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O GLOBO - Informática Etc.
Carlos Alberto Teixeira

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Artigo: 616 / Publicação: 2005-03-28

ATRIBULAÇÕES DUM CONSUMIDOR PEDESTRE

Ilustração do honorável e mil vezes sábio Mestre CRUZ. Clique para ampliar.

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Duas maldições me atormentam quando me aventuro a fazer compras a pé pela cidade, seja no Centro, seja aqui em Copacabana, ou mesmo em alguma viagem a serviço, no Brasil ou lá fora. Em geral, sou vitimado quando caminho em busca de algum badulaque informático, eletrônico ou tecnológico. Ambas pragas me afetam pelo sentido da visão e a primeira tem a ver especificamente com o fator preço. Quando encontro um gadget que me interessa, dou uma circulada nas redondezas para procurar a oferta mais em conta. Nada compulsivo, apenas um hábito antigo de fazer um bom negócio. E, como se sabe, isso leva tempo, ou seja, sair fuxicando de loja em loja ou, se estiver buscando nos camelôs da vida, são léguas e léguas de ruas, praças, travessas e ruelas. Naturalmente, as áreas que têm mais ofertas são os shoppings de informática e os grandes camelódromos, como o da Rua Uruguaiana.

Mas chega uma hora que eu canso, volto ao local onde consegui a melhor pechincha e fecho a compra, feliz da vida. Dá-me uma certa sensação de dever cumprido, uma altivez de quem não sucumbiu ao atravessador e venceu mais uma batalha. Alegria efêmera, porém, sentimento tristemente fugaz, pois é justamente aí que a primeira maldição cai estrepitosamente sobre minha cabeça, especialmente se estou nas ruas do Centro. Com o produto recém-comprado já bem junto a mim, esmero-me em seguir meu caminho de volta desviando cuidadosamente o olhar de vitrines, barraquinhas, quiosques e ambulantes. Cartazes, galhardetes e anúncios, também os evito a todo custo. Sabedor da sina que me persegue, tento me proteger ao máximo da ameaça. Porém, quase sempre fracasso, não tem jeito. Eis que, num dado momento, numa escorregadela sutil de minha concentração, a visão derrapa de forma irresponsável e vai cair invariavelmente numa aterrorizante cena, absolutamente indesejada, inesperada e num local improvável. Lá está ele, lindo, reluzente e sumamente irritante -- aquele mesmíssimo produto que acabei de comprar -- sempre em alguma maldita promoção super-especial, mais barato do que o preço que paguei. Minha vontade instintiva é chamar uma turma de 40 lutadores de sumô, dar a cada um deles um bastão de beisebol e vê-los depredando a loja de maneira selvagem e impiedosa. Em seguida, jogaria gasolina no estabelecimento, atearia fogo e me deleitaria ao ver ardendo em chamas não só o vendedor como também a vitrine, o produto e a loja inteira do animal. Porque será que isso me acontece sempre? Nunca falha. Meu olhar parece ser meu inimigo, magneticamente atraído por aquilo que eu menos desejaria ver, um preço mais em conta. É como se um demônio poderoso pairasse sobre mim, um encosto na minha aura, dotado de aguçada visão telescópica de 360 graus, atento às ofertas mais vantajosas e impelindo-me a caminhar precisamente em direção a elas nos logradouros públicos, divertindo-se em me fazer sentir um verme derrotado. E para minha suprema desgraça, estou agora entrando numa fase ainda mais doentia, verdadeira e insana inversão de valores. Depois de comprar algo, já começo a sair vasculhando logo pelas ruas onde é que minha mirada vai novamente me trair e me fazer ver o que não quero.

A segunda maldição nada tem a ver com tecnologia nem informática, mas é igualmente perturbadora e sinistra. Trata-se dos terríveis centros de podologia, aquelas clínicas onde se trata dos pés e onde se cura joanetes, inchaços, calosidades, unhas encravadas, abscessos asquerosos e outras deteriorações pododáctilas. Já mapeei em detalhe e execro todas as clínicas deste tipo que existem aqui por perto de casa e muitas das diversas outras espalhadas pela cidade. Foto extraída do hediondo site chileno http://www.podologia.cl/diabetes.htmAssim, sem mencionar as vezes em que sou pego de surpresa, sempre que conscientemente me aproximo de um desses estabelecimentos, começo a elevar minhas preces aos céus e inicio uma ladainha mística, de modo a me dar forças para não olhar as aberrantes fotos que ilustram as vitrines dessas clínicas. Se você já viu uma delas, sabe bem do que estamos tratando. São de uma crueldade inimaginável, a tal ponto explícitas que suplantam todo e qualquer senso de utilidade e bom gosto. Dedões gorduchos e feiosos supurando, mindinhos semi-esmagados ou retorcidos, unhas amareladas e pustulentas, artelhos deformados e com aparência de fétidos, bolhas intumescidas a ponto de explodir, carnegões sebentos e volumosos, em suma, uma apologia à necrose dos tecidos e às inflamações mais horrendas possíveis. Minha alma sensível não suporta a visão dessas coisas. No entanto, por alguma razão intangível que escapa ao meu controle, alguma circunstância faz com que eu me distraia de minhas dramáticas orações e, quando estou a poucos metros da cena tão indesejável, algo faz com que o foco do meu olhar recaia justamente sobre as detestáveis imagens. Será uma nódoa espiritual que resulta do meu karma? Acho que vou abrir uma ação penal junto à Prefeitura proibindo a exibição dessas fotos em vitrines, galerias comerciais, shoppings e vias públicas. Será que só acontece comigo ou será que faço parte de uma comunidade numerosa e amaldiçoada que padece em silêncio pelas ruas da cidade?


O caso Intel que relatei na coluna passada está quase resolvido. Ligaram-me da empresa, gentilmente reconheceram o erro e prometeram entregar meu prêmio em meados do corrente ano. Manterei a leitora informada do desfecho final.

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