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Frutos da Guerra Fria |
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Artigo: | 535 |
Avanços surgidos num projeto americano de defesa |
Publicado em: | 2002-02-18 | |
Escrito em: | 2002-02-10 |
Em 1953, 20% de todos os programadores de computador do mundo estavam trabalhando num mesmo projeto, o SAGE (Semi-Automatic Ground Environment), um sistema militar de defesa concebido em plena histeria da Guerra Fria. Sua função era interligar as centrais de defesa aérea continental a 23 bunkers espalhados nos Estados Unidos mais um no Canadá, baseados num parrudo computador chamado "A/N FSQ-7", um monstrengo digital que consumia 3MW (Megawatts mesmo) e era constituído por 60 mil válvulas eletrônicas, daquelas antigas de rádio. Estima-se que o custo total do projeto tenha sido de entre US$ 8 e 12 bilhões (em dólares de 1964). As empresas por trás do projeto eram IBM (hardware); Burroughs, depois chamada Unisys (telecomunicações); Lincoln Lab do M.I.T., depois chamado Mitre Corp. (integração de sistemas); Western Electric (engenharia civil); e SDC, ligada à Rand Corp. (software). Cada bunker era chamado "centro de direção". O SAGE começou a funcionar no primeiro deles em 1956 e no último em 1962. Permaneceram ativos até 1983, ano em que foi desligado o centro localizado no Canadá.
Olhando daqui onde estamos, com todo o progresso computacional que se deu desde aqueles tempos, é possível ver a importância que teve o SAGE no desenvolvimento da informática. Foi durante este projeto que foi inventado o modem, querido aparelhinho conhecido de todos nós, que na época teve a função de permitir intercâmbio rápido de dados entre os centros, informando a situação imediata nos setores de espaço aéreo envolvidos. A memória de núcleo também foi concebida para o SAGE, aneizinhos de ferrite cuja magnetização identificava zeros ou uns. O gerenciamento desta memória introduziu na prática o conceito de compartilhamento, com o COMPOOL, uma área do sistema que era utilizada por várias subrotinas e que, mais tarde reapareceria como um componente crucial da linguagem COBOL. Além disso, surgiram também no SAGE conceitos que hoje conhecemos como compartilhamento de tempo, displays interativos, gerenciamento de bancos de dados em tempo real, multiprocessamento, processamento distribuído e processamento em rede. A forma de garantir o bom funcionamento do hardware também introduziu uma inovação, com o conceito de "checagem marginal", uma técnica de testes que permitia a identificação antecipada de componentes passíveis de falhas.
O mainframe SAGE rodava o que, na ocasião, era o mais extenso segmento de código de máquina em execução: 500 mil linhas, algo até então inimaginável, mas hoje considerado fichinha em qualquer PC pé-chulé. Em termos de confiabilidade, o sistema também dava banho. Numa época em que os computadores movidos a válvula ficavam em média um mês desligados para manutenção em cada ano, o sage ficava offline apenas entre 1 e 10 horas por ano.
A despeito dos inegáveis avanços que o SAGE disparou, o sistema nunca chegou a cumprir os objetivos a que se propôs. Quando finalmente foi inaugurado, já havia algo mais poderoso do que os aviões bombardeiros a combater vindos do adversário, os então soviéticos: eram os mísseis balísticos intercontinentais e suas tenebrosas ogivas. Mesmo com o (então) brutal poder de processamento do SAGE, os cálculos não eram suficientemente rápidos para garantir a defesa dos EUA no caso de um ataque por mísseis.
Para ilustrar a motivação da época e os detalhes no desenvolvimento do SAGE, recomenda-se o interessantíssimo filme institucional ON GUARD, produzido pela IBM em cooperação com o Departamento de Defesa, a Força Aérea e a Boeing Airplane Company. O filme foi digitalizado e está disponível gratuitamente na web em formato AVI (codec Divx 4.11), com duração de 12m15s e tamanho de 32,6MB, prato cheio para os bandalargonautas
(© 2002 by c.a.t. ;^). Para quem lida com informática nos dias de hoje, é quase hilário ver na película aquele computador gigantesco ocupando um prédio de três andares com salões imensos. Eram dois mainframes redundantes com uma central compartilhada de controle. Os dados eram introduzidos via cartão perfurado e a saída se fazia através de impressoras que pareciam tanques de guerra. Foi quando inventaram também o terminal de vídeo, na época chamado visualscope ou displayscope, um casamento de televisão com tela de radar. Para o SAGE ser um sucesso, parte do processamento de dados precisou ser feito a bordo das aeronaves. Daí a necessidade de se projetar os primeiros computadores modulares funcionando em aviões bombardeiros, desafio também retratado no filme. De resto, fica uma advertência aos experts de hoje em desenho industrial. Observando o design dos computadores antigos tem-se a impressão de que pareciam coisas robustas e confiáveis, ao contrário dos atuais que mais se assemelham a brinquedos.
Links adicionais:
Ótima apresentação em PowerPoint, com boas fotos:
http://www.si.umich.edu/~jlking/icis2k/keynote.pptAnimação do sistema em funcionamento:
http://www.mitre.org/pubs/showcase/sage/in_action.htmlLocalização alternativa do vídeo SAGE:
http://cat.brturbo.com/sage.avi
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