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Frustrações da informática |
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Artigo: | 526 |
Expectativas altas demais acabam deixando todos insatisfeitos |
Publicado em: | 2001-11-26 | |
Escrito em: | 2001-11-17 |
O mundo da informática é inegavelmente fascinante, mas o profissional de tecnologia da informação (TI) vive boiando num mar de expectativas. No caso do usuário, ele acha profundamente misterioso tudo que se passa dentro dum computador. Para ele, a máquina é uma caixa-preta e só quem pode ajudá-lo a entendê-la é o cara de TI, que tem (ou deveria ter) na ponta da língua todas as respostas sobre como configurar, dar dicas, programar, gravar, projetar, dar manutenção e destrinchar qualquer pepino no hardware, no software, nas aplicações ou na rede. Temos aqui a frustração nº 1, pois tudo isso nem sempre acontece. Olhemos agora para o estudante de TI, que também tem suas expectativas. Ele espera que seu curso, profissionalizante ou universitário, ofereça uma cobertura completa de todos os tópicos teóricos e práticos que lhe permitirão desenvolver bem sua atividade profissional, incluindo princípios tecnológicos, dados de pesquisas e técnicas de liderança e de como lidar com pessoas em situações de pressão e emergência. Nem todo mundo é autodidata, portanto a maior parte dos aspirantes a profissionais de TI depende de um curso para absorver uma visão clara desse mundo fragmentado e em constante ebulição que é o da informática. O currículo desses cursos dá mais ênfase à programação e às miudezas técnicas, em detrimento da experimentação real e da mão na massa. Os estudantes recebem poucas dicas sobre como manter sempre aberta sua cabeça de modo a esponjar a constante massa de novas informações nessa área em que os conceitos são tão voláteis. O andamento de suas carreiras não lhes é apresentado com clareza e fica difícil para eles planejar seu futuro. Frustração nº 2, pois os sistemas de treinamento muitas vezes deixam a desejar nesses pontos. A questão seguinte é a das associações de profissionais de TI, que aqui no Brasil são razoavelmente atuantes, mas nem chegam perto da força que têm nos EUA, por exemplo. Todavia, mesmo lá no Primeiro Mundo essas agremiações às vezes falham em sua missão de dar apoio aos profissionais, prover treinamento a longo prazo e batalhar por posições que sejam do interesse da categoria. Esta é a frustração nº 3. Com respeito às empresas usuárias, que tanto precisam desses profissionais de TI, elas dão muita cabeçada para encontrar gente certa para as funções necessárias, especialmente quando precisam de funcionários ou consultores capazes de se manter a par de todos os novos lançamentos e tecnologias que pipocam a cada dia. Eis aí a frustração número 4.
O que se vê então é que, com relação a estes profissionais, existem expectativas demais que, em muitos casos, não são satisfeitas. Espera-se mais da rapaziada de TI do que da própria tecnologia da informação em si. Não estou defendendo essa turma só porque sou analista de sistemas por formação, não, não é isso. Mas que essa raça come o pão que diabo amassou, isso ninguém pode negar. Aliás, um ótimo livro sobre o assunto, ainda não traduzido, é "The Invisible Future: The Seamless Integration of Technology Into Everyday Life", preparado sob os auspícios da ACM (Association for Computing Machinery). O autor é o cientista da computação Peter J. Denning e o título traduzido seria algo como "o futuro invisível: a integração suave entre tecnologia e a vida moderna". O livro dá uma repensada nesses vários aspectos da profissão.
Com relação a tudo que se espera dos especialistas no ramo, o que os usuários, estudantes e profissionais encontram em seu dia-a-dia fica, em geral, bem aquém do que sonham. Não cansamos de ouvir relatos sobre configurações que travam, discos que "crasham", software mal projetado, jogo de empurra entre fornecedores de hardware e software quando dá alguma encrenca, pouca seriedade de empresas ponto-com, pouco cuidado com a privacidade, serviço capenga de apoio ao usuário, sistemas complexos e confusos, software sem garantia e suporte técnico deplorável. Certamente tem alguma coisa errada nisso tudo. A impressão é que ainda estamos engatinhando nesse caminho.
Dizem que, nessa confusão toda, quem mais sofre é o usuário final, pobrezinho. Ele quer que termine esse pesadelo e que o computador se transforme numa ferramenta fácil de usar e que realmente aumente sua produtividade no trabalho e sua capacidade de ter lazer em casa. Mas, já tendo vivenciado o outro lado da questão, trabalhando com a macacada de TI, sou forçado a concordar com eles em um ponto: usuário é uma raça muito da sem-vergonha, isso sim. Eles ficam sempre achando que a estrutura que deveria lhes dar suporte é problemática e opera mal, mas se observarmos bem, o usuário fica esperando mil maravilhas, grande serviço e performance sublime, mas quer pagar pouco ou, de preferência, nada. Eles não sabem o esforço e os custos subjacentes à missão de desenvolver sistemas e software. Essa gente de TI, apesar de adorar o trabalho que faz, está na labuta por dinheiro e não pelos belos olhos do usuário. Se os clientes exigem preço baixo, não podem esperar suprema qualidade nem suporte impecável, pois isso custa caro. Uma empresa de TI pode ter ótimos profissionais, mas não em número suficiente para resolver todas as encrencas que pintam. Ao mesmo tempo, os malditos usuários não querem se dar ao trabalho nem de aprender o básico do básico. Chamam o help desk para resolver problemas que seriam facilmente solucionados com dois minutos de leitura do famigerado manual do usuário. E na hora de participar da especificação dos sistemas, esses mesmos usuários ficam achando que análise de sistemas é ciência exata. Não se cansam de mudar especificações e requisitos do sistema lá adiante, quando o software já foi projetado e já se está escrevendo o código em linguagem de programação. Assim não dá. O projeto de um sistema tem que ser congelado num determinado ponto, tudo devidamente aceito por todos e aí sim se começa a pôr os tijolinhos para erguer a parede. Mas para o usuário sempre é possível mudar tudo a qualquer momento. E aí, quando diante dessas mudanças inesperadas, o usuário se vê diante da notícia de que o preço aumentou e o prazo dilatou, aí sobe nas tamancas, dá ataque de pelanca e fica achando que os caras da tecnologia são uns ladrões e exploradores. Bem, deu para ver que a coisa toda está bem confusa. Só podemos esperar que nossos filhos e netos vivam num mundo ideal, em que nem se perceba que existem os profissionais de TI. Da mesma forma, nesse mundo maravilhoso, os usuários serão pessoas dóceis e profundamente compreensivas. Oh, what a wondeful world...
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