O GLOBO - Informática Etc.
Carlos Alberto Teixeira - C@T

Do seco para o molhado

Artigo: 528

O obstáculo fundamental da nanotecnologia

Publicado em:  2001-12-10
Escrito em:  2001-12-06

 

Foto de P. S. Howell, Rice University
Rick Smalley

Richard E. Smalley, Nobel de Química em 1996, prevê uma fantástica revolução tecnológica à nossa frente, com a transposição da complicada ponte entre o seco e o molhado no âmbito da nanotecnologia. No mundo biológico que nos cerca, o maquinário da vida celular é todo molhado. As formas de vida são compostas de células cheias d'água, pequenas bolsas de vida com alguns micra de tamanho, entupidas com milhares de nanomáquinas naturais desempenhando as tarefas da vida -- hormônios, enzimas, RNA, DNA e todas essas coisas de que se ouve falar em medicina, biotecnologia e engenharia genética. Essas máquinas são construídas com uma penca de moléculas, ou seja, algumas centenas de milhares de átomos posicionados com precisão de engenharia para funcionar de uma certa maneira. A revolução se dará quando conseguirmos estabelecer uma interface entre este mundo molhado e o lado seco da nanotecnologia, estruturas inorgânicas eletromecânicas e sistemas projetados em dimensões nanométricas (1 nanômetro = 1 bilionésimo de metro). Moléculas orgânicas são superversáteis, mas nem em quatro bilhões e paulada de anos de evolução conseguiram desenvolver certas características típicas dos metais, como por exemplo, condutividade elétrica, condutividade térmica, resistência ou dureza. Tudo bem, existe atividade elétrica no interior das células, mas ela se dá através de íons cruzando membranas. Nervos também conduzem e peixes-elétricos dão choque. Mas não é eletricidade do tipo em que elétrons se movem coerentemente num condutor por longas distâncias e com pouca perda. Quanto à dureza e resistência dos materiais, ok, ossos e dentes são duros, mas não como o aço.

Quando esta sonhada interface for estabelecida, a nanotecnologia seca poderá produzir catalisadores, dispositivos de fotossíntese, fotocélulas, supercondutores, lubrificantes, equipamentos de energia solar, fios e cabos especiais, cabeamento elétrico de potência, magnetos, sensores, baterias, células de combustível, filtros, manipuladores e sondas. Segundo o Dr. Smalley, o pulo-de-gato nesse sentido são os "buckytubes" (pronuncia-se BÂki-TÍubs), nanotubos feitos de carbono. 

Buckminster Fuller

Tudo começou em 1985 quando ele e seus colaboradores da Rice University produziram uma estrutura carbônica inédita. Era uma bolotinha oca que foi chamada "buckyball" (pronuncia-se BÂki-BÓL) em homenagem a Buckminster Fuller, inventor do domo geodésico. No início dos anos 90 usaram uma estrutura similar para produzir um tubinho oco de carbono com rigidez superior à do aço, condutividade elétrica parecida com a do cobre e com diâmetro de seção reta comparável ao de uma molécula de DNA. Em suma, um material perfeito para estabelecer construções e fiações no mundo nanométrico. Para visualizar a coisa, pense numa cerca de arame fino dessas de galinheiro, com formas hexagonais. Corte um pedaço, enrole como num tubo, emende as arestas e miniaturize um bilhão de vezes. É isso.

Como também são feitos de carbono, os buckytubos poderão se integrar numa boa ao mundo orgânico, seja através de dissolução ou como sondas, partes de um implante ou de uma membrana. No ano passado, Rick Smalley foi um dos fundadores de uma companhia que pretende produzir buckytubos em larga escala, a Carbon Nanotechnologies. Inicialmente serão fabricados comercialmente três tipos de nanotubos: um de metal e dois de semicondutores. Isso possibilitará que outras empresas empurrem adiante a nanotecnologia. No final de seu governo, o presidente Clinton destinou uma verba de US$ 495 milhões para este ramo de pesquisa só em 2001, demonstrando claramente a importância estratégica e comercial deste filão.

Pelo andar da carruagem, os primeiros produtos a cair na praça usando nanotubos carbônicos serão telas planas de computador. Alguns fabricantes, como a Samsung, já têm protótipos funcionando bem com esta tecnologia e não será surpresa se em poucos anos já estiverem à venda produtos nessa linha. Outra aplicação será na engenharia de plásticos, com a produção de gabinetes antiestática para computadores. A adição de buckytubos a estruturas plásticas aumentaria também suas propriedades de bloqueio de EMI (interferência eletromagnética), multiplicando ao mesmo tempo sua resistência estrutural. Em cerca de cinco anos espera-se ter nanotubos funcionando como sondas em microscópios eletrônicos de força atômica (SFM - scanning force microscope). Mas a coisa vai ficar boa mesmo daqui a uns vinte anos, e então a leitora certamente irá contar pros netinhos: puxa, já falavam disso lá no Caderninho...

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