O GLOBO - Informática Etc. - Carlos Alberto Teixeira
Artigo: 473 - Escrito em: 2000-11-157 - Publicado em: 2000-11-20


As máquinas invisíveis do futuro


Nanotecnologia abrirá as portas do mundo sub-microscópico

Quebraram os dois elevadores. Moro no terceiro andar, que corresponde ao quinto por causa das garagens. Não é grande coisa, mas na primeira investida escada acima, percebi que estou quase podre. Ainda mais, na pressa, subi correndo e ao entrar em casa estava botando os bofes pra fora. Naquele momento, adoraria ter mais uns três pares de pulmões dentro do peito. Como isso não é possível, assim que tive uma chance liguei la machina e invoquei os miraculosos poderes do oráculo Google <www.google.com> (pron. GÚ-gâl), em busca de algum babado bem high-tech que aumentasse a capacidade respiratória humana.

Mais uma vez a Web provou que não nega fogo. Ainda não está no mercado, mas talvez em menos de 30 anos eu possa comprar na farmácia um vidrinho de respirócitos (respirocytes) que, injetados na veia, poderiam fazer com que conseguisse prender a respiração por até quatro horas. Ou, caso me tornasse um atleta aos 70 anos (40 + 30), poderia correr léguas respirando apenas uma vez a cada 15 minutos. A idéia de se injetar um trilhão de bolotinhas artificiais no sangue pode ser encontrada no site do Foresight Institute, entidade sem fins lucrativos que reúne os mais audaciosos visionários tecnológicos do planeta. Os respirócitos são mais uma idéia fantástica do pesquisador Robert A. Freitas, especialista em nanomedicina teórica do Instituto de Manufatura Molecular <www.imm.org> em Palo Alto, Califórnia, EUA. Conheça o projeto no site <www.foresight.org/Nanomedicine/Respirocytes1.html>. Em tempo, observe as páginas do Foresight e vejam o que é velocidade, clareza, simplicidade estética em HTML-puro, com alto valor de conteúdos e links.

A nanotecnologia visa montar estruturas precisas compostas de moléculas e átomos individuais. Com ela, será possível construir supercomputadores do tamanho dum cubinho de açúcar, estabelecer processos de fabricação não-poluentes e produzir nano-robôs em escala molecular capazes de reparar danos em células humanas, entre outras maravilhas.

Brincar com átomos é quase um ato de magia. As propriedades dos diferentes produtos manufaturados até hoje pela sociedade industrial dependem da forma com que os átomos são dispostos na constituição dos materiais. Se rearranjarmos os átomos de carbono na grafite de um lápis, podemos produzir um diamante. Se soubermos rearrumar os átomos de silício de grãos de areia, podemos fabricar microchips de computador. Se rearranjarmos os átomos da sujeira, da água e do ar, podemos fabricar batatas. As possibilidades são virtualmente infinitas.

Os primeiros devaneios nesta ciência brotaram em dezembro de 1959 da mente de Richard P. Feynman (1918-1988), Nobel de Física, numa memorável palestra que proferiu no California Institute of Technology e cuja transcrição pode ser encontrada em <www.zyvex.com/nanotech/feynman.html>. Na ocasião, visando promover interesse pelo assunto, ele provocou o meio científico oferecendo um prêmio de US$ 1000 a quem conseguisse construir um motor elétrico funcional que coubesse num cubo de 1/64 polegadas (~0,4 mm) de lado. Em pouco menos de um ano, o engenheiro William McLellan papou o prêmio, por ter construído um motorzinho de 2000 rpm (rotações por minuto), no tamanho especificado, pesando 250 microgramas e composto de 13 partes separadas.

Atualmente existe o Grande Prêmio Feynman, patrocinado pelo Foresight Institute, que oferece US$ 250 mil a quem construir dois nanodispositivos que possam ser produzidos em massa. O primeiro é um braço robótico programável que caiba num cubo de 100 nanômetros, ou seja, 0,0001 milímetros (1 nanômetro = 1 bilionésimo de metro) e possa ser controlado à distância. O segundo é um nanocomputador digital menor que um cubo de 50 nanômetros, capaz de efetuar a soma de dois números binários de 8 bits, descartando o overflow e exibindo o resultado através de nanoprotuberâncias produzidas numa superfície atomicamente suave e precisa. Não se tem idéia de quando alguém irá faturar este prêmio, pois as dificuldades tecnológicas envolvidas são tremendas.

Como se vê, o respirócito do Dr. Freitas é algo para um futuro não muito imediato. Trata-se de uma hemácia artificial (glóbulo vermelho sangüíneo) com diâmetro de 1 mícron, um nano-robô esférico fabricado com 18 bilhões de átomos posicionados com precisão. Em sua grande maioria, serão átomos de carbono, agrupados conforme a geometria típica de um diamante. Simplificando bastante, pode-se comparar um respirócito a um tanque de pressão preenchido com até 9 bilhões de moléculas de oxigênio (O2) e gás carbônico (CO2), armazenadas a uma pressão de cerca de 1000 atmosferas. A superfície externa de cada respirócito seria 37% recoberta com dezenas de milhares de nano-rotores de classificação molecular e centenas de diminutos sensores, de modo a reproduzir a função das células vermelhas do sangue, efetuando trocas gasosas. Um respirócito seria também um sensor de pressão, recebendo sinais de controle em ultra-som emitidos pelo médico, que poderia interromper por uns instantes o funcionamento dos glóbulos artificiais ou dosar a proporção dos gases.

Indubitavelmente, as mais vibrantes aplicações destes nano-robôs se darão na área médica, na gerontologia, na pesquisa farmacêutica, no diagnóstico de moléstias, na cura mecânica da arteriosclerose, no fortalecimento do sistema imunizador, na reestruturação de seqüências de DNA em organismos vivos, no reparo de danos cerebrais e no armazenamento criogênico de tecidos biológicos. Se quiser visitar a incrível galeria de arte da nanomedicina do Dr. Freitas, separe umas duas horas do seu dia e aponte o browser para <www.foresight.org/Nanomedicine/Gallery/index.html>.


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