O GLOBO -
Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 438 - Escrito em: 2000-01-12 -
Publicado em: 2000-01-17
Relaxe e aproveite
Livre de regras rígidas é mais fácil se fazer entender
Li outro dia um email em que o cara se despedia assim: "OK, já mudei meu nick no IRC. Mas agora dá licença pois eu tô online e vou fechar o browser pra dar um login via telnet e plotar um draft com font Truetype. Tô fazendo o design de um novo joystick e só falta fazer o render de alguns frames da animação de demo. Mas fiquei sem slot livre na máquina, meu job no mainframe entrou em loop, deu abend e o hub quebrou, que azar. Estou atrasado pois ainda não photoshopei as fotos que scaneei do modelo. Ah, achei aquele crack do software que controla o mouse e o clock da CPU e já fiz o download do patch, mas precisei deletar uns registros e apendar outros ao final do arquivo. Estou tentado medir o tempo de seek do hard disk, mas tô com alguma trilha ferrada no HD e precisei dar um reboot no micro, porque tem bug em algum driver e vou precisar printar um dump do cache. Como é chato debugar firmware, você não acha?"
É óbvio que daria para traduzir tudo isso, mas para esse camarada, que tem bytes correndo nas veias, seria pura perda de tempo. Ele não está preocupado se Machado de Assis daria ou não um salto mortal tríplice na tumba se lesse um trecho assim. Ele está se comunicando com alguém que o entende. Certamente, ao escrevermos para um público não necessariamente técnico, não podemos exagerar como fez o cidadão acima. Mas é preciso que sejamos pelo menos um pouco flexíveis. Portanto, sobre a tradução ou não, seja correta ou incorreta, de termos informáticos, internéticos ou tecnológicos, não pretendo comentar nada mais, a não ser o que se segue.
Não se dança xaxado em festa Techno. É possível o sujeito batalhar por um idioma pátrio consistente sem no entanto se tornar afetado. Algumas pessoas que amo de coração acabaram se revelando uma penca de conservadores, pedantes e xenófobos e, em certos casos raros, tornaram-se até meio chatas por baterem sempre na mesma tecla e insistirem em latir para a Lua, muito embora, no fundo, sejam em sua maioria almas boníssimas e de grande camaradagem. Talvez exista, nessas ocorrências, um quê de egocentrismo e quiçá alguma insensibilidade frente ao ambiente terminológico vigente. Temos que saber navegar docemente no mar do jargão. De que adianta esbravejar e amaldiçoar os céus quando se vê que um termo estrangeiro, mesmo errado, inegavelmente pegou? Track em inglês é trilho, mas quando nos referimos a um agadê, falamos das trilhas, erro crasso de tradução. Mas dói tanto assim? Vamos querer reeducar toda a comunidade para ensinar que trilha é trilho?
O melhor a fazer então é respeitar o estilo de cada um e seguir em frente, muito embora a amostragem estatística comprove claramente que os anglicismos técnicos são cada vez mais aceitos no nosso jargão digital. Isso é positivo, pois o novato aprende os termos globalmente corriqueiros da Web, por exemplo. Basta que se tome como referência o nosso próprio Caderninho, onde existe um e apenas um sabichão que se julga dono da verdade e paladino da língua pátria, enquanto os outros, segundo ele, seriam mero rebotalho, pobres coitados que sucumbiram à ignorância, ao entreguismo e à colonização cultural. Que fazer?
Existem mais formigas do que elefantes na face da terra, isso é certo. Portanto, deixemos as coisas como estão, com os magníficos sábios lá nas alturas do empíreo e nós, massa ignara, cá embaixo, chafurdando na lama dos atachados. Antes de terminar, porém, gostaria de ATOCHAR um comentário. Ser pernóstico é uma arte, mas o cabra precisa preparar bem direitinho o dever de casa, para não fazer papel de bobo. A tradução escorreita e castiça de "attached file" não é arquivo anexado, mas sim arquivo ATACADO, seguindo a mesma raiz do inglês "attach", do francês "attacher", do espanhol "atacar", do italiano moderno "attacare", do italiano arcaico "estaccare" e do gótico "stakka". No nosso portuga, a acepção secundária de "atacar" é essa aí mesmo -- prender com ataca, ou seja, com correia, fita, etc. Agora, vejam bem se eu tenho cara de palhaço pra sair por aí sugerindo que as leitoras tenham cuidado com os arquivos atacados. É preciso saber ouvir, conversar com as pessoas sem querer ficar dando aula o tempo todo. A turma fala mesmo é atachado e ponto final. Esperneie quem quiser. Não adianta nada ficar arrotando erudição besta, sob pena de abrir um fosso no entendimento entre o que escrevemos e a leitora, que tão charmosamente abre nosso Caderno para saber o que está rolando no pedaço e para tomar contato com o jargão verdadeiro e aceito pela turba informata. Se insistirmos em empregar termos que, embora corretos, não estão na boca do povão, então não estaremos cumprindo nossa missão de divulgar novidades e tendências. Se assim for, é melhor desligar o micro e se mudar para um sítio, que é onde o cara planta laranja, cria galinha e trepa na árvore. Nossa sorte, então, reside em dois pontos: o primeiro é que a leitora é compreensiva ao extremo e graciosamente perdoa certas bobeiras de uns e outros, atentando para o conteúdo valioso e para a fluidez do texto, esses sim, sempre de primeira. O segundo ponto é que, apesar de todos os mal-entendidos, continuo gostando e admirando o sabichão de plantão e, depois de horas de conversa emocionada com ele ao telefone de madrugada, não ficou nenhum ressentimento pendente. Termino então, recomendando o site do LOGOS, um ótimo dicionário poliglota no URL <http://www.logos.it/owa-s/dictionary_dba.sp?lg=EN>, onde se lê, no letreiro animado de abertura, uma frase de Adlai Stevenson que, traduzida, diz: "O homem não vive só de palavras, apesar do fato de que, algumas vezes, tem que engoli-las."
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