O GLOBO -
Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 412 - Escrito em: 1999-07-14 -
Publicado em: 1999-07-19
De olho no Brasil
Grandes portais da Internet fincam suas bandeiras em nosso mercado
Lá fora, o pontapé inicial do jogo de grana na Rede foi dado, sem querer, pelo casal de advogados sócios do escritório jurídico Canter & Siegel, que teve o desplante de postar em newsgroups da Usenet um anúncio de seus serviços profissionais, nos tempos em que dinheiro na Rede era tabu. Levaram bordoada de tudo quanto foi lado, em especial dos românticos e acadêmicos que defendiam a imaculabilidade da Internet no tocante ao vil metal. Hematomas à parte, no final das contas o casalzinho fez História, faturou horrores e abriu a porta para essa tendência irreversível, ora flagrante, de comercialização via Internet.
Aqui no Brasil, comecou-se a falar em comércio na Rede nos idos de 1995, quando surgiram os primeiros provedores de acesso. Nessa ocasião, a cobertura na mídia foi se tornando cada vez mais maciça. Até nas novelas já se estava despertando o interesse do cidadão pelas coisas da Web. Olhando agora, de longe, foi um grande trabalho de catequese, muito bem feito. O primeiro passo foi aguçar a curiosidade da galera sobre que magia havia por trás dessa tal misteriosa Internet. Em paralelo, poderosas forças atuando nos lugares certos aprovaram a Lei do Software. Logo em seguida, foi espalhada a noção de que aqueles que não estivessem plugados à malha digital seriam considerados analfabetos tecnológicos e, conseqüentemente, perderiam uma chance maravilhosa de serem felizes. A Internet resolveria todos os nossos problemas, desde unha encravada até paixões mal resolvidas.
Pegando umas fotos antigas aqui no baú, numa cena de multidão aglomerada no Centro do Rio na década de 20, não havia um só sujeito sem chapéu. Quem não estivesse de cabeça coberta era desqualificado e ai daquele indivíduo que ousasse quebrar a voga. Vá ao Centro hoje e procure chapéus. A moda se foi. Por outro lado, lavava-se roupa na mão, molhando a barriga no tanque. Surgiu a máquina de lavar e foi só moda durante um tempo, sim. Contudo, estas máquinas estão ai até hoje e vão continuar sacolejando nas áreas de serviço por muitas décadas ainda, pois provaram que são realmente úteis e, de fato, nos fazem mais felizes. Quanto à Internet, não se pode dizer ao certo se sua felicidade aumentará ou não apenas por nela navegar, mas é bem provável que, se você ainda não dispõe de uma portinhola de acesso a ela em sua casa, é só questão de tempo até que tenha uma.
Na América Latina como um todo, este espantoso crescimento da Internet se dá cerca de dois anos após o estouro original que abrangeu EUA, Japão, e Europa Ocidental. O mercado da Rede em língua espanhola e portuguesa é no momento um dos que mais cresce no mundo. O Brasil, por suas características, vem se tornando o campo de batalha ideal para essa renhida briga de foices, em que pelejam os brutamontes de sempre: Microsoft, StarMedia, Yahoo, America Online, Psinet, Telefónica e outros. Estas companhias vão dando seus primeiros passinhos aqui, através da compra de grandes provedores nacionais. O ritmo dessas aquisições vem se intensificando bastante ultimamente. Segundo a IDC (International Data Corporation), no ano passado o número de usuários da Rede no Brasil cresceu 130%, fazendo de nosso país o mais bem plugado na América Latina, com cerca de metade dos 6 milhões de usuários em toda a região. A despeito da economia meio capenga e do abismo entre ricos e pobres, os especialistas na indústria prevêem que o número de internautas brasileiros aumente de 60 a 100% nos próximos três anos.
Muito se falava no tal gigante deitado eternamente em berço esplêndido, mas finalmente se percebeu que o miudinho já se sentou e está levantando. A gringalhada ficou esperta antes de nós mesmos e está pulando de cabeça dentro desse nosso saco de gatos. O Brasil é inegavelmente uma prioridade de mercado para os tubarões mundiais que dominam os portais de acesso à Internet. Com uma área física de dimensões continentais, moeda única e mesma língua, nosso país é um prato cheio para as ambições expansionistas das grandes corporações da Rede. Pouca diferença faz se são cerca de 165 milhões de almas que, muitas vezes, nem bem têm o que comer e ainda gravitam em órbitas de insalubridade, fraca educação, debilidade cultural e de caráter. O que importa é que poderão, de algum jeito, se plugar e ainda não o fizeram. Portanto, urge tacar PC's plugáveis baratinhos goela adentro desse povão lindo e conectar toda a cafangada. Motivados também pelo desejo de que os dólares multinacionais não pousem em outras paragens, nossos governos cucarachas promovem incentivos que, juntamente com as forças irresistíveis do mercado, forçam baixas significativas de preços de serviços e tarifas, popularizando o acesso.
No entanto, não pense a leitora que isso necessariamente será de todo mau para nossos conterrâneos. Alguns estudiosos profetizam que esse louco frenesi da Internet, mesmo que seja aos trancos e barrancos, vai acabar por expandir a consciência das massas, abrindo mentes, olhos e ouvidos da nossa gente toda. E na hora que o pessoal despertar para seus verdadeiros valores e potenciais, sai da frente primeiro mundo. E mais adiante, quando olharmos de volta para esse período incerto, elétrico e trepidante de agora, veremos a simbólica imagem da serpente mordendo a própria cauda.
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