|
Matrix, revoluções e pressa |
|
Artigo: | 580 |
Você também é um mosquito d'água? |
Publicado em: | 2003-11-06 | |
Escrito em: | 2003-11-10 |
Quem mais gostou do recém-lançado filme Matrix Revolutions deve ter sido o barulhento Larry Ellison, dono da Oracle, o mais famoso fabricante de software de banco de dados. Ganhou valiosa propaganda de graça, pois o que mais se menciona no filme é o tal do Oráculo (em inglês Oracle). É Oráculo pra todo lado, uma chatice ímpar. Aliás, o filme todo é absolutamente sacal, um falatório infindável metido a filosófico e metafísico, sem pé nem cabeça. Até as cenas de ação são repetitivas, sem graça, quase enjoadas, além de absolutamente inverossímeis no ponto de vista da Física, deitando por terra tudo que se aprendeu em Mecânica -- Estática, Dinâmica e Cinemática. Mas prefiro deixar o resto dos comentários indignados lá no blog Catalisando; dê uma olhadela por lá, sob o título "Matrix Revolutions: fomos enganados".
Deixo como gancho aqui para a leitora apenas uma cena do filme, em que o herói, no meio duma batalha feia, sugere à sua amada que pilota a nave: "Vamos fugir para o céu". E lá vão os dois, furando uma espessa camada de nuvens escuras e elétricas, indo dar num belo céu aberto, apenas por um breve momento. A moça se maravilha ante a visão e logo descem eles novamente para baixo das nuvens, dando continuidade à frenética ação.
Estamos mergulhados numa guerra parecida, envoltos numa densa nuvem de tecnologia, onipresentes gadgets e sufocados pelo excesso de informações. Na terça-feira da semana passada deu aqui em O Globo uma ótima matéria relatando que o volume de informação no planeta dobrou em apenas três anos. De que adiantou esse crescimento tão assombroso? Sua vida melhorou tanto assim nesse mesmo período?
Quem dá seus primeiros passos nas trilhas da conectividade e dos computadores pessoais só enxerga maravilhosas e amplas possibilidades quando se vê diante de sua máquina, passeando pela internet. Mas mesmo em termos de crescimento e desenvolvimento pessoal, se você se der ao trabalho de sair perguntando à turma que já está a, digamos, dez anos ou mais nessa roda-viva, certamente terá surpresas. A primeira delas tem a ver com Aritmética básica, ou melhor, com a capacidade de fazer contas. O uso das calculadoras e das planilhas está emburrecendo o pessoal. O que mais tem por aí é gente que lida com máquina há anos e cuja mente foi se atrofiando para o cálculo mental. Às vezes nem mesmo pegando lápis e papel o camarada consegue fazer uma divisão ou uma multiplicação. Ele se lembra do velho "arme e efetue" dos tempos de colégio, e talvez da tabuada, mas seu cérebro não treinou mais e se estagnou. O mesmo se dá com alguns no que tange ao poder de memorização. Junte-se a falta de prática à eterna correria dos dias atuais e veremos que são poucos os que têm oportunidades e aptidão para capturar e reter informações na memória. Agendinhas eletrônicas, celulares com centenas de números armazenados, bancos de dados, tudo isso fomenta um engessamento da nossa faculdade de lembrar. Até para discar um simples número de telefone a partir de uma anotação em papel, há casos graves de pessoas que não conseguem fazer a decorebinha instantânea dos oito algarismos duma vez só e, para digitar o número, precisam lê-lo em duas partes discando quatro dígitos de cada vez. Se a querida leitora se encontra nesse estágio, é hora de tomar urgentes providências. Faça palavras-cruzadas, brinque com jogo da memória, promova disputas com os colegas de trabalho de quem faz uma conta de dividir cabeluda em menos tempo, sei lá, invente. Mas não deixe seus miolos perderem o pique.
Outra coisinha que incomoda é escrever à mão. Quem se acostumou ao teclado do computador acabou se viciando. Depois que a gente passa da fase de catar milho e continua praticando, começa a desenvolver tal velocidade que vira um pesadelo pegar a caneta e escrever qualquer coisa. Com o passar do tempo, a letra se transforma em garrancho, o braço e a mão se cansam facilmente e acabamos voltando para o rápido teclado. Muitas vezes nem nós mesmos conseguimos ler uma anotação nossa a caneta depois de algum tempo, do tanto de horrenda que ficou a letra. A gente sai rabiscando as palavrinhas, mas a mente anda mais rápido que a mão, ó lerdeza, e nos desesperamos. E se realmente precisamos reler depois o que foi escrito, muitas vezes apelamos para abreviações e símbolos, o que é mais um fator de empobrecimento do texto manuscrito, tanto na forma quanto no conteúdo. Para tudo isso, do mesmo modo, a cura é a prática. Se você se vê nessa situação e ela lhe causa incômodo, trate então de se disciplinar. Escreva à mão cartinhas curtas para amigos e conhecidos. Talvez poemas. E depois vá tornando-os mais longos. Ou senão habitue-se a escrever um conciso diário, caneta no papel, como nos velhos tempos.
O próprio texto digital que produzimos está se corroendo, aprodrecendo. A overdose de emails nos impede de ler tudo que chega, quanto mais responder. Quando se tem tempo para escrever um reply ou uma nova mensagem, já surgem de assalto outros temas velozes e novas pressões de tempo, fazendo com que não nos esmeremos devidamente na apresentação de nossas idéias e opiniões. O texto sai rápido, mas fica ralo. Nas salinhas de chat então, o fenômeno é dez vezes mais grave. Nelas, a comunicação escrita virou um código truncado, limitado, imediatista e vazio.
Nossa própria capacidade de surfar na web nos transforma em mosquitos d'água, aqueles bem levinhos que conseguem pousar na superfície dum lago sem afundar e saem aos pulos, cruzando rapidamente a lâmina molhada. Quanto nos permitimos aprofundar num site? Nada, quase não nos damos esta oportunidade. Queremos a próxima página, o próximo link, rápido, vai, vai, senão não dá tempo. É tudo corrido, superficial, urgente, curto e compactado.
Cuidado, cara-pálida. Isso não vai acabar bem. E, massificando-se esse comportamento, chegará uma hora que não teremos mais volta.
Comentário relevante:
----- Original Message -----
From: Paulo Pinto
To: Carlos Alberto Teixeira
Sent: Tuesday, November 11, 2003 1:41 AM
Subject: De que adianta tudo isso?
Caro CAT:
{{
Estamos mergulhados numa guerra parecida, envoltos numa densa nuvem de tecnologia, onipresentes gadgets e sufocados pelo excesso de informações. Na terça-feira da semana passada deu aqui no GLOBO uma ótima matéria relatando que o volume de informação no planeta dobrou em apenas três anos. De que adiantou esse crescimento tão assombroso? Sua vida melhorou tanto assim nesse mesmo período?
}}
Recomendo a leitura do livro "O Poder do Agora" de Eckhart Tolle. Tá quase tudo lá. Ele faz um resumo dos ensinamentos do Maharish Mahesh Yogui e Bhagwan Shree Rajneesh (Osho), com pinceladas de Bhagavad Gita, Zen e Taoísmo. Num mundo cada vez com mais tecnologia, os homens só sabem o que acontece fora do limite da pele. Tem muita gente boa por aí que nem desconfia que existe um mundo interno. :-)
Um abraço,
Paulo Sergio Pinto
[email protected]
www.kissfc.com.br
www.pauser.hpg.ig.com.br
www.variety.kit.
[ Voltar para o índice de 2003 ]
[ O
Globo | Informática Etc.
| coluna
mais recente | enviar email |
página
pessoal C@T | assinar
lista InfoEtc | assinar
GoldenList do C@T ]