O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 404 - Escrito em: 1999-05-16 - Publicado em: 1999-05-24


Criança, larga dessa máquina!


O papel da informática na educação, a rosa e seus espinhos

Se a leitora já andou matutando sobre o impacto dos computadores no aprendizado das crianças, permita-me sugerir uma visita à Amazon Books <www.amazon.com>, digitando o número 0684831368 lá no campo "Keyword Search" e clicando no "Go". Seu browser vai cuspir informações sobre o excelente livro "Failure to Connect: How Computers Affect Our Children's Minds--for Better and Worse", de Jane Healy, cujo título traduzido seria: "Falha ao Conectar: Como os Computadores Afetam as Mentes de Nossas Crianças -- para Melhor ou para Pior". Se for afiada no inglês, vale a pena mandar vir o bicho pelo correio. Não encontrei versão em português, uma pena. Particularmente, adoraria traduzir esse tesouro. Alou, editoras, quem quer?

Apesar de ser vidrada em informática, a autora trata a questão de forma bem equilibrada, sem omitir, por exemplo, os preciosos resultados obtidos com crianças deficientes através do uso de computadores. Mas seu espírito crítico é bem aguçado, fazendo com que, em seu livro, ela aponte de forma inteligente e gritante os perigos e as distorções que essa poderosa ferramenta digital pode introduzir na cachola de nossos pequenos. Ela denuncia, entre outras coisas, o precipitado e multibilionário apoio governamental americano à iniciativa de se ter um computador em cada sala de aula, quando nunca se provou que a informática educacional proporcione qualquer melhoria expressiva no rendimento dos alunos. (Eu sei, eu sei, leitora. Essa coisa de "um computador em cada sala de aula" já ouvimos até de nossos governantes, como solução para o sistema educacional brasileiro. Decerto eles copiaram a gente.)

O livro apresenta evidências de sobra de que os computadores podem levar a criança a se desconectar emocionalmente, intelectualmente e até socialmente do mundo real. Problemas de visão e falta de exercício físico são apenas os mais óbvios que se apresentam. Jane Healy, além de prover dicas práticas de alto valor para pais e responsáveis, mostra direitinho o caminho das pedras para se obter o máximo da informática no ensino. O uso da máquina deve ser continuamente monitorado pelo professor, que direciona as pesquisas de forma responsável e produtiva. Cada sessão de micro é precedida de aulas "analógicas", de preferência com experimentos no mundo real, em que as crianças ponham a mão na massa, de modo que jamais a realidade virtual possa substituir a experiência legítima ao vivo.

Seguem alguns trechos e fatos marcantes apontados no livro, só para dar água na boca. Um pai comprou um computador top de linha para seu filhinho de três anos, mas o pirralho só queria mesmo brincar com a caixa de papelão colorida em que veio o sistema. Uma pesquisa feita entre pais, professores e líderes em vários campos de atividade ofereceu um leque de 16 características louváveis numa criança. Em terceiro lugar, figurava "habilidade em informática e em tecnologia multimídia", muito acima de outros como "noções práticas de cidadania" e "curiosidade e sede de aprender". Dentre os pesquisados, ter familiaridade com computadores mostrou-se mais importante do que possuir valores como honestidade e tolerância.

Um guri de oito anos afirmava que computadores podem pensar, pois são capazes de processar toneladas de dados, e são mais espertos do que os humanos, porque dizem sempre as respostas corretas. Perguntadas sobre em quem confiam mais, se em seus mais ou em computadores, adivinhem a resposta da maioria das crianças: computadores. Mas, para surpresa de todos, quando lhes ofereciam uma lista das atividades de que mais gostavam, o item "passar tempo junto com os pais" era quase sempre o mais escolhido.

Analisando o modo de agir de muitas crianças diante de software educacional e joguinhos, professores concluiram que elas não param para pensar, não analisam os problemas com que se deparam, não lêem as poucas linhas de texto explicativo simples e didático e se lançam loucamente na ação, na base do chute, tentativa e erro. Se não funciona, é só dar um reboot, começar novamente, ou então mudar de programa como se troca de canal na TV.

Segundo esses mesmos educadores, se as crianças se desenvolverem apenas com o que é bombardeado para dentro delas pelos computadores, pela Internet e pela TV, sem a vivência real, lenta e humana que tiveram nossos pais e avós, teremos no futuro apenas tristes cascas vazias de nossas próprias ambições. Alguns argumentam que crianças que usam a máquina, em pouco tempo adquirem fantástica velocidade de leitura. Mas esquecem-se de que leitura é muito mais do que mera prática mecânica, tem haver com atitudes mentais como concentração sustentada e prolongada, apuro de linguagem, versatilidade de imagens e estratégias de questionamento. Um pimpolho pode até ler mais rápido depois de usar computadores, mas pesquisas demonstraram 50% de perda em criatividade, no caso dos informatas mirins.

Os padrões de consumismo e materialismo inculcados na criança digital e televisiva de hoje, podem ser a explicação dos resultados de uma outra pesquisa feita com 350 mil jovens americanos, que escolheram como objetivo de vida "estar muito bem financeiramente". Em décadas passadas, aspirações do tipo "desenvolver uma filosofia significativa de vida" eram as mais comuns entre os jovens.

Para finalizar, um trecho em que a autora destaca as sábias palavras de um editor da revista Forbes: "No final das contas, serão os pobres que estarão acorrentados ao computador. Os ricos terão professores."


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