O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 379 - Escrito em: 1998-11-24 - Publicado em: 1998-11-30


Judith e o triturador assassino


Os perigos de interromper seu banho para atender a um chamado

Eu sei e a leitora também sabe que assinar mailing lists via rede só faz encher nossa caixa postal de coisas que nem sempre são interessantes. Mas mesmo assim a gente insiste. Já lhes falei duma lista que assino, a "Urban Legends" (lendas urbanas) <www.snopes.com/info/maillist.htm>, só para ler de vez em quando, em momentos de lazer. Nela, o próprio administrador, o Sr. Snopes <[email protected]>, postou o relato de um internauta que não foi trabalhar certo dia, pois estava em casa com problemas de saúde. O próprio adoentado colega assume a narrativa:

"Ligar para o trabalho estando acamado em casa sempre me é algo desconfortável, pois não importa o quão verdadeira seja minha enfermidade, sempre tenho a impressão de que meu chefe vai achar que estou mentindo. Certa feita, tinha eu razões válidas para faltar ao trabalho, mas optei mesmo por mentir, pois a verdade era por demais humilhante para ser revelada.

Apenas mencionei ao telefone que estava com um machucado sério na cabeça e que esperava já estar em forma no dia seguinte. Até então, eu já teria pensado numa boa explicação para as ataduras que me adornavam o côco.

Tudo começou quando acionei o programa de mail para baixar minhas mensagens do dia anterior. Como são geralmente mais de trezentos mails por dia, achei que durante o download eu poderia seguir a rotina diária das abluções matinais. Estava eu lá, portanto, tomando banho enquanto recebia as mensagens, quando minha esposa me gritou lá da cozinha: 'Amor, o triturador de lixo parou de novo! Vem cá dar um jeitinho por favor'. Eu respondi: 'Você sabe onde é o botãozinho do reset, é só apertar!'

Mas ela argumentou como sempre o fazia, dizendo que estava assustada. Havia enfiado algo mais duro pelo ralo da pia e encrencado o triturador. Depois achava que, na hora de resetar a engenhoca, o aparelho poderia se ligar sozinho e sugá-la para dentro de suas lâminas assassinas. Não adiantava contra-argumentar explicando que um triturador nunca se ligaria sozinho. Ela adorava filmes de terror e era provavelmente de lá que tirava essas idéias estapafúrdias de eletrodomésticos que assumem vida própria. Portanto não tinha eu outra saída senão atendê-la pois, caso um poltergeist se apossasse do triturador no exato momento em que ela estivesse com a mão perto do botão, e ela fosse de fato chupada pela máquina e triturada em mil pedaços, eu teria que viver com essa culpa na consciência pelo resto da vida.

Então lá fui eu, escorregando boxe afora, pingando a casa inteira, já preparando um discurso enfático sobre como o comportamento covarde de minha esposa iria ter conseqüências. Mas mal sabia que eu mesmo é que iria sofrer.

Ajoelhei-me pelado diante da pia da cozinha e enfiei a cabeça por dentro do armário onde ficava o triturador, com a orelha bem rente ao chão e o olhar em busca do famigerado botão de reset. Foi a última coisa de que me lembro. Atacou-me sem aviso prévio, sem o menor respeito pela minha posição, nem pelas circunstâncias. Não, não era o triturador de lixo defeituoso, arrastando-me impiedoso para dentro de sua aterrorizante câmara dilaceradora. Era sim, a Judith, nossa gatinha nova, pendurando-se com suas garras afiadas no curioso objeto bojudo que ela divisou pendurado entre minhas pernas.

A odiosa criatura havia se posicionado atrás do canto da cozinha e lançou seu impiedoso ataque tão logo me viu indefeso com a cara dentro do armário da pia. Precisamente no instante em que eu estava mais vulnerável, ela avançou contra o brinquedinho que eu inadvertidamente lhe oferecia, agarrando-o com suas unhas de agulha.

A leitora sabe muito bem que, quando um homem sente dor ou mesmo pressente perigo junto a suas áreas masculinas, ele perde todo o controle de seus movimentos corporais. Instintivamente, seus nervos compelem o corpo a se contorcer, ao mesmo tempo em que fazem com que se levante a grande velocidade.

Nem mesmo um monge Shaolin poderia calmamente manter-se controlado com um bichano pendurado com seu pleno peso naquele ponto tão sensível de seu corpo. E, por fim, no violento movimento de subida que iniciei, lá estava a pia no meio da trajetória, impedindo minha ascenção. Tudo ficou escuro.

Quando acordei, minha esposa e os paramédicos estavam sobre mim. Tendo sido informados em detalhe do acontecido, os paramédicos se mostraram verdadeiros heróis, tentando conduzir seu nobre trabalho sem cairem em estrepitosa gargalhada.

Já no escritório, meus colegas tentaram arrancar uma explicação convincente de mim no dia seguinte. Mantive-me calmo, dizendo que falar me causava dor. Um deles perguntou: 'Que foi? O gato comeu sua língua?' -- Ah, se ele soubesse."


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