O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 416 - Escrito em: 1999-08-13 - Publicado em: 1999-08-16


O amor é cego


Fumegante encontro em sala de chat faz nascer paixão incontrolável

Quem faz aniversário hoje sou eu e, como presente, quero apenas que a leitora leia o relato que se segue com toda calma. Certa jovem universitária que prefere manter-se incógnita, a quem chamaremos de Jill, estava cursando a faculdade de Ciência de Computação numa universidade nos EUA. Para quem conhece a vida universitária americana, o dia a dia de um estudante consiste de um pouco de estudo e de *muita* festança e gandaia. O caso de Jill não era diferente, sempre correndo atrás de suas obrigações acadêmicas, mas com as antenas ligadonas na vida selvagem que curtia com sua turma de amigos e conhecidos.

Mas não se podia falar mal de Jill, que era uma verdadeira fera em computação. Não era sem esforço que conseguia brilhar em sua área de estudos. Quando não estava se divertindo, enfiava a cara prá valer nos trabalhos e ralava pesado projetando programas, escrevendo código e instalando software. Certa feita, poucos dias depois de ter rompido com um namorado muito querido, estava a nossa Jill em casa numa sexta à noite. Era a primeira vez em três anos que se via livre nesse dia sagrado da semana, pois normalmente estaria com o namorado. Era de se esperar que se sentisse no maior baixo-astral, tristinha e deprimida. Para encher o tempo e afastar o fantasma da saudade, decidiu fazer uma nova home page e pôs mãos à obra. Lá pelas tantas, depois de algumas horas de links e tabelas, cansou-se daquilo e pensou em dar uma entrada em alguma sala de chat para relaxar um pouco. Sendo uma menina fogosa e ainda curtindo aquela dor de cotovelo, optou por um chat de sexo e começou a brincar com quem estava online. Foi ali que tudo começou.

Jill conheceu um camarada no chat chamado Mike. Claro que não era o nome verdadeiro dele. Obviamente ela também não havia dado seu nome real: optou por se chamar "Nancy". Começaram os dois a brincar com aquele jogo excitante de duas pessoas que fantasiam tudo uma sobre a outra, entrando em minuciosos detalhes sobre o que fariam se estivessem juntos em algum lugar sossegado, à meia luz. É totalmente desnecessário contar para a querida leitora sobre o quão alto podem voar duas pessoas envolvidas em aventuras em chats desse tipo. É o que se chama ciber-sexo e, se os parceiros virtuais forem suficientemente hábeis no manejo do teclado e conseguirem se soltar razoavelmente na linguagem escrita, o resultado pode ser incrivelmente prazeroso.

A coisa pegou fogo, foi tudo bem e alguns minutos mais tarde estavam se despedindo, concordando em se encontrarem no dia seguinte. Chegou a noite de sábado e lá estavam eles, provocando-se novamente na sala de chat. Aproximaram-se ainda mais nessa segunda tentativa, aquilo estava ficando cada vez melhor. Os encontros virtuais foram se repetindo e acabaram papeando online a semana toda, sempre terminando a conversa com erupções vulcânicas, terremotos e tornados. Na outra segunda-feira, o colóquio se desviou para assuntos mais íntimos, desta vez aproximando-os como pessoas, fazendo com que compartilhassem questões particulares e sentimentos. Os dois sentiam suas almas cada vez mais próximas, suas vidas se entrelaçando e a relação se tornando mais intensa e complexa. Jill não queria revelar que era uma universitária em início de curso, pois temia que Mike a achasse demasiado imatura. Sentiu-se meio culpada, mas superou essa fase, passando a gostar cada vez mais do Mike, que parecia um cara fascinante, vivido e muito agradável. Os e-mails que trocavam eram longos, apaixonados e inflamáveis.

A troca de energias prolongou-se por meses, até que comemoraram um ano desde o primeiro chat. Já haviam contado seus pensamentos mais secretos e, mesmo assim, nunca trocaram fotos nem tiveram coragem de falar ao telefone -- ambos morriam de medo de destruir o mágico clima de mistério. Haviam feito tudo que era sexualmente possível através da Internet, mas não sem um profundo afeto. Era natural que passassem a ansiar por um encontro físico, no mundo real.

Num belo dia, os dois, sincronizados que estavam, decidiram que era hora de se conhecerem ao vivo e a cores. Estavam se amando e não se importavam com idade, aparência física, nem com coisa nenhuma. Queriam apenas um ao outro, loucamente. Mike disse a Jill que ela poderia até ser sua próxima esposa. Ela ficou meio assustada a princípio. E se ele fosse velho? E se fosse feio? Ora, que se dane. Ela o amava e isso bastava. Era o único cara com quem se sentia confortável. Planejaram então uma viagem para uma cidade do interior, onde passariam um fim-de-semana juntos. Ia ser o máximo! Imagine a leitora o friozinho na barriga que os dois sentiam só em pensar no encontro.

Jill não queria o trabalho de ter que reconhecer o Mike, portanto pediu a ele que agitasse um aposento num hotel e eles se encontrariam direto no quarto. Não tinha erro. Mike topou no ato.

No dia aprazado, a nervosa Jill chegou, apresentou-se como Nancy à recepcionista e foi se instalar no quarto que havia sido reservado pelo Mike, pedindo que a atendente ficasse com a chave, pois ele iria chegar em alguns minutos. Entrou no quarto, inspecionou as instalações e pôs-se a preparar um ambiente romântico e especial para a ocasião. Acendeu velas perfumadas, ligou um som gostoso, tirou a roupa e meteu-se sob os lençóis para fazer uma surpresa para o seu amado. Ele ainda demorou um pouco, mas por fim apareceu. Meteu a chave na porta com cuidado e chamou sussurrando: "Nancy!" Jill, emocionada ao ouvir seu pseudônimo de chat, respondeu também sussurrando, quase sem ar: "Mike, estou aqui", sua voz rasgando a romântica penumbra e atingindo seu adorado como uma lança de paixão. Mike apalpou a parede junto à porta em busca do interruptor, acendeu a luz e viu Jill nua sobre a cama. A próxima coisa que se ouviu naquele hotel de beira de estrada foram dois gritos lancinantes, um grosso e outro esganiçado. Berros insanos e quase aterrorizantes. Jill cobriu-se imediatamente e com sua voz mais humilhada, disse ofegante e pasma: "Papaai!"


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