O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 465 - Escrito em: 2000-07-27 - Publicado em: 2000-07-31


Entre as estrelas e o palhaço


Nem só de telinhas vive um bate-papo via internet

Experimente entrar numa saleta silenciosa com outras quatro ou cinco pessoas e sentem-se todos confortavelmente em torno duma mesa. Conduzir uma conversa nessas condições é bem fácil. Especialmente se forem pessoas bem educadas e habituadas a uma conversação civilizada, em que cada um tem sua vez para falar. Agora tente se comunicar com alguém num grande auditório lotado pouco iluminado, cheio de gente exaltada e nervosa falando palavrão, berrando e, para completar, com empurra-empurra, barulho de sirene, alarme e britadeira. Pois bem, é justamente isso que acontece num bate-papo online via internet, vulgo chat. Pior ainda se o tal chat tiver como personagem principal alguma personalidade famosa do mundo artístico ou intelectual.

Durante a mais glacial Fenasoft da História, semana passada em Sampa, tive a oportunidade de participar de quatro chats de peso. Estes mega-eventos aconteceram no cinematográfico aquário elevado semicircular do estande da Globo.Com, com toda a esmerada parafernália multimídia que é o apanágio da casa. Os chats eram precedidos por anúncios ao microfone feitos por um apresentador-palhaço vestindo uma peruca verde tipo Black Power. Como se tratava de um show com estrelas globais, não tinha cabimento limitar a coisa a uma mera telinha enfadonha de IRC, com os artistas catando milho no teclado. Em primeiro lugar, escalou-se um digitador para teclar as respostas das celebridades. Além disso, era preciso que alguém estivesse junto à figura famosa, de microfone em punho, de modo a ecoar as perguntas e respostas mais significativas do chat para a turba que se acotovelava em baixo à frente do aquário.

Estava eu lá tranqüilão participando da cobertura conjunta dentro do estande da click-click, quando alguém me agarrou pelo braço e, na falta de outro incauto, promoveu-me sem aviso prévio ao posto de apresentador de chat no aquário. Passados a tremedeira e o suor frio, lá estava eu em plena ação. A celebridade, no momento da glamourosa aparição, surgia brotando do assoalho do aquário graças a uma empilhadeira industrial. Tudo isso, é claro, em meio a uma nuvem impenetrável de fumaça de gelo seco, feérica iluminação computadorizada e som global a todo volume. Enfiaram-me no ouvido um discreto fonezinho de rádio intercomunicador UHF, desses que os seguranças usam, para eu poder ouvir a produção e ajudar a conduzir o show lá de cima. Para mim, inegavelmente, foi o maior barato ficar animando a galera, berrando ao microfone, acompanhando os chats e tendo ao meu lado gente famosa como o jornalista e apresentador multimídia Celso Freitas e as estrelas globais. Aah, as estrelas... Estou até hoje sem tomar banho nem lavar as mãos, depois de apresentar os chats da Deborah Secco, Valéria Valenssa e Danielle Winits, adoráveis todas elas.

A leitora não faz idéia do que é uma tela de chat com mais de mil pessoas dentro da sala. É o caos total. Tem hacker invadindo o sistema e tentando fazer flood (inundação) no canal, tem gente usando nick parecido com o da celebridade para confundir os outros e mais um monte de cabra mal-educado escrevendo sacanagem e mensagem imoral. No meio da frenética rolagem de tela do IRC, às vezes era dificílimo encontrar uma pergunta aceitável para ser repetida ao microfone. E, quando esse buraco começava a se prolongar demais, lá vinha o diretor no meu radinho me pedindo para inventar pergunta.

No chat da Globo.Com fizemos uma experiência de sucesso com reconhecimento de voz. Num computador em separado, ficava um operador rodando o ViaVoice da IBM com fones de ouvido, escutando as respostas que a celebridade proferia ao microfone. À medida que ia ouvindo, ia repetindo o texto mecanicamente para o software, que já havia sido anteriormente treinado para reconhecer a voz do operador. Quando os fonemas da  resposta eram ecoados na telinha do ViaVoice, o operador deva um cut/paste (recortar/colar) e jogava o texto para o campo apropriado da resposta, no software de IRC. No final das contas, ficava parecendo que o digitador era super-rápido.

No entanto, mesmo com uma ferramenta assim, bate-papos online com gente em excesso são, em média, pouquíssimo produtivos, se não se tomar certas providências. Uma delas é estabelecer um canal de entrada e outro de saída. Já vi, no exterior, chats assim funcionando muito bem, mesmo com multidões participando. Na verdade, nesses casos, eram três telas. A primeira recebia todas as mensagens enviadas para a sala. Um grupo de filtradores selecionava as mensagens mais interessantes no meio da barulheira infernal e enviava-as para uma segunda tela. Nesta, a celebridade ia escolhendo as perguntas que queria responder e ditava as respostas para o digitador. Na terceira tela, portanto, apareciam somente as perguntas selecionadas e as respostas do personagem principal. O internauta que participava do chat, portanto, tinha um espaço para digitar suas mensagens e, logo abaixo, visualizava apenas a terceira tela. Se sua pergunta fosse descartada, o sistema lhe enviava uma fala em reservado, informando-o do fato.

Nessa experiência que tive com mega-chats, a nota desagradável ficou por conta da gente desbocada e com espírito de porco, que ficava repetindo incessantemente a mesma pergunta, geralmente maldosa. No caso das atrizes com quem estive, pude ver sobressair o lado mais grosseiro de alguns internautas (penso eu) mais jovens. A baixaria às vezes era tamanha que, em algumas situações, até a celebridade ficava constrangida e a gente se apressava em rolar logo a tela, de modo a tirar das vistas algum impropério mais pesado. De qualquer maneira, foi uma experiência muito divertida e talvez, na segunda-feira vindoura, eu já tenha até entrado novamente no chuveiro.


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