O GLOBO - Informática Etc.
Carlos Alberto Teixeira
C@T

Verbo novo no pedaço

Artigo: 560

 Não me venha com perguntas antes de ter guglado

Publicado em:  2003-02-03
Escrito em:  2003-01-30

 

Essa ninguém me contou, eu vi. Em pleno ambiente de trabalho, um rapaz chegou para o colega e fez alguma pergunta daquelas cabeludas sobre algum assunto bem obscuro. Algo que apenas um enciclopedista poderia saber. E a resposta do mancebo foi sincera e rápida: "Sei lá. Já guglou?" Pronto, estava criado um verbo novo -- verbo guglar. Para quem já conhece a ferramenta, é claro que nem preciso explicar de onde vem o neologismo. Mas se a leitora está chegando agora ao mundo internético, seus primeiros passos deverão ser, nesta ordem: (1) aprender a clicar com o mouse; (2) aprender a teclar Enter; (3) aprender a teclar Del para matar spam; e (4) aprender a usar o Google, que se pronuncia "GÚ-gâl".

Quando a comunidade digital começou a se dar conta que a internet estava se tornando grande demais e que já estava ficando difícil encontrar informações específicas nas malhas da rede, surgiram as máquinas de busca -- ferramentas online que ajudavam o navegante a pescar o que quisesse no infinito mar de sites. Muitas ferramentas de busca surgiram e desapareceram, verdadeiros modismos. Dentre elas, uma se destacou por sua confiabilidade e poder de recuperação de dados, o www.google.com.br, Google para os íntimos. Atualmente, com um pouco de prática, é possível encontrar quase qualquer informação em menos de três minutos, apenas jogando com as palavras-chave de busca. O sabichão lá do escritório completou: "Só me pergunte alguma coisa depois de já ter guglado".

Hoje em dia, em ambientes corporativos conectados à rede, raramente alguma dúvida enciclopédica ou almanáquica não pode ser dirimida num piscar de olhos com uma ou duas gugladas. E isso tem duas conseqüências. A primeira é que a nossa capacidade de resolver problemas aumenta incrivelmente, pois aceleramos a etapa da busca por subsídios. A segunda, antagônica, é que guglar pode ser perigoso se a criatura não for boa de foco. A coisa mais fácil numa busca é o cabra se interessar por um link não diretamente afeito à sua pesquisa e sair derivando como um insano por caminhos que nada têm a ver com sua dúvida original.

Em casos assim, abrindo um parêntese, quando o surfista está lá adiante, perdido entre cinco ou seis janelas do browser empilhadas na sua tela, e quer voltar para sua busca verdadeira, a dica é teclar um control-H, ou ir lá no menu até o "Exibir / Barras do Explorer / Histórico". Obviamente, estou assumindo que a leitora é sábia e usa o browser Internet Explorer, e não uma porcaria qualquer. Pois bem, pegando intimidade com o Histórico, em especial no modo "Exibir / Pela ordem de visita hoje", o internauta pode se dar ao luxo de derivar à vontade, e depois saber voltar direitinho ao caminho da busca séria que originou a viagem. Fecho parêntese.

Em certos escritórios plugados, nos momentos de recreio, a rapaziada promove animadas disputas de cinco minutos gúglicos. Funciona com um mestre de cerimônias metralhando um email interno para os participantes, contendo uma pergunta bem difícil. Cada um tem que sair guglando feito louco e vencerá aquele que encontrar a resposta mais rápido e com o menor número de clicks em links. Naturalmente há que se confiar no fairplay dos disputantes, ou seja, não vale mentir sobre o número de pulos. Sabendo que a natureza humana às vezes é sórdida, nas disputas do final do mês, quando geralmente as corridas no guglódromo geram apostas em dinheiro, os adversários são acompanhados de fiscais incorruptíveis que fazem auditoria do número de clicks/links de cada um.

É possível prever que as futuras gerações esquecerão por completo o que sejam livros, revistas e jornais como hoje os conhecemos. Toda a informação pública e universal estará online e de graça. Naturalmente, chegará o dia em que pagaremos pelo ar, pela água e também pelos almanaques digitais, mas ainda demora. Mas o bom mesmo vai ser a interface. Nada de telas, mouse, nem teclado. Um minúsculo biochip, que já nos terá sido implantado ao nascermos, com uma sutil injeção na cabeça, fará crescer em nosso crânio finíssimos tentáculos neuronais que se alojarão em certos becos e ruelas de nosso cérebro. Guglar será apenas pensar numa pergunta. Os sensores interpretarão nossa questão e enviarão a query ao biochip, que por sua vez estará ligado por radiofreqüência a um dos bilhões de transdutores públicos que existirão onipresentes em torno de cada humano na face da Terra ou fora dela. Com a velocidade de um raio, o processador distribuído mais próximo de nós encaminhará a busca ao backbone do planeta onde estivermos e em poucos segundos teremos a resposta estampada no circuito nervoso conectado à nossa retina, caso seja uma imagem. Ou como um módulo de idéia, caso seja um texto ou conceito. Tudo isso realimentado pra dentro de nosso cérebro pelos filamentos ligados ao nosso querido biochip individual movido por uma micropilha atômica. Qual de nós não daria tudo pra renascer no tempo dos nossos bisnetos? Vai ser um mundinho bem interessante esse nosso.

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