O GLOBO - Informática Etc.
Carlos Alberto Teixeira
C@T

Saboneteira mágica

Artigo: 573

 Estaria resolvido o problema da última polegada?

Publicado em:  2003-08-04
Escrito em:  2003-07-31

 

Clique para ampliar mais esta magistral ilustração do mestre Cruz.Matemática hoje, que tal? Vamos sair dum ponto A indo até um ponto B. Mas para percorrer essa distância vamos complicar um pouco as coisas. Iremos aos pulinhos. Em cada pulo vamos até a metade da distância que falta. No primeiro pulo estaremos exatamente no meio do caminho entre A e B. No segundo pulo, estaremos na metade da segunda metade, e assim sucessivamente. Estaremos então chegando cada vez mais perto do ponto B mas, como a leitora já percebeu, jamais chegaremos lá, pois sempre faltará uma metadezinha minúscula a percorrer.

Esse jogo hipotético é só para ilustrar um sério problema que existe na conectividade da internet. O esqueleto da grande rede está montado e a grande teia de ligações se espalha pelo planeta quase inteiro. Mas a dificuldade de chegar ao usuário final é imensa em função dos custos de cabear o sistema até ele. É o que se chamava "the last mile barrier" (a barreira da última milha), ou seja, a dificuldade de esticar cabos no último trecho para chegar ao internauta doméstico. Bem, já andaram tendo alguns sucessos nisso e o desafio, simbolicamente falando, se focou na "the last inch" (a última polegada). A solução que vai pintando no horizonte é mesmo a que se esperava: internet via rede elétrica, Wi-Fi e bolhas eletromagnéticas de acesso.

Vamos dar um rewind até 3 de março do corrente ano, quando a nossa querida Cris de Luca escreveu aqui no Caderninho sobre acesso internet predial via rede elétrica. Na mesma época, o Portal da Automação também veiculou matéria sobre o tema. Tínhamos acabado de entrar no seleto grupo de países que possuem "PLC in Home" (Power Line Communication in Home = comunicação caseira pelas linhas de força). Nossos coleguinhas são os grandões de sempre: EUA, Alemanha, Japão, etc. Aqui no Brasil algumas companhias já vinham fazendo experiências em PLC, como a Copel, a Cemig e a Eletropaulo. Mas quem está arrebentando pra valer é a empresa WiPlug, irmã da Taho, sediada no parque tecnológico Petrópolis-Tecnópolis, no Rio de Janeiro, com filial em Montevidéu, no Uruguai.

Semana passada, num chopp com veteranos do tempo dos BBS, encontrei meu velho amigo, o Prof. Carlos São Paulo, engenheiro de desenvolvimento de hardware da Wiplug. No meio da conversa ele tirou do bolso algo que parecia uma saboneteira azul. Com longas explicações que quase nos derrubaram da cadeira, de tão estupefatos que ficamos, o grande Sampa apresentou o produto WiPlug. A saboneteira tem dois pinos chatos de metal, desses que se mete na tomada elétrica da parede, e um conector fêmea RJ45, de rede. Modo de usar: pluga-se o dispositivo na tomada e conecta-se na coisa o cabo de rede de seu PC. Pronto, você está na internet. É assim, revoltantemente simples. Prédios inteiros podem se beneficiar disso, basta ter TCP/IP e o usuário tá dentro, seja com Windows, seja com Linux. O alcance é de 300 a 500 metros. Já fizeram com sucesso uma ligação com cabo blindado até 2 km, mas foi só experimental. Já existem 250 protótipos em funcionamento. Estão para sair do forno mais 500, e já há encomenda para mais três mil unidades. A produto é fabricado em Porto Alegre (RS), na JIW Indústria Eletrônica.

A grande dificuldade em transmitir pacotes IP pela rede elétrica é o ruído no sinal. (Um parêntese: a turma dos radioamadores já está tiririca da vida com a interferência causada por cabos elétricos transmitindo dados internet, que causam ruídos terríveis. O PhD japonês Cosy Muto - apaixonado radioamador, prefixo JH5ESM, e membro da IEEE, tem ótima explicação sobre o tema e uma página com incríveis exemplos de ruídos em transmissões. Ele lançou uma campanha CONTRA o PLC. Huá! A vingança da internet! Fecho parêntese.) A solução para a questão surgiu com um chinês completamente pancada das idéias em dezembro de 1966. Quando ninguém jamais imaginaria a aplicação que seria dada a isso no futuro, R.W.Chang, que trabalhava na Bell Systems, escreveu um artigo sobre síntese de sinais ortogonais limitados por banda para transmissão de dados em multicanal. Grego? Certamente que sim. Tem a ver com a "teoria dos caminhos paralelos" e com uma engenhosa manobra matemática para atenuar os picos do sinal analógico que poderiam impossibilitar transmissões digitais puras, usando um mixer que rejeita harmônicos nocivos. O artigo de Chang se encaixou num modelo teórico proposto na década de 1950 que acabou dando origem à tecnologia OFDM (orthogonal frequency division multiplexing = multiplexação por divisão ortogonal de freqüência), que é o sustentáculo da nossa querida saboneteira internet e é uma técnica que já vem sendo usada na telefonia celular 3G, na TV digital (padrão japonês) e em rádio FM digital. Em termos práticos, a OFDM é implementada por um chipzinho dentro da saboneteira, que possui 86 modems embutidos que, em conjunto, acabam com a raça dos malditos ruídos analógicos.

Se a leitora fosse uma chata, coisa que sei que não é, certamente perguntaria se não haveria problema de segurança, já que qualquer "sniffer" (fungador, cheirador - dispositivo que fica monitorando a rede) poderia chupar os pacotes IP perambulando pela rede elétrica e corromper a privacidade das transmissões. Pois bem, até nisso o meu amigo Sampa pensou, pois os pacotes trafegam encriptados com algoritmo DES 56 bits, ou seja, tudo nos trinques.

Aguarde portanto, para breve, hotéis oferecendo internet nos quartos através do aluguel de uma saboneteira dessas, ou mesmo, de uma lâmpada wireless que você vai atarrachar num abajur, gerando uma bolha de acesso internet no aposento. Aliás, se tem algo a esconder, leitora, cuidado: já existem câmeras de espionagem usando essa técnica. Preocupei você não foi? Bem... quem mandou não andar na linha? ;^)


 E, Sampa, você pediu pra eu não chamar o treco de saboneteira, mas não consegui resistir à tentação.

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