O GLOBO - Informática Etc.
Carlos Alberto Teixeira - C@T

1001 usos para um barômetro
(primeira coluna quinzenal)

Artigo: 533

Engenhosidade do aluno superou expectativa do mestre

Publicado em:  2002-01-21
Escrito em:  2002-01-17

 

Quem lida com sistemas corre o risco de ficar repetindo soluções pré-moldadas, abafando sua criatividade. Não permita que isso aconteça a si, leitora. O texto que lhe apresento em tradução livre foi escrito em 1964 pelo Dr. Alexander Calandra, professor de Física na Washington University em St. Louis:

"Algum tempo atrás, recebi um chamado de um colega que me pediu para arbitrar uma questão referente à avaliação de uma pergunta de prova. Ao que parecia, ele estava a ponto de dar zero a um aluno numa questão de Física, mas o estudante alegava que merecia nota máxima e que queria ganhar um dez mesmo, mas que não ganharia porque o sistema de ensino era uma armação contra os alunos.

Fui ao escritório desse meu colega e li a questão, que dizia: 'Mostre como é possível determinar a altura de um arranha-céu com a ajuda de um barômetro.' [que, como se sabe, é um instrumento que mede a pressão atmosférica.]

A resposta do aluno: 'Leve o barômetro até o topo do prédio, amarre nele uma longa corda e vá baixando-o até a rua. Depois puxe-o de volta e meça o comprimento da corda, que será igual à altura do edifício.'

Bem, é uma resposta interessante, mas será que o rapaz deveria receber pontos por ela? Argumentei que ele até merecia, já que respondeu à questão completa e corretamente. Por outro lado, se recebesse a nota máxima, isso contribuiria para aumentar seus pontos gerais no curso de Física. Um alto número de pontos certificaria que o estudante é bom em Física, mas a resposta dada pelo aluno não confirma isto. Com estas considerações em mente, sugeri que se desse a ele uma outra chance. Achei natural que meu colega concordasse, mas me surpreendi quando o aluno topou.

Agindo nos termos do acordo, dei ao estudante seis minutos para responder à questão, com a advertência de que a resposta deveria comprovar algum conhecimento de Física. Ao final de cinco minutos, o sujeito ainda não tinha escrito nada. Perguntei se queria desistir, já que eu tinha uma aula para dar em seguida, mas ele disse que não desistiria. Contou-me que tinha tantas respostas para o problema que estava apenas pensando em qual seria a melhor. Desculpei-me por tê-lo interrompido e pedi que prosseguisse. No minuto seguinte, ele rapidamente escreveu sua resposta: 'Leve o barômetro até o topo do edifício e incline-se no telhado, deixando cair o aparelho até o chão e meça o tempo de queda com um cronômetro. Então, calcule a altura do prédio usando a fórmula S = metade de 'g' [aceleração da gravidade] vezes o tempo ao quadrado.'

S = ½ gt2

Diante disso, perguntei ao meu colega professor se ele se dava por satisfeito. Ele cedeu e dei ao rapaz quase a nota máxima. Porém, ao deixar o escritório, lembrei-me de que ee havia mencionado ter outras respostas para o problema e fui a ele perguntar quais eram. Ele respondeu que há muitas maneiras de determinar a altura dum prédio usando um barômetro. Num dia ensolarado, por exemplo, poder-se-ia medir a altura do barômetro, o comprimento de sua sombra, o comprimento da sombra do prédio e, usando uma simples regra de três, calcular a altura da construção.

Pedi mais outra solução e ele veio com um método bem básico mas funcional. Pegaria o barômetro e subiria as escadas do prédio, marcando verticalmente na parede a altura do instrumento, subindo a cada marca. Quando chegasse ao telhado do edifício, bastaria contar as marcas e multiplicar pela altura do barômetro. Um método bem direto.

Depois disso, ele apresentou uma solução mais sofisticada, em que penduraria o barômetro num fio e o faria oscilar como um pêndulo. Com isso, determinaria o valor de 'g' no térreo e depois em cima do prédio. Pela diferença entre os dois valores de 'g', a altura do arranha-céu poderia, a princípio, ser calculada. O estudante concluiu, sempre brilhante, que se não estivesse limitado a soluções para o problema que usassem conhecimentos de Física, poderia levar o barômetro até o escritório do zelador do prédio e dizer para ele: 'Sr. Zelador, tenho aqui um lindo barômetro de alta qualidade. Se o senhor me disser a altura deste edifício, eu lhe darei o barômetro de presente.'

Neste ponto não agüentei e perguntei ao estudante se ele realmente não sabia a resposta correta do problema. Ele admitiu que sim, mas que já estava de saco cheio com os professores tentando ensiná-lo como deveria raciocinar e usar seu pensamento crítico, em vez de lhe mostrarem a estrutura fundamental do tema e deixá-lo livre para encontrar soluções originais e criativas. Assim, ele decidiu dar esta sacaneada no mestre."


Rutherford

A autoria desse texto é uma história à parte. Recebi-o do amigo Júlio Botelho como tendo sido escrito pelo professor aposentado da USP, Waldemar Setzer, numa versão que é a mais difundida aqui no Brasil. Porém, visitando a página do professor, notei que ele mesmo aponta para um original em francês, em que se atribui o texto a Sir Ernest Rutherford, Nobel de Química em 1908, que teria sido o professor chamado a arbitrar a questão. O aluno espertinho supostamente teria sido Niels Bohr, Nobel de Física em 1922. Várias ocorrências da lenda do barômetro na internet divulgam essa autoria tão famosa, mas na verdade não é nada disso. Quando Bohr estudava em Copenhagen, na Dinamarca, Rutherford ensinava em Manchester, na Inglaterra.

Bohr

A primeira vez que essa historinha apareceu foi numa edição de 1958 da revista Readers Digest, numa versão bem curta e aparentemente anônima:

"What steps would you take," a question in a college exam read, "in determining the height of a building, using an aneroid barometer?"

One student, short on knowledge but long on ingenuity, replied, "I would lower the barometer on a string and measure the string."

Talvez baseado nesta versão, o Dr. Alexander Calandra, professor de Física na Washington University em St. Louis, tenha escrito em 1961 um conto na primeira pessoa publicado no livro escolar "The Teaching of Elementary Science of Mathematics". As várias respostas mencionadas no texto como criações do aluno fictício teriam sido dadas por diferentes estudantes supostamente reais, conforme uma lista compilada pelo Dr. Calandra e que aparece na edição para professores do periódico Current Science, volume 49, de 6 a 10 de janeiro de 1964. Mais tarde, o mesmo texto foi publicado como artigo do Dr. Calandra no Saturday Review em 1968.

Não se sabe, portanto, se o relato se originou de um fato real.

Links adicionais:

Home do Prof. Waldemar Setzer
http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/

Autor Rutherford
http://www.geocities.com/Athens/Acropolis/5148/bohr_storyontests.html

Desconecta Bohr e Rutherford
http://www.lns.cornell.edu/spr/2000-09/msg0027823.html

Menciona biografia Bohr
http://www.lns.cornell.edu/spr/2000-09/msg0027796.html

Menciona Alexander Calandra
http://www.lns.cornell.edu/spr/2000-09/msg0027838.html

Calandra em St. Louis
http://www.lns.cornell.edu/spr/2000-09/msg0027849.html

Texto do Calandra 1968
http://www.google.com/search?q=cache:6l9lsO6I5okC:www.landiss.com/calandra.htm+calandra+barometer&hl=pt

Texto do Calandra 1964, bem ao final desse pdf
http://icg.fas.harvard.edu/~phys191r/pdf/intro.pdf

O mesmo que acima, mas em texto. Foi o que traduzi na coluna.
http://168.229.236.7/~rkc1/baro.txt

Snopes desvendando
http://www.snopes2.com/college/exam/barometr.htm

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