O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 457 - Escrito em: 2000-05-30 - Publicado em: 2000-06-05


A Web e a evolução de Gaia


A internet pode ser nossa chance de melhorar o planeta

A leitora vai vivendo sua rotina e quase nunca se lembra de que vivemos à superfície de uma imensa esfera giratória azul que passeia pelo espaço sideral. Por sorte, ela gira mansinho, sem solavancos, de modo que nos preocupamos mesmo é com o leite das crianças e com as tarefas do dia-a-dia. Acontece porém que, no início dos anos 70, duas pessoas andaram tendo umas idéias muito interessantes com respeito ao nosso planeta. A primeira delas era o Dr. James Lovelock, um cientista britânico especializado em estudos atmosféricos. A outra era a Dra. Lynn Margulis, uma microbiologista americana. Segundo os dois, a Terra parecia não ser apenas um planeta adornado por diversas formas de vida, mas um corpo celeste transformado e transfigurado por um sistema de vida auto-evolutivo e auto-regulador. Diante dessa natureza de sua atividade, a Terra poderia então ser apontada como um ser vivo.

Pode ser difícil de engolir a idéia de que algo tão gigantesco e aparentemente inanimado como a Terra seja de fato uma criatura viva. Afinal de contas, ela é composta quase totalmente por rochas, grande parte delas incandescentes, segundo a teoria do fogo central. Agora, imagine uma daquelas árvores gigantescas que vivem na mais remota floresta. É sem dúvida um organismo vivo, mesmo que 99% da árvore seja composta por matéria morta. Similarmente, no caso da Terra, é o pequeno percentual de matéria viva e pensante que faz a diferença.

Esta era, portanto, a forma inicial da hipótese levantada por Lovelock e Margulis. Interessantes artigos sobre o tema podem ser encontrados aqui, aqui e aqui. O nome Gaia também tem sua explicação. Enquanto andava pelos campos na região onde morava em Wilshire, na Inglaterra, o Dr. Lovelock expôs sua hipótese ao seu vizinho e novelista William Golding, que sugeriu o nome Gaia para este grande organismo, inspirado na deusa grega que, segundo a lenda, salvou o mundo vivo do caos. Uma vez divulgada, a hipótese passou a arregimentar hordas de seguidores de um lado e detratores de outro. Enquanto uns acham tudo uma maluquice, outros chegaram a fazer culto ao ser planetário, criando uma aura de idolatria e veneração.

Fato é que toda vida em nosso planeta é um sistema espaço-temporal sem fronteiras bem definidas. Preservar o meio ambiente, através da conservação de blocos de biodiversidade, antes que eles se transformem em arranha-céus e estacionamentos asfaltados, é uma forma de aumentar as possibilidades de que o gênero humano sobreviva rumo ao futuro. Este futuro é bastante indefinido, pois algumas espécies não se extinguem simplesmente, mas sim se atenuam e se reintegram em novas formas e padrões. No caso da Humanidade, parece que ela foi presenteada com uma oportunidade, bem rara na história evolucional, de participar ativamente do destino do organismo maior que a hospeda.

Gaia teria a capacidade de crescer, evoluir e responder a eventuais agressões externas. Os indivíduos que nela habitam, ou seja, vegetais, animais e seres humanos, seriam também integrantes da consciência planetária da Terra. Com o progresso da Humanidade, por exemplo, refinar-se-ia o estado de consciência do próprio planeta. No momento em que surgem a internet e a web, essa nossa conhecida rede mundial de conhecimento e troca de informações interligando milhões de humanos, Gaia também se eleva evolutivamente. Numa recente palestra que proferiu na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, o filósofo francês Pierre Lévy mencionou esta fascinante teoria, dando como exemplo o movimento ecológico em escala mundial. Ele considera que a Terra teria surgido como um grande corpo sem vida e que, por algum processo ainda desconhecido, teria sido salpicado por formas de vida cada vez mais complexas. Com o aparecimento do homem e com o surgimento das conseqüências de sua ocupação muitas vezes predatória, o organismo Gaia precisaria de uma forma de se auto-preservar. Se os habitantes da Terra se interligam usando algo como a web e se esta teia coletiva planetária contribui para mudar os rumos da destruição ambiental, então é a própria Gaia que está se defendendo.

Outra consideração interessante é o fato de que o espaço virtual produzido pela internet emula de algum modo o planeta que o acolhe. O ciberespaço é composto por empresas, internautas, servidores, vírus, terminais, backbones, entidades e governos, da mesma forma que o espaço terrestre real é composto pelos oceanos, minerais, atmosfera, vegetação, fauna, bactérias, etc. Portanto, se Gaia é um ser único cuja soma de elementos interconectados influencia o comportamento e a evolução de tudo que o circunda, o mesmo se aplica ao espaço virtual da internet. É claro que a web não é uma entidade única, mas sim o somatório das decisões individuais dos internautas, que acabam determinando um perfil médio. Os estudiosos do comportamento humano plugado não sabiam disso, mas descobriram com a prática que há um considerável grau de previsibilidade estatística com relação às reações coletivas da massa internauta.

Só nos resta torcer para que os grandes interesses corporativos não alterem demais os rumos evolucionais da grande rede e que não desvirtuem a nobre tendência que se configura, no sentido de proporcionar à grande massa de internautas a chance de construir um projeto de civilização futura baseada numa inteligência coletiva planetária.


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