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O dia da mentira |
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Artigo: | 538 |
Origens do costume e histórias do arco da velha |
Publicado em: | 2002-04-01 (!!) | |
Escrito em: | 2002-03-28 |
Convém à leitora ficar bem espertinha no dia de hoje com relação a emails surpreendentes, ofertas extraordinárias, sites com revelações mirabolantes, telefonemas trazendo notícias estapafúrdias e outras brincadeiras típicas de primeiro de abril. Muita gente cai nesses embustes a cada ano e aguarda o ano seguinte para aplicar, num amigo ou conhecido desavisado, os truques em que caíram. Paradoxalmente, a comemoração anual caótica e desordeira do primeiro de abril, seja via internet ou não, ajuda a reafirmar valores comunais, atuando como válvula de escape e dando às pessoas uma chance de descarregar seus antagonismos sociais de uma forma geralmente inofensiva.
As origens do dia da mentira perdem-se nas brumas do tempo e cada local parece ter uma versão própria para explicar o costume. De acordo com o folclore inglês, por exemplo, o hábito surgiu na cidade de Gotham, um vilarejo legendário povoado por bobos, supostamente localizado em Nottinghamshire. Reza a lenda que, segundo a tradição vigente no século XIII, qualquer estrada por onde o Rei passasse se tornaria propriedade pública. Os cidadãos de Gotham, não querendo perder a receita do pedágio em sua estrada principal, espalharam um falso boato de modo que o Rei John não viesse a passar por sua cidade. Quando Sua Alteza soube da mutreta, enviou para Gotham um mensageiro para que os locais explicassem seus intentos. Mas em lá chegando, no primeiro dia de abril, o emissário encontrou uma cidade habitada exclusivamente por gente maluca, empenhada em tarefas e atividades completamente insanas, como por exemplo afogar peixes no rio e tentar aprisionar pássaros em gaiolas sem teto. Estavam todos fingindo piração, é claro. Todavia, Sua Majestade, ao ouvir o relatório do servo, caiu direitinho na embromação e declarou a cidade como tola demais para merecer qualquer punição. Desde então, aquele dia ficou sendo conhecido por lá com o dia dos bobos, em comemoração à encenação.
Já os franceses apresentam uma outra origem para o sentido da data, que naquele país cai bem na primavera, época em que abundam peixes nos córregos e rios franceses, logo após os alevinos terem saído dos ovos. Nesse período é moleza capturá-los com anzol e isca. Os franceses então os chamam de "poissons d'Avril", ou peixes de abril. Assim, tornou-se costumeiro enganar as gentes no primeiro de abril, comemorando a abundância de peixes bobocas. Até hoje os franceses usam o termo "poisson d'avril" para designar os infelizes que caem nas mentiras desse dia.
Nem a mídia perde a oportunidade de enganar trouxas nesta data, como foi o caso da memorável coluna do amigo Piropo aqui no Caderninho em 1996, com o inesquecível hoax do "Mega Nacas". No ano seguinte, a seriíssima revista científica Discovery publicou um artigo sobre as descobertas de um paleontólogo na Alemanha, que teria encontrado instrumentos musicais avançados usados pelo homem de Neandertal, feitos de dente de mamute, bexiga de animais e ossos. Tudo lorota.
Porém, uma das mais ousadas e bem sucedidas pegadinhas de primeiro de abril se deu em 1974, obra-prima dum feladamãe chamado Porky Oliver Bickar. Na Ilha Kruzof, pontinha leste do Alaska, EUA, existe um vulcão extinto com pouco menos de 400m de altitude, o Monte Edgecumbe, a 20km da cidade de Sitka, onde Porky morava. Naquela manhã de céu límpido, ele conseguiu contratar um helicóptero e, com a ajuda do dono da máquina, Earl Walker, preparou duas cordas longas, cada uma sustentando 50 pneus velhos. Separou uns trapos velhos oleosos, um galão de Sterno (geléia combustível usada em acampamentos) e algumas bombas de fumaça. Porky conseguiu contato com um camarada na FAA (Federal Aviation Administration) local, a quem explicou o golpe e obteve dele permissão "legal" para o vôo. Em duas investidas, levou os 100 pneus até o interior da cratera adormecida e coberta de neve e ateou fogo neles, produzindo uma copiosa fumaça espessa e negra. Ainda se deu ao trabalho de pintar as palavras APRIL FOOL em letras garrafais de 15 metros cada uma, com spray colorido sobre a neve, ao lado da imensa fogueira. A população entrou em polvorosa, acreditando que era prenúncio de erupção. Apesar de ter antes notificado a FAA e a polícia de Sitka, o infame Porky tinha esquecido de avisar à Guarda Costeira, cujo comandante despachou imediatamente para o sopé do monte uma embarcação de emergência, acionou o almirante do 17º distrito em Juneau informando da iminente crise, e mandou um helicóptero militar urgentemente para o vulcão. O piloto foi até lá, leu o letreiro colorido na neve e reportou o achado ao almirante, mal podendo conter o riso. O povo, enlouquecido, não deu tréguas aos telefones da estação de rádio local e da polícia. Até o vice-presidente da Alaska Airways, sabendo da atividade "vulcânica" no Monte Edgecumbe, mandou seus aviões passarem perto da fumaceira, a uma distância segura obviamente, para que os passageiros pudessem testemunhar a inesperada erupção. Imagino a turma olhando das janelinhas, vendo a fogueira, lendo o letreiro e cuspindo o café.
Outros causos:
Velho Oeste, na hora do enforcamento:
http://www.ee.umd.edu/~vida/May%20Cheer%20U%20Up/April%20Fool.jpgLago La Verne ficou verde, 1996:
http://www.ag.iastate.edu/centers/wrg/Laverne/daily/1990s/4-2-96.JPGConto infantil "April, the Fool":
http://www.ongoing-tales.com/SERIALS/oldtime/STORIES/APRIL/aprilfool.htmlSite para enviar trotes de primeiro de abril:
http://bsnewz.com/E agora, o melhor guardei para o final -- April Fool's Gallery -- a mais impressionante coletânea de peças de primeiro de abril, cobrindo espaçadamente vários anos, desde 1582:
http://www.museumofhoaxes.com/aprilframe.html
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