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O GLOBO - Informática Etc.
Carlos Alberto Teixeira

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Artigo: 630 / Publicação: 2005-10-10

OLHO VIVO NAS CAIXAS DE PAPELÃO

Ilustração do meu amigo Cruz, o mestre dos mestres.

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Em 1873, Adams, um fabricante de tampas de caixão funerário nos EUA, estabeleceu em sua patente que quem comprasse o tal produto não poderia usá-lo fora de uma região circular com raio de 10 milhas de raio cujo centro seria a cidade de Boston. Uma empresa local, a Lockhart & Seelye, comprou um lote dessas tampas e vendeu uma delas a um agente funerário chamado Burke e estabelecido à cidade de Natick, localizada dentro do tal círculo. Só que, quando Burke comprou a peça, não foi informado sobre a famigerada restrição geográfica. Ele instalou a tampa num caixão bem luxuoso e vendeu-o à família de um cidadão recentemente falecido. Acontece que o sepultamento do indivíduo, imagine a leitora!, verificou-se fora da área circular estabelecida na patente, o que motivou Adams a mover uma ação judicial contra Burke. Após elaboradíssimas considerações jurídicas, porém, o juiz deu ganho de causa a Burke, já que o réu não tinha sido informado da restrição.

Este caso foi evocado por Fred von Lohmann, advogado sênior da Electronic Frontier Foundation que se pronunciou a favor da ACRA (Arizona Cartridge Remanufacturers Association), um grupo de empresas que vendem cartuchos de impressora reciclados, que moveu uma ação contra a Lexmark International, fabricante de impressoras, alegando que a empresa estava conduzindo prática injusta de negócios ao prometer descontos em seus cartuchos laser para clientes que devolvessem seus cartuchos Lexmark usados.

No final das contas, a Lexmark ganhou a ação e o caso estabeleceu um precedente histórico, pois reforçou o direito de uma empresa em limitar legalmente os usos que um cliente pode dar a um produto patenteado. Mas a empresa só venceu porque as condições e restrições de uso estavam claramente visíveis no invólucro do pacote do produto, uma caixa de papelão. Assim, quando o cliente abria a embalagem, estava automaticamente concordando com as tais condições estabelecidas no que já está sendo chamado de "licença box-top".

Voltando ao funesto caso supra-citado, será que se a caixa envolvendo a tampa comprada por Burke trouxesse claramente expressa a restrição do círculo com 10 milhas de raio, ele não teria ganho a ação em 1873?

Todos nós conhecemos muito bem aqueles chatíssimos acordos de licenciamento que aparecem em nossa tela sempre que instalamos um novo software ou nos cadastramos em algum site. São textos longos, enfadonhos e cheios de pegadinhas. Poucos são os que os lêem na íntegra. A grande maioria dos usuários nem se dá ao trabalho de rolar o texto até o final. O usuário comum clica logo no "aceito" e mete bronca direto, desconsiderando os meandros jurídicos que, geralmente, o impedem de realizar engenharia-reversa no código do software ou copiar o programa. Da mesma forma, licenças box-top podem legalmente impedir o comprador de realizar alterações no produto adquirido ou de buscar reparos em estabelecimentos que não façam parte da rede autorizada. Até terceiros podem ser afetados, como por exemplo, empresas de suprimentos ou de peças de reposição que não venderiam seus produtos para estes clientes, já que eles estariam infringindo as regras expressas na caixa de papelão.

No caso dos fabricantes de impressoras, grande parte do seu faturamento se deve à venda de cartuchos de impressão. Para garantir seu negócio, vários fabricantes põem em seus cartuchos um chip que se comunica com a impressora. Em alguns casos, se o usuário utilizar um cartucho sem chip, ou se o chip indicar que o cartucho foi reciclado, a impressora não funciona. Já houve até empresa lançando clones desses circuitinhos, para permitir que impressoras desse tipo funcionem sem o chip original.

Quanto à bossa de estampar ressalvas e avisos jurídicos nas caixas de papelão que embalam produtos, é quase certo ela em breve vai chegar aqui ao Brasil também, se é que já não chegou. Entrevistado pelo jornalista J. D. Biersdorfer, do New York Times, o advogado von Lohmann citou alguns exemplos de como o conceito das licenças box-top poderá ser usado no futuro. Um deles é o caso dos fabricantes de automóveis, que poderão afixar uma etiquetona nos carros novos informando que, ao abrir a porta do veículo pela primeira vez, o novo dono estará concordando formalmente em usar apenas peças de reposição originais.

Ao longo da História, a regra tem sido que quando você compra algo, você é o dono e fim de papo, pode fazer o que quiser com o produto. Só que, com o precedente aberto por estas licenças, poderá se estabelecer um controle sobre o que o comprador poderá fazer com um dado produto após a compra. Os donos de patentes e fabricantes devem estar em festa. Já o consumidor, pobre coitado, dançou bonito.

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