O GLOBO - Informática Etc.
Carlos Alberto Teixeira - C@T

Profanações em massa

Artigo: 500

Desfigurar web sites virou moda e troféu de fuxiqueiro

Publicado em:  2001-05-28
Escrito em:  2001-05-23

 

Dentro da gigantesca comunidade da internet surgem curiosas subculturas, algumas efêmeras, outras descomunalmente crescentes. É o caso dos desfiguradores de websites. A prática é conhecida como "defacement" (pron. difêis-mént) e consiste na alteração do conteúdo visível de uma página web pública, feita por outra pessoa que não os responsáveis pelo site ou pelas páginas. As razões e motivações dos invasores são as mais diversas possíveis. Uns são movidos por idealismo ou protesto, outros simplesmente por baderna ou exibicionismo. A moda não é recente e o número de adeptos vem aumentando. Dentre os sites especializados em documentar defacements, destacavam-se dois: o americano Attrition <www.attrition.org/mirror/attrition> e o europeu Alldas <http://defaced.alldas.de>, ambos sem qualquer patrocínio e tocados por especialistas que a eles se dedicam em seus momentos de folga. O trabalho desses dois sites já se tornou referência, sendo consultado pela mídia, por governos e por universidades no mundo inteiro. Não se sabe o quanto durará a atual febre dos desfiguradores, mas o momento é de franca alta nas atividades desses vândalos da web, chegando a um ponto jamais visto. O número de ataques cresceu tanto que, na segunda-feira passada, o Attrition não agüentou o rojão e desistiu da árdua tarefa de manter controle sobre as desfigurações. Tanto ele quanto o Alldas mantinham registro de cada página principal adulterada, armazenando em seus servidores uma cópia congelada da página no momento da invasão. Desta forma, mesmo que o responsável pelo site consertasse em poucos minutos o estrago, se o mirror (espelho) do site já estivesse salvo num desses sites de registro, então o vexame estaria documentado para sempre.

O Attrition continua existindo em suas diversas outras atividades, tendo deixado apenas de atualizar o mirror das desfigurações. Para se ter uma idéia da crescente avalanche de defacements, o Attrition reportou cinco incidentes em 1995, 20 em 1996 e, mais recentemente, 5822 no ano 2000 e incríveis 5315 adulterações só até maio de 2001. Acredita-se que os números reais sejam muito maiores, uma vez que os sites de registro só computam as desfigurações que lhes são informadas via email, muitas vezes pelos próprios invasores. As pressões que o Attrition vinha sofrendo eram terríveis, tanto por parte dos meliantes, quanto por parte dos invadidos. Muitos processos judiciais usaram como prova os registros mantidos pelo site. O próprio Attrition foi também vítima dos mais sangrentos ataques digitais, desferidos por gente insatisfeita com o trabalho conduzido pelo grupo. Logicamente o Alldas está submetido ao mesmo tipo de pauleira, só que sua equipe tem se mostrado capaz de agüentar o tranco sem esmorecer. Afinal de contas, com a despedida do Attrition, as atenções passam a se concentrar no Alldas, aumentando brutalmente a responsabilidade desse site cuja sede é em Oslo, Noruega, e é tocado por pequeno grupo de abnegados que reúne um alemão, um belga, três suecos e um holandês, todos piradaços, no bom sentido, é claro.

Alguém poderia argumentar que a atividade de ladrões e assaltantes tem o efeito positivo de promover o aumento da segurança nas residências e instalações empresariais. É o mesmo que dizer que os desfiguradores de páginas contribuem para a robustez dos sites. No entanto, mesmo aparentemente absurdo, este argumento é comumente aceito no que tange à web. Os invasores se julgam incorporados pelo genuíno espírito hacker, pretendendo exibir toda sua destreza ao ostentar nas páginas danificadas suas assinaturas e suas mensagens geralmente pobres e mal escritas. Naturalmente há uns poucos que são verdadeiros gênios em sistemas, mas a esmagadora maioria apenas fica executando scripts feito macacos adestrados. Os geniais acabam contratados por empresas de segurança, ao passo que os do rebotalho continuam batendo martelinho até que enjoam da mesmice, amadurecem e partem pra outra.

Analisando os 17 sistemas operacionais que rodavam nos 16083 sites desfigurados que constam nas estatísticas do Alldas, 61,39% deles eram Windows, 19,36% eram Linux, 11,78% eram sistemas não-informados ou não-identificados e o restante se dividia entre Solaris, IRIX, FreeBSD, BSDI, SCO, NetBSD, AIX, HP-UX, Tru64 UNIX, Digital Unix, MacOS, OpenBSD, Novell e Ultrix.

A atividade dos invasores brasileiros é algo que chama a atenção. Nossos pseudo-hackers têm dedicado esforços ciclópicos no afã de adulterar web sites em vários pontos do planeta mas, ao que parece, o gostinho está em ferrar sites daqui mesmo. O Brasil figura em segundo lugar no placar geral dos domínios de alto-nível mais atacados. Na terça-feira passada, por exemplo, foram documentadas 73 profanações no mundo inteiro, sendo seis delas aqui no Brasil. Na estatística geral do Alldas, os 13 domínios mais visados são: empresas (.com/4752 desfigurações), Brasil (.br/1299), Taiwan (.tw/770), China (.cn/766), organizações (.org/626), universidades americanas (.edu/623), Estados Unidos (.us/472), México (.mx/436), Coréia (.kr/405), Israel (.il/355), Grã-Bretanha (.uk/295), governo americano (.gov/222) e instituições militares americanas (.mil/88).

Há quem acredite que, se o Alldas também sumir do mapa, a avassaladora onda de defacements irá logo fenecer. A própria existência de um site que registre essas ocorrências exacerba ainda mais a fome egóica dos profanadores, funcionando como um cartaz de exibição de suas "memoráveis" conquistas.

[ Voltar para o índice de artigos de 2001 ]

[ O Globo | Informática Etc. | coluna mais recente | enviar email
página pessoal C@T
| assinar lista InfoEtc | assinar GoldenList do C@T ]


powered by FreeFind