O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 417 - Escrito em: 1999-08-19 - Publicado em: 1999-08-23


Agruras do mundo online


Não pense que o Brasil é pré-histórico em coisas da Rede.
Tem lugares muito piores.

Nicole Volpe, da Reuters, num ótimo artigo publicado semana passada na Web, aponta o crescente abismo entre os plugados e os não-plugados. Esperava-se que a Internet pudesse ultrapassar fronteiras e interligar estreitamente as diversas culturas mundiais, de certa forma encolhendo o planeta. Mas na verdade, os países do Terceiro Mundo ainda encaram desafios prioritários, como a pobreza, o analfabetismo, problemas políticos, de saúde, educação e uma terrível carência de meios de telecomunicação, em especial linhas telefônicas. Mas mesmo com toda essa criatividade para cavar jeitinhos de marcar presença na rede, a distância que separa os países online dos offline tem aumentado a cada dia.

De acordo com as Nações Unidas, apenas 3 por cento da população mundial está ligada à Rede. A idéia de que a Web fosse uma teia global (World Wide Web) está muito longe de ser verdade. Por enquanto, ainda é apenas uma rede dourada conectando as classes globais mais privilegiadas.

A imprensa mundial cobre pouquíssimo os esforços titânicos feitos por empresas, governos ou heróis tecnológicos do Terceiro Mundo. O Haiti é um exemplo, uma das nações mais pobres do hemisfério ocidental, com menos de uma linha telefônica para cada 100 habitantes. Luz elétrica só mesmo nas áreas urbanas e apenas durante uma poucas horas do dia. Só agora, no início de agosto, é que foi inaugurado o primeiro site escrito no idioma local, o creole. O escritório onde roda o site fica na capital, Port-au-Prince, mas o servidor roda com energia solar e baterias. Visite este heróico site tocado por Patrice Talleyrand, em <http://ht.orientation.com>. Siga a fonética do francês, se quiser entender alguma coisa.

Mas o grande desafio não é apenas fincar a bandeira de um país na Web, criando o primeiro site. Brabo mesmo é prover acesso nacional em países com péssima infraestrutura. No próprio Haiti, a companhia telefônica local encara os provedores Internet como competidores e insiste em cortar suas linhas. A saída do pessoal de lá tem sido apelar para as comunicações sem-fio, usando radio-modems para se ligarem aos provedores de serviço.

A opção da radiotransmissão tem sido também a solução em vários países da África, onde existem 14 milhões de linhas telefônicas e apenas 1,5 milhões de usuários online, de acordo com dados do FreedomForum <www.freedomforum.org>.

Na cidade de Goma, na República do Congo, os usuários enviam e-mail de seus computadores pessoais através de modems de rádio em alta-freqüência, conectando-se ao BushNet, um provedor baseado na cidade de Kampala, no país vizinho, Uganda.

Apesar de todo esse brutal atraso tecnológico, mesmo as lideranças políticas conhecem o caráter elitista da Rede e direcionam seus esforços eleitorais sobre essa camada de privilegiados. No início deste ano, os dois principais candidatos à presidência da Nigéria lançaram seus sites eleitorais na Web, mesmo sabendo que existem apenas mil usuários Internet no país.

Outras nações ainda impõem restrições ainda mais duras à Internet, censurando o que pode ser acessado e enviado, como a China, Arábia Saudita e Cingapura. Este último andou usando a Internet de forma até bem inteligente, contando com ela para realizar parte do censo nacional do ano 2000. Espera-se que 40 mil lares em Cingapura preencham os formulários via Web, economizando quase US$ 30 milhões em custos administrativos.

Linha dura mesmo é a do governo da Síria, onde é totalmente proibido o acesso à Internet. Os corajosos que se decidirem a furar o bloqueio apelam para chamadas internacionais para os provedores Internet de Beirute, no Líbano.

Por sorte, graças à forma com que foi concebida, a Internet sempre dá um jeitinho de chegar até lugares remotos, mesmo que à custa de boa grana e macetes tecnológicos. Há dez anos a grande rede já vinha sendo usada pelos estudantes e militantes pró-democracia em Beijing, para difundir suas idéias e seu movimento. Em 1991, um golpe de estado contra o grande Mikhail Gorbachev foi em parte sufocado pelos esforços de internautas indômitos. Hoje em dia, até os palestinos estão tirando proveito da Rede, tendo aberto seu primeiro site agora em julho passado. O pessoal vivendo em Dheisheh agora pode papear via e-mail com a rapaziada da faixa de Gaza ou com os vizinhos do Líbano.

Países realmente na pindaíba, com terríveis problemas de abastecimento de água e comida, têm usado a Internet para disseminar informações vitais sobre cultivo e saúde, em conjunto com outros meios de comunicação. Há três anos, na Bolívia, fazendeiros vêm levando suas dúvidas sobre técnicas de plantio e combate às secas aos correspondentes locais de rádios. As estações entram em contato via e-mail com os oficiais do governo em La Paz, recebem as respostas do técnicos e divulgam as soluções pelos programas que vão ao ar com essa finalidade específica.

Se a leitora quiser conhecer uma outra notável iniciativa similar, vá ao site da HealthNet <www.healthnet.org>, um serviço de saúde na rede, disponível em mais de 30 países pobres, 22 dos quais na África. Eles usam redes de computadores baseadas em rádio e usando um satélite de baixa-órbita. Certamente é mais lento do que a Internet, mas também é mais barato e acessível em áreas desprovidas de infraestrutura.

É estranho que em alguns lugares do Terceiro Mundo existam caixas eletrônicos de bancos e até acesso à rede via cable modem, quando ao mesmo tempo outras regiões desses países não têm estradas, eletricidade, nem água potável. Esses contrastes têm sido tema de acaloradas discussões em inflamados newsgroups onde a questão é se estes países até não poderiam prescindir da própria Internet. Muitos acreditam que sim.


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