O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 452 - Escrito em: 2000-04-26 - Publicado em: 2000-05-01


Adeus, Phil Katz


Inventor do PKZIP morre aos 37 anos

Quem já usa BBS e Internet há mais tempo certamente alguma vez na vida já precisou [des]compactar arquivos e, para isto, usou o tradicional formato PKZIP. No dia 14 de abril passado morreu um dos maiores heróis da história recente da computação pessoal. Phillip W. Katz (katz = gato em alemão) foi o inventor do método PKZIP de arquivamento e compactação de dados, hoje largamente difundido pelo mundo inteiro e presente em todo
repositório de arquivos que se preze. Phil morreu em sua cidade, Milwaukee, no estado de Wisconsin, EUA. Faleceu em virtude de complicações decorrentes de alcoolismo crônico.

Antes que se projetasse hardware dedicado à compactação de arquivos, todo o processo tinha que ser feito por software. Phil bolou um programeto rápido, simples e simpático que logo se tornou coqueluche e até hoje se mantém lider no setor, muito embora diversos outros concorrentes tenham surgido em cena, alguns até melhores em um ou outro aspecto da compactação. O formato PKZIP ainda nos acompanhará por muito tempo e, com a passagem de seu criador, muita gente (como eu) finalmente se tocou sobre a origem do PK no nome do método de compactação. O inventor, há tempos, declarou que teve a idéia do formato ZIP em 1986, quando estava sentado à mesa da cozinha na casa de sua mãe, dona Hildegard.

A faina de implementar a idéia e passar a distribuir o software na modalidade de shareware era inicialmente apenas um hobby para Phil Katz. Nem imaginava que a coisa iria assumir esse vulto que tomou. A turma começou a usar o software freneticamente, sem dar a menor bola para a política de shareware. Cerca de apenas 10% dos usuários do PKZIP se dignaram a pagar o registro estipulado. Pelo menos, nesse caso, tenho minha consciência tranqüila: meu envelopinho com os disquetes originais do PKZIP estão guardados como troféu.

Infelizmente, apesar do sucesso como engenheiro de software, Phil tinha uma vida pessoal problemática. Foi encontrado morto num quarto de motel, segurando uma garrafa de birita. Havia outras cinco garrafas vazias no aposento. Há cerca de três anos, seus vizinhos reclamaram de mau-cheiro, insetos e ratos em sua casa de luxo num condomínio na localidade de Mequon. As autoridades, na ocasião, acharam muita comida estragada e montanhas de lixo na propriedade e os advogados de Phil acabaram tendo que pagar US$ 8 mil à cidade de Mequon pelas taxas legais e pela limpeza da sujeirada.

O primeiro programa de compactação de Phil Katz foi o PKARC, usado pela rapaziada ainda na década de 80, nos tempos dos BBS. A primeira vez que vi o bicho rodando fiquei estupefato com a taxa de compressão. Por ter usado um algoritmo que não era seu, Phil acabou levando na cabeça e foi processado pela empresa System Enhancements Associates, que produzia um produto similar mas muito pior, chamado SEA-ARC, que logo caiu no esquecimento geral. Naquele tempo ainda era comum que alguém ou uma empresa saisse processando deus e o mundo, cobrando direitos sobre um formato de arquivo, no caso, a extensão ".ARC".

Mas o troco veio rápido: a comunidade dos BBS deu o maior apoio ao Phil, inclusive com grana, e graças a isso ele acabou bolando um formato mais eficiente que foi a base do desenvolvimento do PKZIP.

Phil fundou a empresa PKWARE <www.pkware.com> em 1986 e, desde então, muito Sysop de BBS virou noites e noites convertendo todas as bases de arquivos compactados para o novo e revolucionário formato. A especificação do padrão ZIP foi entregue pelo autor ao domínio público, daí seu estrondoso sucesso. As circunstâncias tristes da morte de Phil Katz fizeram com que a PKWARE não entrasse em detalhes sobre o falecimento do camarada. Até os jornais locais preferiram pegar leve.

Sua morte se deu pouco tempo depois do desaparecimento de outro grande nome da compressão de arquivos, David Huffman. Segundo a irmã de Phil, Cynthia, e seus colegas na faculdade de Engenharia de Computação da Universidade de Wisconsin em Milwaukee <www.uwm.edu>, Phil era um bom sujeito e tinha muitos amigos. Começou como hacker, especializado em compressão de arquivos, uma área da informática cheia de algoritmos cabeludos e matemática intricada.

Foi um dos primeiros a abrir um formato de arquivo para a massa e convidar a comunidade a usá-lo à vontade. Permitiu que muita gente economizasse na conta telefônica, pois um arquivo zipado é muito mais rápido de transmitir via modem. Os desenvolvedores do ZLIB e o próprio Nico Mac (autor do WinZip) se apoiaram nas idéias e no padrão cucado pelo Phil.

Nos newsgroups especializados da Usenet a gente fica até tocado com a consternação do pessoal pela tragédia ocorrida com Phil Katz. Prova disso foi a repercussão de uma desnecessária observação feita por um tal Dr. Jai Maharaj <www.mantra.com/jyotish>, que desencavou uma carta que o Phil havia escrito para ele em por volta de 1990 criticando o estilo de vida saudável e vegetariano do doutor hindú, e declarando que tal dieta era inadequada para o ser humano. O tom do comentário do Jai foi do tipo "Viu só? Falou mal de mim e agora taí, morto por bebida". O efeito desta amarga missiva foi imediato e bem violento. Desnecessário dizer que a turma caiu de paulada em cima do infeliz.

Faço minhas as palavras de um fã anônimo do inventor do PKZIP: "Fique bem, Phil Katz. Deslize suavemente pra dentro do grande além. Você arrebentou, meu chapa. Deu-nos um grande presente e melhorou um pouquinho a nossa vida e nosso planeta digital. Lembraremos sempre do que você fez e de como o fez. Tenha paz!"


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