festança aqui em casa, com pagode, salgadinho, cerveja e bolo. Estamos esperando umas 30 pessoas para os comes e bebes. Mas o momento é mesmo histórico e precisamos comemorar pra valer.

A cena pode parecer estranha para alguns, mas é bastante comum nos subúrbios pobres do Rio de Janeiro. Longe dali, na Zona Sul, região nobre da cidade, quando um consumidor típico adquire um computador, pede que ele seja entregue sem as caixas de papelão para não dar na vista, nem gerar olho grande por parte dos vizinhos. Nos subúrbios, porém, um computador novo é motivo de comoção na vizinhança. Dificilmente o entregador deixa de ser chamado para o almoço ou para experimentar alguns docinhos com refrigerante. A aglomeração em torno do novo equipamento parece coisa dos tempos em que televisão era novidade. Dezenas de pessoas apinhadas numa sala, hipnotizadas pela magia da tela. Só que agora o centro das atenções é o monitor.

Assustados com a importância dada no mercado aos conhecimentos de informática, muitos chefes de família das camadas de baixo poder aquisitivo estão investindo todas as suas economias em informática, comprando micros sem griffe para poderem se manter atualizados diante dessa tecnologia tão misteriosa. No entanto, o que costuma ocorrer é que estes computadores muitas vezes são subutilizados, às vezes acabando esquecidos num canto, pegando poeira. É freqüente ver um cliente entrando numa revenda do subúrbio com um maço de dinheiro, dizendo: "Amigo, eu tenho R$ 1.500 aqui. O que é que eu consigo comprar de computador com essa grana?"

Em geral, são os filhos que realmente desfrutam destes maravilhosos presentes. Com a mente novinha e mais capaz de absorver quantidades brutais de informação, crianças e jovens têm maior facilidade ao entrar para o mundo da informática. Mas mesmo assim, em função do baixo nível cultural e da dificuldade com o inglês, o que mais se vê nesses computadores adquiridos pelo pessoal mais necessitado é gente inadvertidamente detonando pedaços do sistema operacional e reformatando o disco rígido sem querer. Em suma, nas áreas periféricas das grandes cidades ainda há quem compre computador sem ter a menor idéia de para que ele serve.

Contribuiu bastante para isso a novela "Explode coração", da Rede Globo, primeira a levar ao grande público noções e exemplos práticos de uso de computadores pessoais - em especial os fascinantes diálogos travados via Rede. Depois dessa novela houve um aumento colossal do número de usuários Internet no país inteiro. De fato, muitas das compras de hardware feitas inteiramente no escuro são motivadas pela ânsia obsessiva de se fazer parte desse mundo enigmático de que tanto se fala atualmente, tanto na TV, como no rádio e em jornais e revistas. Não raro um cliente mal informado entra numa loja e diz querer comprar três Internets: uma para si, outra para a esposa e mais outra para o filho. Infelizmente alguns revendedores inescrupulosos se aproveitam da ingenuidade dessa camada desinformada e cometem barbaridades, tipo vender placa fax/modem, mesmo sabendo que o cliente mora numa favela e não possui linha telefônica.

Por sorte, alguns empresários mais conscientes estão atentos para essa carência de informações e estão se movimentando no sentido de encontrar meios de fácil acesso através dos quais essa comunidade de novatos possa dar os primeiros passos no mundo dos computadores sem precisar cair nas garras de aproveitadores ou salafrários. Fique a leitora atenta para esta coluna, pois em breve será anunciada uma louvável iniciativa que visa justamente a lançar luz sobre as trevas.

O preço do software é outro obstáculo. Impossibilitado de adquirir legalmente os programas básicos, o usuário de baixo poder aquisitivo acaba apelando para alguma das centenas de empresas que entregam a domicílio CD-ROMs cheios de software pirata, que podem ser comprados até via Web ou e-mail.

Seja como for, o mercado de hardware focado no público de baixa renda dos subúrbios cariocas está literalmente explodindo. Enquanto nas áreas nobres o usuário típico só quer saber de máquinas IBM, Compaq, HP e outras marcas famosas, o fuçador da favela está pouco se lixando para etiquetas e se contenta com um computadorzinho sem marca e de fabricante pouco famoso. Num levantamento preliminar, estima-se que as vendas de hardware básico para as camadas mais baixas seja até seis vezes maior do que as vendas para os mauricinhos e patricinhas da Zona Sul. E tem mais: usuários pobres dão menos calote, passam menos cheques sem fundos e são mais fáceis de se lidar em casos de eventuais problemas que exijam atenção das áreas de suporte.

Quem não apostar no potencial do povão na revolução informática vai estar marcando touca.


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